III

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Durante os três dias que procederam estive praticamente presa à casa daquele homem que havia conhecido tão repentinamente. John saia logo cedo pela manhã e voltava ao fim da tarde, sem retorno para o almoço e ainda, não raramente, também se ausentava à noite, assustando-me com passos ruidosos no assoalho pela madrugada ao chegar bêbado. As três crianças  mais velhas, Anna de seis anos e os gêmeos Jack e James de cinco, iam à escola, e a pequena Katie, de dois, saía para passear com a babá, Nina, boa parte da manhã; o que me deixava totalmente sozinha no imóvel durante o período das 8h às 11h.

     John não me dera muito mais atenção, apenas conversávamos um pouco sobre a rotina durante o jantar, antes que ele subisse e colocasse os filhos na cama e se retirasse para seu quarto depois de me ajudar a estar na minha cama também. Por outro lado, as crianças tornaram-se muito próximas. Passávamos à tarde juntas, por vezes na cozinha, com Nina, auxiliando a cozinhar guloseimas, ou na sala, quando insistiam para que eu lesse livros de contos de fadas.

     Descer as escadas era sempre um grande obstáculo. A incerteza em cada degrau me fazia pensar duas vezes antes de querer me aventurar descendo sozinha. Então, enquanto estava só pela manhã, tinha a companhia de alguns livros que Nina me arranjara do escritório de John enquanto rezava para que o tempo passasse logo pela janela.

     Na manhã do terceiro dia, frustrada com o tédio após ter terminado de ler completamente um romance Shakespeariano, ideias erradas começaram a me ocorrer nos pensamentos, tentadoras.

     O trabalho e os negócios de John nunca eram mencionados em nossas breves conversas durante o jantar, mesmo que saber mais sobre o assunto fosse minha intenção quando perguntava "Como foi o trabalho hoje?". O pouco que me deixava saber era que cuidava de apostas em cavalos com seus irmãos, entretanto conclui com certeza de que era algo mais cada vez que flagrava respingos de sangue em suas roupas. Com toda certeza não eram dele. A ideia fixa de que deveriam ser parte de alguma máfia não me saia da cabeça, só podia ser isso! E eu estava muito curiosa sobre o assunto.

     Ocorreu-me pensar uma ou duas vezes em descer as escadas e checar se a porta do escritório de John estava aberta, mesmo sabendo que geralmente ele a mantinha trancada para afastar as crianças de mexerem em suas armas e, hipoteticamente, afastar-me de xeretar também. Mas eu não me aguentava, queria procurar algo que me indicasse certeza sobre o trabalho dele. Caso Nina me flagrasse, poderia alegar ter ido buscar outro livro pra ler.

     E assim, determinada, coloquei-me em pé da poltrona onde estava sentada em meu quarto, largando o livro sobre a cômoda. Escorei-me nas paredes do corredor até a escada, e, com um passo após o outro, de mãos firmemente presas ao corrimão, consegui descer.

Dirigi-me até a porta de madeira entalhada do escritório e, para minha grande surpresa, a chave estava pendurada na tranca. Meus dedos formigaram sobre a maçaneta arredondada de metal antes que eu tomasse coragem e a girasse. Senti o cheiro de tabaco no ar parado da sala assim que o interior revelou-se. Raios solares iluminavam o local, difusos pelo âmbar de uma vidraça alta na parede.

Adentrei a saleta devagar, indo direto à escrivaninha cheia de gavetas, ironicamente oposta à parede que continha a estante com livros. Sentei-me na cadeira de John, tentando abri-las e esperando achar algo interessante. A primeira estava trancada, a segunda repleta de papéis inúteis e indistintos, e a terceira...

-Procurando algo, Alexandra?

     Bati meus pulsos na mesa com o susto, John estava parado à porta com as mãos metidas nos bolsos da calça e um palito entre os dentes, como de costume. Fiquei atônita.

-A curiosidade matou o gato.

-John...me desculpe. Só desci para buscar outro livro da estante e fiquei curiosa com algumas coisas... - John riu, com olhos no chão, com certeza sem comprar minha mentira.

Blind Love || John ShelbyOnde histórias criam vida. Descubra agora