II

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     Gostaria de dizer que fora acordada com a luz que entrava suave e radiante pela janela do quarto ou com o canto dos pássaros lá fora na rua. Mas, em fato, acordei com o barulho muito alto de três tiros que pareciam ter sido disparados dentro do cômodo onde eu ainda estava repousando na cama.

     Sentei-me em um sobressalto, assustada e olhando ao redor. Por um minuto, minha mente embolou pensamentos sobre onde eu estava, mas a dor em meu corpo me servira como eficaz choque de realidade.

     O quarto estava vazio. Eu não ouvia ou avistava ninguém por perto. Apreciando o momento de privacidade, ainda permaneci alguns momentos reflexiva, revivendo cada momento de agitação da noite anterior até pousar os olhos sobre meus pés cheios de curativos e meu pobre vestido de seda, vilipendiado sobre uma cadeira de tinta desbotada ao canto do quarto.

     Quatro batidas altas na porta fizeram-me pular, alarmada, e puxar os lençóis da cama em um ímpeto, afim de cobrir mais meu corpo, mesmo estando vestida em uma longa camisola de mangas compridas. Ouvi uma conhecida voz masculina pedir permissão para entrar e eu concedi. A fresta aberta na porta revelou John, que a abriu cautelosamente até ter certeza de que podia adentrar.

-O que foi isso lá fora agora há pouco?- interroguei, curiosa.

-Essa é a vizinhança. Vá se acostumando, princesa. - respondeu prontamente sarcástico.

-Bom dia? - repreendi sutilmente seus maus modos, fazendo-o revirar os olhos aborrecido.

     Joguei as cobertas de lado e coloquei os pés para fora da cama, sentindo o taco de madeira frio sob eles estalando as tábuas antes mesmo que me posse em pé, escorando o peso na pequena mesa de cabeceira posicionada ao lado da cama. Caminhei três passos até a janela do quarto e, pisando com dificuldade, sentia os olhos do homem na porta me acompanharem. Uma expressão confrontante em seu semblante transparecia o dilema em sua mente. Provavelmente receoso demais para aproximar-se e invadir meu espaço, ele não se moveu.

Afastei as cortinas, estreitando as pálpebras para restringir a luz nas pupilas, e olhei pela vidraça...nojo transbordou imediatamente em meus pensamentos. Um homem caído na calçada, repousava, imóvel e sem vida, enquanto seus miolos espalhavam-se coagulados pela calçada suja. O reconheci instantaneamente, mesmo que desfigurado, suas feições estavam vívidas nas memórias da noite anterior e quase pude sentir suas mãos percorrerem meu corpo novamente. Balancei a cabeça, tentando esquivar-me do sentimento ruim que tomara conta da minha lembrança antes de fechar as rendas da cortina e apertar os olhos, recusando receber mais daquele estímulo visual.

     John continuava ali, estático, braços abaixados postos em frente ao corpo e olhos sobre mim antes que eu os direcionasse meu olhar também. Suas expressões ainda me eram difíceis de decifrar.

-Seu irmão Thomas o matou?

-Isso mão importa.

-Por que fariam isso por mim?

-Você faz perguntas demais, moça. E nem tudo é sobre você.

     Calei-me imediatamente, anotando mentalmente que aquele homem não me conhecia. Logo, não sentia obrigação nenhuma em me dar satisfações ou ser excessivamente educado. Percebendo o desconforto que tomara o ambiente ao redor, John limpou a garganta e alinhou a coluna antes de dizer...

-Bem, eu vim aqui porque você precisa comer alguma coisa. Quer que eu peça para trazer seu café aqui ou...??

-Não, não se preocupe. Eu vou descer, obrigada! Só me dê um minuto para...

     Estendi o braço em direção à cadeira onde encontrava-se os restos de meu vestido, em frangalhos, mas hesitei, direcionando meu olhar à John.

Blind Love || John ShelbyOnde histórias criam vida. Descubra agora