3 ↳ 𝐭𝐡𝐞 𝐥𝐨𝐬𝐭 𝐜𝐢𝐭𝐲

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Depois de dias dentro de um navio, finalmente chego a Inglaterra, e consigo pegar um trem que para na estação de Liverpool, e desço tropeçando.

Uma sensação ruim tomou conta de mim, assim que coloquei os pés nessa cidade. Tomada pelo egoísmo. Perdida.

As ruas ainda estavam arrumadas, a quem visse de fora e não soubesse do que todos haviam sofrido. Mas a olho nu, estava destruída, coberta de fumaça por onde quer que andasse, vestígios de uma guerra incansável e desumana. As pessoas em que eu cruzava em instantes, pareciam mais apavoradas do que eu, correndo depressa, olhando para todos os lados em passos ágeis e precisos, movidos pelo medo e a incerteza de talvez nunca voltarem para casa.

Esbarro em algumas pessoas, porém nenhuma parece se importar.
Vou até o local mais próximo e movimentado e consigo finalmente pegar uma carona para ir até o abrigo.
Me pego pensando o caminho todo, em como as crianças devem se sentir, por perderem a única coisa que ainda nos mantem sãs nos dias de hoje, a família. Apesar de que eu já vivenciei na pele, o que é não ter um lar.

Era uma casa improvisada, feita de madeira grossa e velha, porém parecia grande o bastante para se concentrar várias crianças.
A grama estava úmida, e um pouco grande, de forma que quando se pisava, a terra grudava nos pés de qualquer um que andasse.

Ao me aproximar, consigo ouvir vozes de crianças brincando, e vejo uma correndo para fora da casa de madeira, sorrindo, apenas com a parte de baixo das roupas, repleta de lama coberta até o joelho.

Subo os dois pequenos degraus que tinham na entrada da casa, na qual era envolta com uma "varanda", sem nenhum tipo de proteção contra algo que pudessem os ameaçar.

A porta estava aberta, e eu entro batendo na mesma, para me certificar de que havia alguém.

Logo que entro, vejo 7 crianças, todas sentadas no chão, comendo um pão francês, que era servido por um homem de cabelos negros e pele pálida, pouco sujo e com roupas surradas, resultado de algum tipo de trabalho pesado. Ele estava agaichado, ajudando uma bebê de pouco menos de um ano de idade, a comer o pão com as próprias mãos.

─ Tia! ─ um garotinho que aparentava ter no máximo uns três anos, abraçou minha perna, com um sorriso de orelha a orelha. Sua pele parecia ceda, e brilhava conforme a luz iluminava seu tom escuro. Eu nunca havia visto olhos tão cheios de alegria e pureza. ─ Você tem mais comida? ─ diz gentilmente, e me quebro em mil pedaços por não ter trago nem sequer uma mísera bala para oferece-los.

─ Eu já vou buscar mais, Taylor. ─ o homem de cabelos negros, se aproxima de mim e do garotinho, que agora sai, saltitando. ─ Bom... você deve ser a nova voluntária. ─ franze as sobrancelhas, travando o maxilar, e estende a mão para me comprimentar, parescendo muito cortês e respeitoso. ─ Sou Gilbert, Gilbert Blythe.

─ Anne Shirley. ─ aperto sua mão, que estava gelada pouco suja, suas unhas não tinham mais a cor natural, agora eram cobertas de um cinza escuro, e sinto minha pele estranhamente se arrepiar com seu toque.

─ Perdão, eu estou imundo. Quer se sentar para comer? ─ diz retirando sua mão gentilmente num rápido gesto, esfregando-a na calça, um pouco sem jeito.

─ Eu estou bem, obrigada. ─ eu não tinha comido nada a viajem inteira, porque meu estômago estava embrulhado, talvez sejam efeitos colaterais da primeira viajem de avião.

Coloco minha mala perto da mesa, onde havia suco, pão e algumas bolachas de água e sal, e em seguida me ajoelho no chão perto as crianças.

─ Você... ─ ele para, ao observar minha mão que descansava em meu joelho. ─ É casada? ─ engole em seco, logo encarando as crianças, que permaneciam em uma conversa um pouco alta.

─ Eu não sei. ─ dou um sorriso forçado, e vejo sua expressão de confusão ao me encarar.

─ Você não sabe? ─ abre um sorriso de lado, franzindo o senho ainda mais, agora olhando diretamente em meus olhos.

─ Bom, não é de verdade, é só confidencial. ─ noto que estou complicando ainda mais o meu lado então prossigo. ─ Ele morreu. E não éramos casados de verdade.

─ Eu sinto muito, desculpe. ─ ele me olha com sinceridade, sua curiosidade some em uma fração de segundos, como se tivesse dito algo de errado, e parecia estar se punindo por dentro.

─ Tudo bem, éramos melhores amigos. ─ digo tentando parecer descontraída, para tirar a tensão do ar. Por que é sempre tão delicado falar que alguém morreu?

─ Interessante. ─ sorri com os lábios estreitamente fechados e contidos, num sorriso sem jeito, balançando a cabeça rapidamente acentindo.

─ E você por acaso tem uma história melhor? ─ digo, sem conter o tom do sarcasmo, o encarando pelo canto do olho.

─ Eu tenho várias histórias ─ sinto seu olhar queimar a minha pele sardenta, e vermelha de desconforto. ─ Mas nenhuma que seja tão interessante como se casar com seu melhor amigo. ─ não consigo conter uma risada espontânea, algo involuntário. Senti como se fosse a primeira vez em que consiguira ficar confortável em falar sobre as coisas estranhas que eu já havia passado, sem parecer uma estranha.

─ Acredite, também foi uma surpresa para mim. ─ um silêncio se instala por alguns segundos, e percebo que estou viajando, e que na verdade deveria estar prestando atenção nas crianças, afinal foi para isso que eu vim. ─ Elas estão aqui a muito tempo? ─ desvio o assunto, enquanto me levanto e pego no colo a bebê na qual Gilbert estava ajudando a comer e me sento novamente, cruzando as pernas.

─ A maioria chegou ontem, por causa do ataque que aconteceu na Europa, Alemanha especificamente. Eles são judeus. ─ seus olhos pesam, ao olhar em volta e sua alma reflete em seu rosto, a sua angústia, que era exatamente como eu me sentia ao ouvir o que acabara de sair de sua boca. ─ Encontrei ela ontem a noite ─ Gilbert pega na pequena mãozinha da menina, que segura firmimente seu dedo indicador. ─ Estava jogada no meio dos escombros, chorando. Por sorte eu estava caminhando aqui por perto e a encontrei. ─ força um sorriso ao brincar com a ponta do nariz na pequena garotinha de cabelos encaracolados.

─ Quando aconteceu o último ataque? ─ digo quase em um sussurro, tentando limpar o nó que se formou em minha garanta.

─ A dois dias. ─ suspira estreitando as costas, ajeitando os ombros. ─ A escola está fora da área de ataque, mas mesmo assim está muito perto. ─ ele encara o chão, arqueando as sobrancelas, enquanto pensava se diria ou não alguma coisa, e eu não consigo parar de encara-lo, anseando uma resposta. ─ Não é seguro.

─ Por que ainda não sairam daqui? ─ me sinto uma idiota por ter feito uma pergunta tão insensível.

─ Não tem muito pra onde ir. Os outros voluntários foram embora depois do último ataque, então são só eu. ─ me encara. ─ E você.

─ Vamos dar um jeito. ─ firmo meu olhar em sua expressão confusa e solitária, tentando me manter o mais confiante que posso.

Me levanto rapidamente, cortando nossa ligação direta. Ele faz o mesmo em seguida, e ficamos cara a cara, e percebo claramente nossa diferença de tamanho.
Eu entrego cuidadosamente a bebê em seus braços e ele a recebe com firmeza.

─ Qual o nome dela? ─ questiono curiosa.

─ Eu resolvi chama-la de Delphine. ─ ele sorri, balançando-a em seu colo.

─ É um nome lindo. ─ sinto uma tontura, e meu estômago começa a se revirar, parescendo que ia sair para fora.
Corro para fora da casa, descendo os dois degraus com tanta pressa, que tropeço e caio na grama na entrada da casa, e tudo o que eu havia comido em Green Gables, saiu para fora.

─ Você está bem? ─ sinto as mãos gélidas de Gilbert desviarem meu cabelo do rosto o segurando em um rabo de cavalo. Não consigo responder em palavras, mas pela minha expressão ao olha-lo, ele logo entende. ─ Tudo bem, venha. Vou te preparar uma sopa medicinal.

𝐻𝑎𝑝𝑖𝑛𝑒𝑠𝑠 𝑖𝑠 𝑎 𝐵𝑢𝑡𝑡𝑒𝑟𝑓𝑙𝑦 ↳ 𝐬𝐡𝐢𝐫𝐛𝐞𝐫𝐭Onde histórias criam vida. Descubra agora