Observo o trânsito louco e barulhento de Londres na hora do rush relembrando as últimas duas semanas que, para mim, foram absurdamente insanas e barulhentas como o trânsito que estávamos agora.
Começamos a praticar as regras e eu estava em abstinência total, meu celular se foi e por mais que eu estivesse distraída o tempo todo eu sentia falta dele. Depois que era difícil me acostumar a vestir fraldas e usa-las, até hoje não consegui sujar nenhuma e não sei se vou conseguir um dia.
Compramos tantas coisas para mim que eu fiquei até assustada. O closet do quarto rosa que antes estava vazio ficou abarrotado de roupas fofas e infantis que eu particularmente adorei, pelo menos algumas, tinham outras que definitivamente eu bateria o pé para não usar. Ele comprou objetos que eu estava aprendendo a gostar como a chupeta. Eu amava usá-la, estava usando uma agora dentro do carro e me sentia bem protegida com ela. A mamadeira também era legal.
Mas aí veio um problema que eu não imaginava que tínhamos até eu começar a reparar: paparazzi. As vezes eu esquecia que papai era famoso porque ele nunca se gabava disso, mas o fato é que ele era. E os paparazzi faziam questão de lembra-lo disso. E me lembrar também.
Quando saímos para almoçar em um restaurante na semana passada foi um pesadelo. De primeiro eu achei estranho ver um homem escondido tirando fotos da gente, mas depois ele me questionou se eu nunca tinha visto eles antes e eu na minha maior inocência falei que não. Ele depois explicou que eles estavam lá o tempo todo e então depois disso eu sempre reparava que sim, eles estavam lá o tempo todo.
E agora para o mundo eu não era uma desconhecida, eu era a namorada novinha de beleza mediana de James Lencastre. Sim, eles escrevam isso em um site de fofoca. E esse era o título mais "fofo" que eles noticiaram, tinham outros piores, bem piores.
E é por isso que eu entendi, mais ou menos, o porque ele não queria que eu ficasse na internet o tempo todo, ele não queria que eu ficasse me martirizando sobre a opinião alheia, mas na minha opinião já era tarde demais, eu ja estava me martirizando.
Sinto um aperto na minha coxa e volto a realidade vendo seu rosto lindo concentrado na estrada mas ao mesmo tempo concentrado em mim.
- Qual o problema princesa? - ele pergunta preocupado.
- Na-a - respondo com a chupeta na boca.
- Tem certeza? - ele insiste.
Concordo com a cabeça voltando meu olhar para a janela. Eu só estava pensando demais.
- Ok - ele diz desconfiado - Você está linda aliás.
Viro rapidamente meu olhar para ele tocando cuidadosamente meu cabelo,que estava em um penteado afropuff, ainda extremamente insegura sem as tranças. Estava mesmo na hora de tirá-las e ocorreu que eu ia começar minhas aulas de balé, então seria melhor não ter um coque grande e super pesado para dançar. Mas eu estava super incomodada sem a proteção delas.
- Éio? - pergunto insegura.
- Sério - ele responde - Deveria ficar assim para sempre.
- Ha! Arro que ão - zombo, olhando meu reflexo no espelho retrovisor.
Ele não responde e passamos a viagem para meu primeiro dia de aula de balé de cara feia um para o outro.
A culpa era minha na verdade. Eu estava sendo uma idiota ingrata por minha insegurança e ele estava só querendo me deixar calma e eu sei que eu deveria pelo menos estar sendo educada e feliz por tudo que ele estava fazendo por mim.
Mas a minha teimosia estava definitivamente forte hoje.
Ele estaciona na frente do prédio antigo da escola de danças em que ele me matriculou. Ficamos parados em silêncio e enquanto encaro minhas mãos a minha teimosia se transforma em arrependimento. Eu deveria ser melhor que isso. Deveria ser uma boa garota.
- Ecupa papai - murmuro baixinho ainda encarando minhas mãos.
- O que? - ele pergunta - Não ouvi.
Suspiro sabendo que ele ouviu tudo muito bem e sabendo que ele queria que eu falasse olhando para ele.Levanto meus olhos para seu rosto e tiro minha chupeta da boca para repetir.
- Desculpa papai.
- E está desculpando por que exatamente? - ele pergunta me provocando.
Suspiro novamente tentando decidir se respondo ou não mas para não piorar minha situação resolvo responder.
- Desculpa por ser uma idiota hoje.
Sua risada ecoa no carro em resposta me deixando extremamente confusa. Isso não era uma conversa séria?
- Tão bobinha - ele comenta ainda rindo.
Fecho a cara pelo comentário e me viro preparando para sair do carro.Não ia levar sarro hoje.
- Ei ei - ele diz fechando a porta do carro me impedindo de sair - Onde pensa que vai?
- Para a minha aula - resmungo.
- Sem despedir de mim? - ele pergunta sorrindo.
- Não despeço de quem me chama de boba - rebato cruzando os braços.
- Meu erro então - ele começa - Realmente você não é uma boba e nem uma idiota. Na verdade eu quis dizer fofinha.
- E agora está me chamando de gorda.
- Não! Claro que não! - ele responde fechando a cara - Não estou te chamando de gorda e, mesmo que você fosse, adivinha?
- O que?
- Eu ainda amaria você - ele responde com aquele sorriso que me tira o fôlego.
- Tudo bem - falo - Você está desculpado.
- E você também - ele diz - Meu beijo de despedida então?
Reviro os olhos mas sorrio em resposta e logo em seguida dou um beijo na minha pessoa favorita do mundo.
- Boa garota - ele diz.
Pego minha mochila e abro a porta me preparando para sair, mas ele me impede de novo.
- Aqui - ele diz me entregando meu celular - Fique segura,qualquer coisa me chame e não se esqueça que é ir direto para casa- ele comanda.
- Ok papai - respondo feliz.
- Eu amo você.
- Eu amo você - respondo saindo do carro, mas me viro e jogo um beijo para ele - Bom trabalho papai.
- Você também querida - ele diz - Tome cuidado, ok ?
- Ok - respondo.
Ele pisca para mim e arranca o carro para a estrada. Volto minha atenção para o prédio e suspiro me perguntando se era mesmo uma boa ideia eu ter vindo invés de ficar colorindo e brincando no trailer do papai. Balanço a cabeça afastando o pensamento e entro no prédio cumprimentando a garota da recepção, passando pela catraca indo direto para a sala de aula.
Eu já conhecia o prédio, papai me trouxe aqui no dia da matrícula porque queria saber minha opinião sobre a escola, e claro eu não sabia de nada, parecia como uma escola qualquer de balé, mas aparentemente era a melhor escola de balé da cidade e era a mais cara, então eu estava total ciente da "responsabilidade" que ele me pôs.
Antes de entrar na sala de aula ouço gritinhos de felicidade e me viro curiosa para ver um casal todo feliz se abraçando e instintivamente não consigo evitar de me sentir um pouco triste, primeiro que o casal era lindo, a menina era alta, loira e magra e esbelta, parecia um anjo e o cara era uma outra versão do papai, bonito mas de um jeito diferente.
E essa era a definição de um casal perfeito. Um casal perfeito porque os dois eram bonitos e exuberantes e não um só.
Viro meu rosto ignorando o casal e meus pensamentos tristes e entro na sala grande e espelhada já cheia de alunos adultos e inexperientes como eu e, de repente sinto uma onda de nervosismo crescendo em mim mas me recuso a me afogar nela e atento a minha atenção ao que devo fazer. Tiro o tênis, coloco as sapatilhas e vou para um lugar vazio no canto da sala.
E pacientemente espero a aula começar junto com os outros alunos.
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Cinquenta Tons de Rosa
RomanceAo atravessar o oceano Atlântico e pousar na ilha inglesa, Isabella pensou que a sua vida ia mudar e para melhor. Mas a capital Londres a recebeu com um forte tapa de realidade e com dinheiro escasso a garota tenta sobreviver na cidade trabalhando e...