Traga o Desastre

Capítulo 21 - Ingrid's Pizza

Caroline Novac

Durante todo o trajeto me mantive calada ouvindo Stella contar sobre suas missões recentes e como teve de costurar diversas pessoas, assim como, colocar ossos no lugar. Ela amava o que fazia na área da medicina e era possível ver o brilho em seus olhos quando contava algo, o que me fazia admirá-la imensamente. Da mesma forma que sua mãe, cresceu sendo uma mulher independente e de grandes diretrizes, ganhando boa parte do comando da agência quando tinha apenas 17 anos de idade. 

Apesar de não sentir medo de suas ameaças perante mim, sentia verdade em cada palavra dita, pois muitos já subestimaram e receberam castigos severos. Inclusive eu, agindo de forma ainda mais imprudente que agora e sendo irresponsável. Odiava seguir ordens e a desafiava o tempo inteiro testando sua autoridade na frente de todos. 

Felizmente essa fase passou e aprendemos a gostar uma da outra enxergando as partes boas que tínhamos a oferecer, passando a deixar a parte negativa de lado. 

Ingrid's Pizza

O local contava com uma fachada em tons coloridos de led e uma estrutura em vermelho do lado de fora, tendo canteiros de flores nas laterais da entrada combinando com os demais tons de cores que compunham a bela pizzaria.

O interior era composto por mesas de madeira envernizadas e assentos acolchoados. Cada mesa possuía um destaque especial, pois eram dedicadas a temas de filmes famosos. Todos os dias formavam cardápios com a temática escolhida, ofereciam uma pequena demonstração teatral e enfeitavam todo o ambiente com objetos específicos, assim como, papéis de parede interativos, onde os clientes poderiam escrever suas cenas favoritas. Em um pequeno espaço perto do balcão ficava um tablet na parede, tendo como objetivo votarem no próximo tema a ser apresentado pelos funcionários e um figure action do dia era dado às crianças que se comportavam. 

O lugar ainda contava com a área dos fundos, tendo poltronas em volta de uma mesa redonda para reuniões de negócios e jantares privativos. Stella havia reservado exatamente esse espaço para ficarmos e pediu para que ninguém além de nós fosse permitido entrar. 

Particularmente amei o lugar, pois nunca tinha participado de algo tão voltado ao público e seus interesses, mas tudo isso tinha um preço e ele com certeza  era bem alto diante da estrutura elaborada. 

Sentei-me com Stella na poltrona e deslizei o corpo no acolchoado marrom extremamente macio, enquanto observava a pequena mureta com flores em cima. 

– Parece uma criança… 

– Não é todo dia que frequento lugares assim, Graham. – Endireitei minha postura e olhei para o lindo lustre preto acima de nós.  

– Aproveite então, nosso pedido já foi feito, é só esperar chegar. 

– Mas como assim? Eu nem escolhi nada ainda. – Arregalei os olhos ao ver os preços absurdos do cardápio e o fechei – Acho que nem quero… Uma água basta para mim.

– Eu sei, realmente os valores estão altos, mas leve em consideração o trabalho que fazem aqui e aprecie a deliciosa comida oferecida. Vai ver que no final tudo compensou o seu gasto!

– Espero mesmo, porque mal cheguei e já estou recebendo múltiplas facadas. 

– Você ganha bem o suficiente para conseguir dividir a conta comigo, não seja dramática.

– Tá bom, eu… – Fiquei estática ao ver katanas na parede e o tema de Kill Bill. – Ahhhhh, meu deus… Esse é o melhor lugar de todos! Eu preciso tirar foto com aquelas katanas… Não saio daqui hoje sem fazer isso, Stella! 

A mesma caiu em gargalhada com minha expressão.

– Fico feliz que esteja gostando. A propósito, eu pedi o especial do dia. Espero que goste tanto quanto a decoração. 

– Se não for aquelas porções de rico com miséria de comida, eu vou gostar sim. 

– Qual o seu problema com as pessoas da classe alta? Eu faço parte delas e não sou uma pessoa terrível como você descreve.

– Você e sua mãe são exceção.  Não se trata de preconceito, acontece que eu me irrito por eles não ajudarem aqueles que precisam e passam fome. Os ricos só coçam os bolsos quando precisam competir com alguém ou provar que são capazes de algo para conquistar o povo. Eu não concordo com essa situação, porque eu não sou rica e sempre que posso faço minha doação para a caridade. Nada impede que façam o mesmo, mas vivemos cercados de pessoas egoístas.

– Infelizmente sempre haverá na sociedade aqueles que contribuem para o bem do coletivo e aqueles que apenas se importam com suas individualidades. Não se estresse com isso, faça sua parte e esqueça os outros.

– Pode até ser, mas insisto em reclamar da comida. Gosto de pratos robustos que matem minha fome. 

– O prato que virá é pequeno, por ser uma entrada, mas não acho que vá reclamar. – Sorriu ao dizer, o que sugeria que estava aprontando algo. 

– Como pode ter certeza? – A olhei desconfiada.

– Intuição, mas me diga uma coisa… Qual foi o motivo de seu atraso? – Colocou as mãos na mesa e me encarou esperando uma resposta. 

– Eu menti pra Bárbara dizendo que estava fazendo um bico como fotógrafa, mas a verdade é que não consigo tocar em uma câmera desde quando ocorreu o acidente… Então marquei duas entrevistas com os números que peguei com sua mãe, mas ambos cancelaram. Um apenas disse que não tinham mais interesse no meu perfil e o outro cancelaram alegando um preenchimento da vaga, porém mudaram rapidamente a opinião dizendo que conseguiram me encaixar através de uma indicação recebida. Obviamente fiquei puta e pensei ser sua mãe se metendo como eu havia pedido para não fazer, mas me surpreendi ao hackear o email da entrevistadora e descobrir que o envolvido na minha contratação foi Zachary.

– Você ficou maluca?!! O que conversamos sobre não ficar hackeando as pessoas? – Um soco foi depositado na mesa mostrando sua indignação.

– Não me trate como criança só porque é um pouco mais velha. Eu hackeei por ela não me passar a informação que eu  queria. – Respondi, revirando os olhos. 

– Vai sempre agir assim? Quando não quiserem te dizer algo, vai simplesmente hackear e pegar as informações que quer? Não é assim que funciona, você foi proibida de transitar pela rede após sua invasão ao nosso sistema para entrar na agência quando nova, esse foi o acordo que fizemos para garantir sua permanência. 

– Eu não invadi outra agência secreta, foi apenas um email, não exagere no sermão! 

– Independente de ter sido apenas um email, você agiu errado e eu não concordo com sua atitude. Vou ter que reportar isso para minha mãe. 

– Tá, faz como você quiser. Só acho que eu merecia saber… – Fiz uma carinha triste, apoiando a mão no rosto. 

– Não estou dizendo que concordo com a atitude de ambas as partes, mas acho que ele apenas quis te ajudar. 

– Não preciso de ajuda em nada, sei me virar sozinha!

– Para de ser cabeça dura, aprende a aceitar ajuda de vez em quando! Nós não somos invencíveis e perfeitas, sempre vamos precisar de algo ou alguém em um determinado momento. Se não precisássemos de ajuda, não teria a necessidade de uma equipe inteira para realizar missões de resgate. O mesmo se aplica a você, se não fosse por ele, o que garante que teria conseguido a vaga por conta própria se já haviam desistido do seu currículo? Pensa nisso...