CAPITULO CINCO | NOITE CHUVOSA

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"Eu digo, "ninguém precisa saber
o que fazemos"
Suas mãos estão em meu cabelo
Suas roupas estão em meu quarto"
Wildest Dreams
Taylor Swift

–– Voltou no momento certo, talvez tenha se perdido um pouco... Mas voltou a tempo de se reencontrar novamente, melhor do que perder-se de vez. Seu sorriso carregado de afeto deu-me um pouco mais de confiança, sua mão se estenderá a minha, eu tinha alguém!

–– Poderia fazer algo por mim? Não sabia se teria algum direito de pedir algo a minha ex-sogra, mas ela me compreendia como ninguém, dividir minhas dores com Lucia sempre fora algo fácil.

-Qualquer coisa. Aquela houvera de ser a hora de recuperar alguma parte da Anne que um dia fora.

-Meu cabelo... Eu, eu quero que ele volte a ser como antes. Gaguejei, um breve silêncio fora feito, Lucia apreciou as folhas que se soltavam das árvores.

–– Pedirei a um dos empregados para comprarem tinta na cidade vizinha, castanho certo?

–– É. Sorri, não haveria como lhe agradecer por tamanho carinho, mesmo quando eu houvera sido tão fria com ela e todos ali que me conheceram um dia.

Enquanto aguardávamos a chegada de minha coloração capilar, aproveitei para lhe fazer um bolo de milho cremoso. Sempre fora o favorito de Lucia que me alimentava o ego ao dizer que ninguém nunca o fazia como eu. Pelo gemido prazeroso de minha ex-sogra ao mordiscar a primeira fatia constatei que ela me dizia a verdade e não apenas algo que me agradará os ouvidos.

Ao mordicar o lábio inferior, agora ferido tamanha a frequência com a qual eu fazia aquilo, me perguntei se Sophia cozinhava tão bem como eu? Se fazia aquele bolo tão apreciado por mãe e filho. Nunca me dará bem com as tarefas de casa, mas sempre gostara muito de cozinhar. Aquilo houvera sido algo que não mudou ao passar dos anos, eu cozinhava por amor e terapia também. Agraciar os alimentos com ainda mais sabor me dará prazer e me servirá como calmante.

Lucia adicionou a pasta escura e cremosa mecha por mecha de meus fios, o cheiro químico começara a irritar meu nariz, por sorte, não demorou muito tempo para que pudesse retira-la.

Eu me fitei no espelho pouco tempo depois, devia admitir, fraquejei por um minuto quase me pondo a chorar. Parecia besteira, mas aquela tonalidade me atingia de forma extraordinária. A pele parda. Os pequenos olhos castanhos que em nada chamavam atenção, ao menos não quando maquiagem preta não lhe rodeassem. A vermelhidão nos lábios feridos fora como ter um vislumbre do passado que por tempo de mais me neguei a lembrar.

Então como no dia em que partir, a saudade tomou-me a alma, senti falta daquele lugar. Daquelas pessoas. Do amor que joguei fora. Senti falta de mim mesma. Eu tive de me conter para não cair ao chão como uma criança e abraçar a mim mesma.

–– Está linda. Lucia me elogiou, pela intensidade do marejar nos seus olhos, assim como nos meus, pudera ver que também se emocionou. Sabia que como para mim ela sempre fora uma mãe, para ela eu sempre fora uma filha.

Assim como o filho prodigo eu parti guiada pela ambição e agora retornava por ter perdido o que de certo valia algo, o coração, orgulho. Na verdade a mulher refletida no espelho era uma carcaça vazia.

–– Vem chuva ai, não acha melhor esperar um pouco? A ruiva tremeu pelo ronco do trovão, eu sorri, achando graça de seu medo. Lucia sempre temera muito as tempestades. Eu já havia constatado que tempestades da alma causava muito mais estrago do que um pouco de água.

INFINITOS "LIVRO I SÉRIE DESTINADOS"Onde histórias criam vida. Descubra agora