Já tinha anoitecido a uma cota já. Meus pais tinham acabado de sair daqui, falando que iriam em casa só tomar banho e comer, e que já voltavam pra cá.
Kaio estava no berçinho ao lado da cama ali, e dormia igual a um anjinho. Ele tinha acabo de mamar, e cara foi foda em. É uma sensação estranha que você sente quando ele está te mamando, e te falar, foi uma dorzinha até que suportável que senti também.
Ficava olhando pra ele igual a uma bobona, reparando em cada detalhezinho em seu rosto. Tinha alguns traços do CK, como a boca, e os olhos também, já o nariz era igualzinho ao meu. Esse garoto é perfeito!
Passei a mão no rostinho dele, e dei um sorrisinho de lado. Fiquei ali calada só observando ele dormir.
A porta ali se abriu com tudo me dando um susto, e quando vi ele entrando, já fechei a cara.
Kamilly: Ta fazendo o que aqui? Como tu conseguiu sair de lá? - encarei ele sem entender, que me ignorou. - Sai daqui...
CK: Dá um tempo ae, fia, oxe. - negou com a cabeça, e tirou a blusa de frio. - Vim ver meu filho, quero saber de tu agora não.
Fiz careta pra ele, e cruzei os braços virando meu rosto. Ele veio se aproximando devagar do berço, e assim que chegou perto suficiente brotou um sorriso enorme em seus lábios.
CK: Caralho, véi, ele é lindão, minha cara. - falou baixo, e ele revirei os olhos.
Kamilly: Ele ainda tem cara de joelho, amado. - murmurei, e na mesma hora ele me olhou com a cara fechadissima.
CK: Dá um tempo ai, pô. Mina chatona.
Fechei a cara também, e me ajeitei ali naquela cama, me cobrindo com a coberta. CK sentou na cadeira que tinha ali, e ficou olhando calado pro Kaio.
Eu só fiquei olhando pra ele em silêncio também, e quando ele colocou a mão no rosto, e suspirou alto tive que perguntar:
Kamilly: O que foi? Você tá bem?
CK: Caralho véi, não consegui chegar a tempo pro parto. Tava mó trânsito da porra. - tirou a mão do rosto, e vi que ele estava quase chorando já.
Fiquei sem reação na hora ali. Não sabia que ver o Kaio nascendo era tão importante assim pra ele, sei lá. Quando ele sumiu naqueles meses achei que estava pouco se fodendo pra tudo, e agora isso.
CK: Pô, eu só peço uma parada pra tu...- me olhou, e eu fiz sinal pra ele continuar. - Não me priva de ver meu filho não, cara. Ele já é tudo pra mim.
Engoli em seco desviando o olhar, e por um momento eu me senti mal por ele, por ter falando aquelas coisas pra ele algumas semanas atrás. Agi como uma criança, e não pensei direito. O que aconteceu entre eu, ele e minha família não tinha que envolver o Kaio, mas eu fui egoísta e pensei só em mim.
Kamilly: Como você conseguiu sair de lá de baixo?
CK: Apaguei o Nunes e me soltei. Eu cheguei aqui era sete da noite, mas tinha que esperar seus pais saírem. - suspirou, e finalmente me olhou nos olhos. - Queria ver você também.
Desviei o olhar dele para os meus dedos e respirei fundo.
CK: Eu vou voltar pro Rio essa madrugada...- murmurou, e na mesma hora olhei pra ele.
Senti uma dorzinha no peito, mas não disse nada, fiquei na minha.
CK: Não sei quando vou voltar não, ou se eu vou conseguir voltar...
Kamilly: Como assim?
CK: Se eles descobrirem do teu pai, e souberem que eu sabia dele a anos, eles vão cobrar vacilo meu, e pode pá que não vão só me afastar de ficar de frente da favela. - suspirou. - Grego é bem capaz de me matar...
Na mesma hora que ele disse aquilo um medo se apossou de mim, e eu segurei o choro que veio com tudo.
Por mais que ele tenha vacilado, não aguentaria ele morto.
CK: Posso pegar ele? - balancei a cabeça concordando, e ele pegou o Kaio do berçinho.
Eu apenas fiquei olhando para os dois em silêncio, e com um sorrisinho no canto da boca.
CK: Pô, amo tu e ele, tá ligada? - olhou por um tempo pro Kaio, e depois me olhou novamente. - Tenho uma conta ai com uma grana do caralho, vou deixar a senha e as porra tudo pra você usar esse dinheiro. Comprar as paradas que ele precisar e tals, e tu também.
Kamilly: Não precisa, Caíque. Meus pais já estão me ajudando.
CK: Nem vem, pô. Já que não vou conseguir ajudar pessoalmente, vou ajudar dessa maneira ai.
Kamilly: Por que você não fica, Caíque? Se junta com o PCC, ou sei lá, só não vai embora, cara...
Ele negou com a cabeça e se levantou, ignorando o que falei. Ele colocou o Kaio de volta no berço, e beijou sua testa.
CK: Tô partindo já. - ele me olhou, e eu neguei com a cabeça. - Fica bem, pô. Cuida dele por mim, ae.
Kamilly: Para, Caíque, você tá falando como se não fosse voltar nunca mais, credo. - fiz careta, e meus olhos se encheram de lágrimas.
CK: Ala, pô, vai chorar mermo? - deu uma risada fraca. - Pensei que tava com ódio da minha cara.
Kamilly: E eu tô...mas não quero que você vá embora...
Ele sorriu de lado, e se aproximou mais de mim. Beijou minha testa, e desceu a boca até meu ouvido.
CK: Amo tu, pô.
Ele sem dizer mais nada, pegou uma sacola que estava embolada na blusa de frio, e colocou dentro do berçinho do Kaio. Caíque deu as costas, e saiu dali fechando a porta.
Senti mó parada ruim no peito, e me segurei para não chorar.
Peguei aquela sacola, e abri a mesma vendo um ursinho de pelúcia beje ali, com um coração escrito Papai te ama. Sorri de lado, e deixei o mesmo nos pészinhos do Kaio. Tinha um papel ali também, com o nome de uma conta, a senha e mais algumas paradas.
Coloquei minhas mãos no rosto, respirando fundo, e ali eu meio que senti que tudo iria mudar daqui em diante...