XXIV

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A cada passo dado pelos corredores da mansão, eu amaldiçoava ao chão de tábuas de madeira que, a cada rangido, faziam meu coração bater duas vezes mais rápido. Com Charlotte nos braços, eu vagava pelo labirinto de portas e janelas a fim de ganhar mais tempo para elucidar alguma forma de mantê-la segura mesmo sem a minha presença.

O andar todo parecia deserto e abandonado, mas eu temia que alguém suspeitasse da demora do comparsa que eu acabara de matar e, pior, o encontrasse sem vida. Já desiludida por não conseguir esboçar uma alternativa viável, meu estomago roía-se em ansiedade por John. O medo de descer as escadas até o salão principal e encontra-lo afogando-se em seu próprio sangue sobre o Mármore Carrara do chão não deixava meus pensamentos por sequer um minuto.

A bebê em meu colo não chorava, mas também não estava tranquila, provavelmente espelhando os sentimentos que eu mesma externalizava. Recostada em meu ombro, ela se remexia incomodada.

Sombras altas cruzavam meu corpo, difusas pelas cortinas. Projeções de pessoas que rondavam o lado externo da casa pelo jardim. Vozes altas, masculinas e não familiares povoavam os ares das redondezas.

Já com os músculos doloridos por carregar a criança, dei-me ao luxo de sentar-me em uma pequena banqueta de apoiar pés que estava, por algum motivo, recostada em uma das paredes dali. De sentidos alerta, não conseguia descansar sem esquadrinhar o local minuciosamente a cada cinco segundos, tendo certeza de que poderia neutralizar qualquer ameaça que eventualmente surgisse. "Não fique sem uma arma.", a voz de John reverberava em lembrança.

Curiosamente, meus olhos pousaram em uma portinha na parede um pouco mais adiante da qual eu estava em contato, localizada a pouco mais de um metro do piso. Um elevador de roupa suja.

Fui hesitante por um ou dois minutos, analisando friamente as ideias que acabavam de surgir, estranhas, ousadas e talvez até mesmo cruéis...iam contra meus princípio pessoais, mas infelizmente aquela fora a única oportunidade que me estendera a mão. Meu coração apertava-se, era, sem dúvida, uma medida desesperada.

Levantei-me e caminhei a passos silenciosos até a diminuta porta amadeirada, revelando seu interior com apenas uma das mãos. Dentro do compartimento, um pequeno cesto de sisal estava repleto até a metade de roupas usadas, prontas para serem içadas até a lavanderia do porão.

Enfiei minha cabeça por dentro do buraco, observando apenas a escuridão de um duto metálico.

-Charlotte, você me faria um grande favor?

Minha voz era lenta e suave com a finalidade de mantê-la calma. Sua expressão inocente não parecia ter a mínima pista do que estaria acontecendo. Coloquei o cesto no chão e a acomodei cuidadosamente sobre a pilha de roupas, envolvida ainda em sua própria manta.

-Espero que me perdoe algum dia por te esconder em um lugar tão horrível. Mas, não tenho outra alternativa. - disse, beijando-lhe a testa.

Com isso, levantei o balaio e o dispus cuidadosamente no pequeno espaço do elevador. Foi quando, naquele mesmo instante, como se a pequena tivesse finalmente se dado conta, vi as pequeninas safiras azuis dos olhos dela brilharem em lágrimas amedrontadas. Senti a culpa e meu auto julgamento dilacerarem-me impiedosamente por dentro.

-Não, Lottie...shhh, shhh! Por favor, não chore...

Minha visão periférica captou mais uma das sombras que cruzavam as janelas passando. Todavia, excepcionalmente, aquela havia parado, como se suspeitasse de algo. Houve o silencio das vozes de fora, mas ali dentro, apesar de minhas súplicas, a menina acabara de começar a chorar. O barulho ecoava pelas paredes, alto como um sinalizador.

Blind Love || John ShelbyOnde histórias criam vida. Descubra agora