XIX

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     A chama da lareira crepitava alaranjada enquanto eu a assistia insistentemente, olhos perdidos no fogo. Uma xícara de chá açucarado fumegava, esquentando minhas mãos trêmulas de dedos frios e arroxeados.

     Eu estava ignorando os olhares de Ada, Polly e Finn sobre mim, crendo que provavelmente estariam se perguntando o quão louca haviam me deixado naquele Hospital Psiquiátrico. Eu não estava em meu estado normal, obviamente sentindo traços de stress pós traumático, mas ainda plenamente sã.

-Você ainda está tão gelada...

     Comentava John, puxando a manta em que estava enrolada sobre meus ombros. Movi meu olhar da lareira para seu rosto enquanto ele encostava gentilmente a parte superior da mão em minha testa, checando a temperatura. Tomei um gole de chá quando ele a afastou, sentindo o calor da bebida imediatamente ter efeito de relaxamento sobre minha dor de cabeça.

-Está se sentindo bem? - perguntou Ada, apenas assenti em resposta.

     Durante o intervalo de tempo em que estive fora, a barriga de Ada crescera um pouco, anunciando ao mundo a criança que estava sendo gerada dentro dela.

-Podemos dormir aqui hoje, tia Polly? - perguntou John.

-Claro, claro. Seu antigo quarto ainda é seu, John. - sorriu maternalmente.

Estiquei-me para colocar o pires e a xícara ainda com metade do conteúdo para esfriar sobre a mesa de centro, porém minha mão fraca tremulou involuntariamente assim que fui lembrada da dor em minhas costelas. John felizmente foi rápido em apanhar o objeto antes que caísse, depositando a fina porcelana chinesa em segurança sobre o móvel, derramando apenas uma ou duas gotas de chá.

-Não se mexa tanto, saltar de um telhado não foi suficiente por hoje? - brincou John, tentando quebrar o gelo.

Apesar de todos os esforços, a atmosfera da sala era pesada demais. Os silêncios eram desconfortáveis e os diálogos mais ainda. O barulho dos ponteiros do relógio cuco da parede por vezes eram o único ruído sem ser a respiração de cada um ali.

-Polly, não quero incomodar, mas talvez eu esteja com um pouco de fome. - disse calmamente, formando a primeira frase completa desde que chegara ali.

     Polly prontamente levantou-se do braço da poltrona em que estava sentada dizendo que iria nos trazer algo para jantarmos, chamando Finn e Ada para acompanha-la. Ada hesitou, mas foi convencida por um olhar severo, deixando a mim e John finalmente sozinhos.

Minha estratégia havia funcionado perfeitamente. Quando notei, John me olhava com um sorriso no canto dos lábios e uma sobrancelha arqueada. Ele sabia o porquê de eu ter adiantado o horário da refeição.

-O que foi? Por Deus, eu podia sentir os olhos deles sobre mim. - resmunguei, cruzando os braços, fazendo-o rir fracamente.

-Eles só estão preocupados.

-Eles acham que estou louca. Não estão falando, mas estão pensando.

-Não diga isso.. - disse John, puxando uma mexa do meu cabelo para trás.

-Não precisa redimi-los, eu entendo perfeitamente. - respondi olhando diretamente em seus olhos.

Pensei em pegar novamente a xícara de chá sobre a mesa, mas antes que pudesse tentar me repuxar novamente para alcançá-la, John a pegou e me entregou.

-Posso ver o machucado? - perguntou calmamente.

-Não é nada para se preocupar. - menti.

-Não me venha com essa, você mal consegue andar sem gemer de dor. Esteve inquieta até enquanto dormia no caminho pra cá.

Blind Love || John ShelbyOnde histórias criam vida. Descubra agora