XXVI

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Sentada na mesa da cozinha da mansão enquanto tomava uma xícara de chá previamente preparada por Michael, eu observava as cozinheiras da mansão agitarem-se por entre as pias, balcões e fogão para prepararem o jantar, incrédula com o fato de que as pobres coitadas não tivessem sido dispensadas de seus trabalhos mesmo após terem se escondido o dia todo dos tiros. Meus olhos ainda estavam úmidos pelas lágrimas de raiva que há pouco ainda insistiam em escorrer.
John e seu primo, que me faziam companhia, conversavam sentados à minha frente na mesa, mas eu estava alheia ao assunto, ouvindo o que minha própria mente tinha a dizer. Resolveram arrastar-me para longe de Thomas antes que a discussão se tornasse mais fervorosa. Eu estava cansada de tanta mesquinharia, irritada com a postura negligente de Tommy para com seus irmãos e companheiros mortos e feridos naquele dia...farta de sua falta de altruísmo e sede interminável pela glória.

As ordens eram para que permanecêssemos na casa até que a rendição das gangues inimigas fosse confirmada. Enquanto Sabini estivesse vivo, possuíamos um inimigo em potencial. Mas as chances de que ele atacasse, depois de ter perdido praticamente todos os seus homens, era quase inexistente.

Mesmo que um atentado fosse iminente, eu já tinha muito com que me preocupar e traumas o suficiente para reviver. Além da imagem de Arthur indo e vindo por entre meus pensamentos a cada pouco, mais intensa à medida que eu ansiava pelas notícias prometidas pelos que o acompanharam ao hospital; meu coração apertava-se no peito ao evocar a imagem da pequena Charlotte e sua mãe brutalmente assassinada.

A cena macabra, infelizmente familiarizada aos meus olhos, não chocava visualmente. Mas sim porque a memória, já empoeirada pelo meu esforço e vontade em apaga-la, emergia da obscura biblioteca dos pensamentos e guiava-me através do tempo para minha própria casa, alguns meses antes, traçando paralelos com o tempo presente. No escritório de meu pai, eu era a pequena Charlotte. Infelizmente, não mais protegida e abençoada pela inocência dos pequenos para poder libertar-me da eterna reminiscência de cada espirro de sangue tingindo o papel de parede.

-Alex? Está tudo bem?

Levantei o olhar da mesa, simplesmente negando com a cabeça. Eu não estava bem. Uma lagrima caída agitou a superfície do que restava do chá de Camomila já frio e intragável em minha xícara. Falanges brancas apertavam tão firmemente a porcelana que era um milagre os cacos do objeto já não estarem fincados nas palmas das minhas mãos.

-Eu não cheguei a tempo, John. Não pude salvar a mãe dela...

Minha voz tremulou com a única frase que fui capaz de proferir antes de colocar uma das mãos sobre meus lábios, abafando um soluço de sair escandaloso. John levantou-se de seu assento do outro lado da mesa e veio colocar-se na cadeira ao meu lado. Olhos procurando os meus a fim de ler as entrelinhas do que eu queria dizer com aquelas palavras deslocadas.

-De quem está falando, meu anjo?

Sua voz, calma e suave parecia acariciar minha pele. Suas mãos vieram livrar a xícara de minhas garras, oferecendo seus próprios dedos em troca, entrelaçando-os nos meus delicadamente.

-É tudo minha culpa... - sussurrei.

-Não, Alex. Tenho certeza de que nada é sua culpa.

-É sim. Se eu tivesse chegado antes...

-Mas quando isso aconteceu?

Não conseguia evitar. O cansaço, a dor, a exaustão mental que estava experimentando desde muitos dias atrás me atingira com força. Por mais que me esforçasse para explicar o que estava acontecendo, exteriorizar meus sentimentos, eu não conseguia proferir uma palavra sequer sem que ela saísse como um soluço sufocado.

Blind Love || John ShelbyOnde histórias criam vida. Descubra agora