Um zunido era tudo que chegava aos meus ouvidos. Fumaça e poeira impediam-me de ver e respirar direito. Estava estatelada no chão, petrificada, receosa de mexer-me do lugar e sentir a dor de algum osso quebrado.
Gritos abafados eram ouvidos ao longe, emaranhados a tiros repetidos e ritmados, como os de uma metralhadora. O pesado portão de metal ao fim do corredor fora fechado. Não fazia ideia do que estava acontecendo, mas sentia que tudo estava ocorrendo por minha causa.
Uma luz sépia, filtrada em poeira, atingia-me vinda do buraco aberto na parede branca estofada. A silhueta de alguém aumentava a medida que chegava mais perto.
-EU A ENCONTREI!! ESTÁ AQUI!!
Ouvi gritar a voz de um desconhecido. Eu nunca vira aquele homem antes, mas estranhei que estivesse vestido com as mesmas roupas que eu. Estava viajando? Era só mais uma alucinação?
-Meu nome é Barney Thomason, Senhorita. Sou ex companheiro de guerra dos Shelby. Vamos, não temos tempo!
Eu não entendia bem o que ele dizia, minha audição estava comprometida pela explosão. Dei um sobressalto, assustada, quando o vi inclinar-se em minha direção. Toda e qualquer pessoa que aproximava-se de mim naquele lugar normalmente tinha propósito de me machucar.
-Por favor, Alex. Não estou mentindo. Venha comigo!
Percebi intenção genuína em suas palavras e aceitei sua mão de ajuda para colocar-me em pé sem mais hesitação. Um golpe de dor atravessou minhas costelas, fazendo-me pender de lado e trincar os dentes.
- Consegue andar? - perguntou.
-Consigo... - murmurei.
-Ok. Fique atrás de mim, já já vamos sair. Nós dois.
Ele também estava preso aqui? O que está acontecendo? Ignorei as perguntas por um momento e me abaixei, pegando um pedaço de tijolo pontudo no chão para usar caso necessário.
-Você acha que isso vai ser preciso? Estão com uma metralhadora aí fora. - Thomason disse, fazendo-me franzir o cenho.
-A metralhadora não está nas minhas mãos, preciso me proteger de alguma forma.
Calamo-nos e eu o segui pelos escombros do corredor, agarrada ao pedaço de pedra como se fosse a joia mais preciosa do mundo. E era. Ignorei todas as dores para manter a velocidade e não afastar-me tanto dele. Quando finalmente paramos, um buraco no teto mostrou-me, depois de tempos, um céu cinzento e maravilhoso.
Fomos içados por cordas, coisa que nunca pensei ter de passar. O sopro do vento acariciando meu rosto cheirava à liberdade, a luz do sol envolveu-me em um abraço caloroso e os automóveis tocavam a mais bela sinfonia metálica que meus ouvidos haviam apreciado. A visão de um sorriso familiar fez meus olhos marejarem, transbordados de alegria.
-Aí está ela, nossa Menina dos Olhos! - gritou, deixando a metralhadora de lado para me acudir.
-Arthur!!!
Não pude conter um enorme sorriso ao vê-lo. Estivera há tanto tempo sonhando com o momento de me ver fora daquele lugar detestável que a realidade mais parecia outro sopro de Morfeu.
-Venha, deixe-me tirá-la daí.
Arthur ajudou-me a ser puxada para fora e soltou-me dos cabos enquanto Barney fazia o mesmo com a ajuda dos outros dois homens de Tommy que nos haviam puxado. Assim que me vi solta, atirei-me nos braços do Shelby mais velho, segurando-o como se minha vida dependesse daquilo.
-É muito bom te ver, Arthur.
-É bom te ver também, Alexandra.
Arthur dizia, segurando meu rosto com as duas mãos por alguns momentos antes de beijar minha testa e deixar-me ir.
-Bom trabalho, soldado! Sabia que não decepcionaria. Agora está livre.
-É uma honra servir novamente. - respondeu Barney.
-Vamos logo, a polícia vai aparecer a qualquer momento! John está nos esperando no carro.
A menção do nome de John fez com que borboletas batessem asas em meu estômago e meu sangue pulsasse intensamente nas veias, enchendo-me de adrenalina. Fitei Arthur imediatamente, que riu e apontou-me o caminho. Saí na frente, equilibrando-me e me esgueirando entre as águas do telhado até impressionar a mim mesma com a rapidez e destreza com que saltei para o chão do telhado que estava há pelo menos três metros de altura, caindo na grama fofa.
-ALEX!!
Antes mesmo de me colocar em pé, avistei John vindo em minha direção. Apressei-me para levantar e logo nossos corpos se chocaram. Senti seus braços envolverem meu tronco e enrosquei os meus ao redor do seu pescoço, chorando como uma criança em seu ombro pelo alívio, pela felicidade, pelo trauma vivido nos últimos dias.
-Estou aqui agora, vamos pra casa. Você nunca mais vai ter de ver esse lugar.
John sussurrava em meu ouvido, afagando meus cabelos. Logo que nos soltamos, John olhou em meus olhos, os dele também tinham lágrimas.
-Me desculpe por demorar tanto. Me desculpe por...
O interrompi com um beijo, o mais necessário da minha vida. O mais intenso, o mais verdadeiro.
-Está tudo bem agora...você veio. Isso que importa.
Avistei Arthur, Barney e os dois homens descendo pela escada metálica fixada na parede - justamente a qual eu deveria ter usado caso não estivesse tão desesperada para descer - para juntarem-se a nós dois.
-Vamos indo, depressa. - dizia John, puxando-me pelo braço.
Avistei um camburão, o mesmo que nos acompanhara na vinda à Londres - o que pareceu-me ser uma eternidade atrás no tempo - estacionado não muito longe dali.
John e Arthur já estavam dentro do carro enquanto eu subia e Barney checava alguma coisa no porta malas quando ouvi um grito alto e colérico.
-ONDE PENSA QUE VAI, ALEXANDRA??
Meu rosto perdera a cor por alguns momentos e meus olhos saltaram das órbitas. Há pouco menos de sete metros de distância, visualizei a materialização dos meus pesadelos.
Tudo acontecera tão rapidamente...todos os movimentos dentro daquela fração de segundos haviam sido instintivos. Billy Walker aparecera de um carro preto, e com a arma em punho disparou três tiros certeiros e não hesitantes em minha direção. Um frio percorrera minha espinha antes de sentir uma pressão no peito e meu corpo logo colidindo com as pedras do chão áspero.
Peso fora colocado sobre meus ossos,
Barney havia se oferecido de escudo para me proteger, tomando os três tiros que lho rasgaram o peito e estouraram a testa.Reflexivamente, tomei a arma já engatilhada de suas mãos mortas e, ouvindo dois tiros ricochetearem no metal da carcaça do carro ao lado da minha cabeça, mandei quatro balas seguidas do cartucho. Uma delas errou seu destino pelas minhas mãos trêmulas, mas as outras três cravaram num rosto que segundos mais tarde estava desfigurado e caído sobre o asfalto.
Respirei fundo, aliviada, apoiando o peso do corpo na lataria da porta do automóvel. Minhas roupas sujavam mais e mais com sangue a cada segundo, ensopando o tecido de má qualidade até que o líquido rubro e viscoso encontrasse minha pele. O cheiro metálico nauseante me entrava pelo nariz. Larguei a arma, atirando-a para longe de forma que ela esfolasse pelo pavimento. Permaneci com as mãos elevadas para que não tocassem mais nada ensanguentado.
O peso de Barney morto sobre mim parecia enorme, maior do que realmente era por ter morrido em minha causa. Apertei os olhos por alguns momentos, aterrorizada com a visão impressa na memória. Não contive um soluço alto de irromper violentamente de meus lábios que deu início a um colapso...
Senti as mãos de John me puxarem de baixo do cadáver que ainda tinha os olhos abertos, vidrados. Gravei-os bem, eternamente agradecida e culpada. Fui arrastada para dentro do carro e, inconsolável, afastei-me daquele lugar de uma vez por todas na companhia de John apenas.
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Olá!! Horário estranho para atualizar, mas precisava postar logo...
Comentem aí o que acharam!! Amo ler o que vocês escrevem!! 😘❤️
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Blind Love || John Shelby
FanfictionAlexandra Marie Mills era uma jovem que vivia confortavelmente em Londres até que, em uma esquina, o destino a expusesse a realidade das gangues inglesas que despontaram ao fim do século XIX e início do século XX. Mesmo que tal cenário sempre a espr...