23↳ 𝐣𝐮𝐬𝐭 𝐡𝐨𝐥𝐝 𝐦𝐲 𝐡𝐚𝐧𝐝

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Acordei em outro lugar, um lugar no qual eu não me recordava de ter estado antes. Era uma sala grande, apenas com cortinas que nos dividiam, como se fossem paredes. Viro para o lado com dificuldade, e só agora percebo que a faixa de meu ouvido havia desaparecido.

Tinha uma mulher em uma cama ao lado da minha, ela estava com os olhos abertos, vidrados em sua barriga, enquanto a acariciava. Seu semblante cansado e marcado com uma olheira escura evidenciava ainda mais suas lágrimas insessantes que rolavam pelo seu rosto.

E por um momento senti vontade de abraça-la.

Ela funga o choro, limpando os olhos com as mãos, e vira o rosto para mim, se assustando ao ver meus olhos fixos nela.

— Você acordou. — diz fungando o choro pelo nariz. — Estava achando que não iria acordar.

— Eles me doparam. — engulo em seco.

— Fizeram isso comigo também, acho que aqui é o lugar para onde trazem aquelas que ficam de castigo. — nós rimos em uníssono após seu comentário. — Você já sabe o que é? — ela aponta para minha barriga com dificuldade por conta do soro preso em sua mão.

— É uma menina... Angel. — institivamente sorrio e coloco a mão em minha barriga.

— É um nome lindo. — ela sorri.

— Sou Anne Shirley, muito prazer. — estico minha mão para tentar comprimenta-la, e ela retribui no mesmo instante.

— Muriel Stacey. — ela sorri apertando minha mão.

— Acha que vamos sair daqui? Eu tenho a impressão que estão nos escondendo alguma coisa... — sussurro encarando minhas próprias mãos.

— Pelo que eu ouvi murmurarem, vamos ser transferidas para algum lugar. — ela sussurra e eu observo seu rosto, vendo ela apontar para a cortina fechada. — Eu não sei onde...

— Nós podemos ten-

A cortina se abre derrepente, e sinto meu coração quase sair pela boca. Um médico com uma fisionomia juvenil olha para a prancheta em suas mãos, analizando com atenção ao que estava escrito ali.

— Senhoritas Anne Cuthbert e Muriel Stacey? — ele pergunta com a voz doce, em seguida nos olhando.

— Sim. — dizemos em uníssono.

— Me acompanhem por favor. — ele da de ombros seguindo até o lado de fora, porém para no meio do caminho e se vira em minha direção. — Mas antes... qual de vocês duas é a senhorita Shirley?

Engulo em seco.

—  S-sou eu. — gagueiro mais do que eu gostaria.

— Chegou uma correspondência para a senhorita. — ele para por um longo segundo e franze a testa, como se estivesse tentando resgatar do fundo da memória o que iria dizer adiante. — Não me recordo de quem era, desculpe.

Meu coração começou a saltitar, e minhas pernas levemente bambas me conduziram para seguir o homem, enquanto Stacey vinha logo atrás de mim.

Eu só queria que fosse ele...

Seguimos para o lado de fora das cortinas, e vejo muitas mulheres grávidas, todas juntas nas repartições que nos dividiam. Era estranho ver aquela cena. A grande maioria delas estava machucada ou com algum ematoma grave, e minha cabeça começa a se questionar.

Aonde estávamos?

Chegamos até uma bancada branca e grande, onde agora eu conguia ver o nome do médico claramente no crachá pendurado em seu pescoço: Louis Hynes.

Louis procurou meio desajeitado, alguns papeis que ficavam na bancada, logo encontrando um cartão de cor parda, que estava meio sujo, passando a mão para limpa-lo e em seguida me entregando a carta com um sorriso sincero.

Analizo a carta com cuidado, e no fundo da minha alma eu desejava que aquilo fosse alguma coisa boa. Pelo menos alguma coisa boa...

De: Companhia do exército.
Para: Anne Shirley Cuthbert.

No mesmo instante eu rasgo o envelope, correndo meus olhos para le-la desesperadamente.

"Eu espero que esteja lendo isso a tempo.
Mas se não estiver, saiba que vou arrumar um jeito de te tirar desse lugar.
Por favor, não se desespere.
Eu tive de aceitar a proposta, ou caso contrário todas as crianças seriam jogadas nos campos de concentração.
E você sabe... que eu prefero morrer ao deixar alguma coisa acontecer a você.
Eles estão te perseguindo.
Não deixem que saibam que você teve contato comigo. Ninguém é confiável Anne.
Saia daí o mais rápido que puder.

Com amor, GB."

Dobro a carta novamente, e sinto o medo percorrer por cada centímetro do meu corpo. Minhas mãos tremiam, e em um ato brusco, coloco a carta no bolso da calça, amassando-a para caber, de um jeito que ninguém percebesse.

Ele estava sendo chantageado.
Era realmente ele?
Ele estava sendo induzido a isso?
E se for uma armadilha?

Minha cabeça girava, recorrendo as cenas passadas nas três semanas atrás, enquanto eu estive inconsciente, e me culpo por ter ficado naquele estado.
Eu poderia ter feito alguma coisa. Talvez eu pudesse ter feito alguma coisa. Talvez eu pudesse ter os salvado.

O barulho estrondante da porta da frente sendo aberta, me despertou de meus pensamentos, me fazendo olhar assustada para a mesma.

O homem no qual mandou que me dopassem, adentra o local, marchando como se fosse o dono de tudo aquilo. Como se tivesse cada um de nós bem na palma de sua mão.
E agora, com ele caminhando cada vez mais perto para a minha direção, consigo ler claramente o seu nome no crachá: Doutor Phillips.

Ele ajeita o bigode com a mão, enquanto me encara com a mesma cara enojada de antes. E por um instante de clareza, a minha mente explodiu, me fazendo quase cair para trás quando finalmente consegui abrir a boca para dizer:

— Foi você. — digo por entre os dentes, porém ele entende do que se tratava a minha fala. — Foi você que armou tudo aquilo. Você que bateu a arma na minha cabeça, me fazendo ficar inconsciente. Você fez eles me doparem por três semanas até que Gilbert estivesse fora daqui. Foi você. Foi tudo você. — eu cuspia as palavras com o peito cheio de angústia em saber que toda a verdada estava bem na minha frente, e eu nem sequer havia desconfiado.

Ele sorriu pelo canto da boca, ainda me encarando com um semblante debochado.

— Você é surda, mas pelo menos não é cega. — ele sussurra perto de meu ouvido, e sinto um calor percorrer por toda a minha estremidade. Eu sentia ódio dele.

Fico parada ali, estática, enquanto o vejo caminhar tranquilamente pelo local, analizando cada mísero detalhe. Quando Louis finalmente se direge a mim e Stacey, para nos dizer o por quê havia nos chamado ali.

— As senhoritas vão ser transferidas para um alojamento mais... seguro. —ele se embola nas palavras, e parecia mais nervoso depois da presença de Dr. Phillips no seu campo de trabalho. Louis parecia um cara bom, porém era manipulado pelo seu chefe, que controlava tudo a sua volta.

Nós duas apenas nos entreolhamos rapidamente pelo canto do olho, e assentimos com a cabeça.

— Espero que gostem do cheiro da fumaça dos judeus. — Dr Phillips sorri irônico, totalmente insensível e narcisista, enquanto dava um longo gole em sua xícara de café.

Apenas o olho, desejando mata-lo com o poder da minha mente, enquanto dois homens aparecem e nos conduzem para fora do estabelecimento, me deixando com as únicas duas coisas que ainda me restavam:

Minha fé.
E minha sede por vingança.

𝐻𝑎𝑝𝑖𝑛𝑒𝑠𝑠 𝑖𝑠 𝑎 𝐵𝑢𝑡𝑡𝑒𝑟𝑓𝑙𝑦 ↳ 𝐬𝐡𝐢𝐫𝐛𝐞𝐫𝐭Onde histórias criam vida. Descubra agora