Shhhh....
John fazia sinal para que eu ficasse mais quieta. Minha respiração ainda podia ser ouvida por alguém de audição apurada. Meu tórax mal se mexia, eu o estava segurando, fazendo o menor barulho possível. Dentro de um velho guarda roupas de um quarto de hóspedes, John e eu nos escondíamos.
Nem tudo estava indo como o esperado. Por descuido, três dos homens do inimigo haviam penetrado pela porta dos fundos da mansão. Apenas nós dois havíamos ficado dentro, enquanto Tommy, Arthur e os outros Blinders e Solomons atacavam lá fora, os tiros faziam-se ser ouvidos de qualquer parte do imóvel.
As dobradiças da porta do quarto rangeram quando alguém a empurrou bruscamente. Apreensiva, minha mão apertou a de John firmemente e meus olhos se fecharam, rezando para que aquele homem não nos encontrasse.
Felizmente, por sorte ou ajuda divina, ele se foi. Permanecemos imóveis até deixarmos de ouvir seus passos, tendo certeza de que se afastara o suficiente para não nos descobrir.
-Ele vai subir para o andar de cima, poderemos descer e matar os outros. - disse John com a voz sussurrada.
-Ele está indo pra onde as crianças estão, John!
-Elas estão no sótão. Ele não vai conseguir subir...
Abrimos a porta do guarda roupa cautelosamente, checando pela presença de alguém no cômodo e prestando bastante atenção em qualquer ruído. Parecia estar limpo para sairmos.
-Vamos descer, conseguiremos matar os dois que estão lá em baixo...
John dizia enquanto me puxava pela mão, mas meus pés se recusavam obedecer. Algo me dizia que eu deveria seguir aquele homem e impedi-lo de fazer o que quer que tivesse propósito. Todas as pessoas mais importantes estavam lá fora, porque queriam tanto vasculhar partes tão remotas da mansão??
-Você acha que eles matariam crianças?
Perguntei, já aflita com a resposta mais provável. John suspirou com ar de melancolia antes de responder:
-Não sei. É uma Vendetta, Alex.
Naquele momento, algo clicou em minha mente. Eu não iria a lugar algum. Minha missão estava ali. Pessoas que matam crianças inocentes não merecem piedade.
-Tenho certeza de que ele não vai conseguir subir, o sótão está com a escada recolhida...
Por mais que eu acreditasse nos argumentos de John, também sabia que ele me queria por perto para me proteger. Porém, dessa vez tomaríamos cada um seu caminhos, a sós.
-Não, John. - respondi, sussurrando enquanto soltava minha mão da sua.
-Onde você vai? - perguntou confuso.
-Eu te amo. Mas, tenho que ir por aquele lado. Tenha cuidado! - disse, beijando-o rapidamente nos lábios.
-Também te amo. Cuidado, Alex. - alertou.
Apenas assenti em resposta, memorizando seu rosto caso aquela fosse a última vez que eu fosse vê-lo, e segui silenciosamente pelo caminho do corredor o qual o intruso acabara de ir.
Preparei um revólver menor. O rifle militar era demais para ser desperdiçada com apenas um homem, mas continuava a tiracolo.
Com as costas próximas à parede, estava prestes a virar uma curva quando ouvi um grito estridente e agonizante, procedido de dois tiros. Meu coração palpitou e um calafrio de morte me percorreu o corpo.
Logo em seguida, um choro de bebê invadiu meus ouvidos. O simples pensamento de que alguém poderia estar prestes a machucar uma criança fez-me ferver. Tomei coragem, fiz a curva rapidamente, sem me amedrontar com quem poderia estar ali, prestes a atirar. Ao final, antes da próxima quebra, avistei uma saliência estranha, sobressaída da parede. Uma porta secreta, esculpida entre os boiseries de gesso que adornavam o gesso.
A entrada só havia se mostrado tão gratuitamente aos meus olhos pelo descuido de a terem deixado entreaberta. Caso contrário, eu provavelmente passaria sem percebe-la. Dali vinha o choro de criança e, sem dúvida, ali meu inimigo também ocultava-se.
Tomando uma proximidade perigosa da porta, pude espiar pela fresta. Meus olhos imediatamente pousaram em um homem de preto. Paralisado, apontava a arma para a parte traseira de um berço moisés que tinha a abertura virada para a janela, bem ao centro do cômodo.
Possuída por um sentimento sinestésico de ódio e repugnância daquele ser, o sangue em minhas veias borbulhou. Meus olhos, úmidos por lágrimas de raiva, estreitaram-se e, antes que ele pudesse virar e ver quem o estava espreitando, chutei a porta para abri-la e disparei um tiro certeiro na parte traseira de sua cabeça.
O corpo caído sobre o chão duro, aos poucos ia espalhando uma poça de sangue que ensopava o tapete de cor clara. Um contraste gritante. Caminhei até ele, ainda com a arma em punho e alerta a qualquer movimento ao redor, mas ele estava sozinho. Recolhi a arma, guardando-a no coldre da minha perna.
O choro havia abaixado de volume, mas ainda fazia-se presente. Teria sido aquele choro inocente o motivo da descoberta de tal esconderijo tão secreto? Receosa, dei a volta no berço para ver a criança, mas antes que meus olhos a contemplassem, miraram uma cena de horror.
Uma mulher, vestida ainda em sua camisola de mangas longas, sentava-se aos pés da parede, imóvel como uma boneca de porcelana. Mais acima, as marcas de sangue salpicadas e esfregadas sobre o papel de parede pastel compunham um quadro macabro de se olhar. Um único furo de bala pontilhava o centro da testa da vítima.
Meu Deus. Apertei as mãos sobre a minha própria boca entreaberta, resistindo ao impulso de gritar, e já sentindo meus olhos arderem. Finalmente olhei para a criança: uma menininha. Tão doce, tão pequena. Ao me ver, sorrira entre as lágrimas que marcavam suas bochechas coradas. Olhos azuis tão curiosos...
Minha visão transitava entre as duas cenas que jamais deveriam estar acontecendo tão próximas. Meus olhos transbordavam, amaldiçoando os monstros que a fizeram ouvir e presenciar a morte da própria mãe.
Pousei a pistola que trazia comigo sobre uma poltrona localizada ao lado do berço.
-Olá, pequena bela... - disse acariciando sua bochecha, encantada. -Está tudo bem, estou aqui...
Minha voz era baixa e suave, a fim de acalma-la. Levantei a menina de seu berço, acomodando-a em meu ombro e esfregando suas costas. Joguei o cobertor fino em que estava envolvida sobre seu corpo, evitando que ela virasse e visse o mesmo que eu.
Aos poucos, estava aquietando-se. Ela era tão pequena, certamente não passava de meio ano de vida.
Dentro do pequeno berço, entre as cobertas brancas de babados, em um pequeno lenço em bordado de ponto cruz rosa, lia-se o nome "Charlotte".
-Ok, Charlotte...você está segura comigo.
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Blind Love || John Shelby
FanfictionAlexandra Marie Mills era uma jovem que vivia confortavelmente em Londres até que, em uma esquina, o destino a expusesse a realidade das gangues inglesas que despontaram ao fim do século XIX e início do século XX. Mesmo que tal cenário sempre a espr...