Depois de dias dentro de um navio, finalmente chego a Inglaterra, e consigo pegar um trem que para na estação de Liverpool, e desço tropeçando.
Uma sensação ruim tomou conta de mim, assim que coloquei os pés nessa cidade. Tomada pelo egoísmo. Perdida.
As ruas ainda estavam arrumadas, a quem visse de fora e não soubesse do que todos haviam sofrido. Mas a olho nu, estava destruída, coberta de fumaça por onde quer que andasse, vestígios de uma guerra incansável e desumana. As pessoas em que eu cruzava em instantes, pareciam mais apavoradas do que eu, correndo depressa, olhando para todos os lados em passos ágeis e precisos, movidos pelo medo e a incerteza de talvez nunca voltarem para casa.
Esbarro em algumas pessoas, porém nenhuma parece se importar.
Vou até o local mais próximo e movimentado e consigo finalmente pegar uma carona para ir até o abrigo.
Me pego pensando o caminho todo, em como as crianças devem se sentir, por perderem a única coisa que ainda nos mantem sãs nos dias de hoje, a família. Apesar de que eu já vivenciei na pele, o que é não ter um lar.༺
Era uma casa improvisada, feita de madeira grossa e velha, porém parecia grande o bastante para se concentrar várias crianças.
A grama estava úmida, e um pouco grande, de forma que quando se pisava, a terra grudava nos pés de qualquer um que andasse.Ao me aproximar, consigo ouvir vozes de crianças brincando, e vejo uma correndo para fora da casa de madeira, sorrindo, apenas com a parte de baixo das roupas, repleta de lama coberta até o joelho.
Subo os dois pequenos degraus que tinham na entrada da casa, na qual era envolta com uma "varanda", sem nenhum tipo de proteção contra algo que pudessem os ameaçar.
A porta estava aberta, e eu entro batendo na mesma, para me certificar de que havia alguém.
Logo que entro, vejo 7 crianças, todas sentadas no chão, comendo um pão francês, que era servido por um homem de cabelos negros e pele pálida, pouco sujo e com roupas surradas, resultado de algum tipo de trabalho pesado. Ele estava agaichado, ajudando uma bebê de pouco menos de um ano de idade, a comer o pão com as próprias mãos.
─ Tia! ─ um garotinho que aparentava ter no máximo uns três anos, abraçou minha perna, com um sorriso de orelha a orelha. Sua pele parecia ceda, e brilhava conforme a luz iluminava seu tom escuro. Eu nunca havia visto olhos tão cheios de alegria e pureza. ─ Você tem mais comida? ─ diz gentilmente, e me quebro em mil pedaços por não ter trago nem sequer uma mísera bala para oferece-los.
─ Eu já vou buscar mais, Taylor. ─ o homem de cabelos negros, se aproxima de mim e do garotinho, que agora sai, saltitando. ─ Bom... você deve ser a nova voluntária. ─ franze as sobrancelhas, travando o maxilar, e estende a mão para me comprimentar, parescendo muito cortês e respeitoso. ─ Sou Gilbert, Gilbert Blythe.
─ Anne Shirley. ─ aperto sua mão, que estava gelada pouco suja, suas unhas não tinham mais a cor natural, agora eram cobertas de um cinza escuro, e sinto minha pele estranhamente se arrepiar com seu toque.
─ Perdão, eu estou imundo. Quer se sentar para comer? ─ diz retirando sua mão gentilmente num rápido gesto, esfregando-a na calça, um pouco sem jeito.
─ Eu estou bem, obrigada. ─ eu não tinha comido nada a viajem inteira, porque meu estômago estava embrulhado, talvez sejam efeitos colaterais da primeira viajem de avião.
Coloco minha mala perto da mesa, onde havia suco, pão e algumas bolachas de água e sal, e em seguida me ajoelho no chão perto as crianças.
─ Você... ─ ele para, ao observar minha mão que descansava em meu joelho. ─ É casada? ─ engole em seco, logo encarando as crianças, que permaneciam em uma conversa um pouco alta.
─ Eu não sei. ─ dou um sorriso forçado, e vejo sua expressão de confusão ao me encarar.
─ Você não sabe? ─ abre um sorriso de lado, franzindo o senho ainda mais, agora olhando diretamente em meus olhos.
─ Bom, não é de verdade, é só confidencial. ─ noto que estou complicando ainda mais o meu lado então prossigo. ─ Ele morreu. E não éramos casados de verdade.
─ Eu sinto muito, desculpe. ─ ele me olha com sinceridade, sua curiosidade some em uma fração de segundos, como se tivesse dito algo de errado, e parecia estar se punindo por dentro.
─ Tudo bem, éramos melhores amigos. ─ digo tentando parecer descontraída, para tirar a tensão do ar. Por que é sempre tão delicado falar que alguém morreu?
─ Interessante. ─ sorri com os lábios estreitamente fechados e contidos, num sorriso sem jeito, balançando a cabeça rapidamente acentindo.
─ E você por acaso tem uma história melhor? ─ digo, sem conter o tom do sarcasmo, o encarando pelo canto do olho.
─ Eu tenho várias histórias ─ sinto seu olhar queimar a minha pele sardenta, e vermelha de desconforto. ─ Mas nenhuma que seja tão interessante como se casar com seu melhor amigo. ─ não consigo conter uma risada espontânea, algo involuntário. Senti como se fosse a primeira vez em que consiguira ficar confortável em falar sobre as coisas estranhas que eu já havia passado, sem parecer uma estranha.
─ Acredite, também foi uma surpresa para mim. ─ um silêncio se instala por alguns segundos, e percebo que estou viajando, e que na verdade deveria estar prestando atenção nas crianças, afinal foi para isso que eu vim. ─ Elas estão aqui a muito tempo? ─ desvio o assunto, enquanto me levanto e pego no colo a bebê na qual Gilbert estava ajudando a comer e me sento novamente, cruzando as pernas.
─ A maioria chegou ontem, por causa do ataque que aconteceu na Europa, Alemanha especificamente. Eles são judeus. ─ seus olhos pesam, ao olhar em volta e sua alma reflete em seu rosto, a sua angústia, que era exatamente como eu me sentia ao ouvir o que acabara de sair de sua boca. ─ Encontrei ela ontem a noite ─ Gilbert pega na pequena mãozinha da menina, que segura firmimente seu dedo indicador. ─ Estava jogada no meio dos escombros, chorando. Por sorte eu estava caminhando aqui por perto e a encontrei. ─ força um sorriso ao brincar com a ponta do nariz na pequena garotinha de cabelos encaracolados.
─ Quando aconteceu o último ataque? ─ digo quase em um sussurro, tentando limpar o nó que se formou em minha garanta.
─ A dois dias. ─ suspira estreitando as costas, ajeitando os ombros. ─ A escola está fora da área de ataque, mas mesmo assim está muito perto. ─ ele encara o chão, arqueando as sobrancelas, enquanto pensava se diria ou não alguma coisa, e eu não consigo parar de encara-lo, anseando uma resposta. ─ Não é seguro.
─ Por que ainda não sairam daqui? ─ me sinto uma idiota por ter feito uma pergunta tão insensível.
─ Não tem muito pra onde ir. Os outros voluntários foram embora depois do último ataque, então são só eu. ─ me encara. ─ E você.
─ Vamos dar um jeito. ─ firmo meu olhar em sua expressão confusa e solitária, tentando me manter o mais confiante que posso.
Me levanto rapidamente, cortando nossa ligação direta. Ele faz o mesmo em seguida, e ficamos cara a cara, e percebo claramente nossa diferença de tamanho.
Eu entrego cuidadosamente a bebê em seus braços e ele a recebe com firmeza.─ Qual o nome dela? ─ questiono curiosa.
─ Eu resolvi chama-la de Delphine. ─ ele sorri, balançando-a em seu colo.
─ É um nome lindo. ─ sinto uma tontura, e meu estômago começa a se revirar, parescendo que ia sair para fora.
Corro para fora da casa, descendo os dois degraus com tanta pressa, que tropeço e caio na grama na entrada da casa, e tudo o que eu havia comido em Green Gables, saiu para fora.─ Você está bem? ─ sinto as mãos gélidas de Gilbert desviarem meu cabelo do rosto o segurando em um rabo de cavalo. Não consigo responder em palavras, mas pela minha expressão ao olha-lo, ele logo entende. ─ Tudo bem, venha. Vou te preparar uma sopa medicinal.
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𝐻𝑎𝑝𝑖𝑛𝑒𝑠𝑠 𝑖𝑠 𝑎 𝐵𝑢𝑡𝑡𝑒𝑟𝑓𝑙𝑦 ↳ 𝐬𝐡𝐢𝐫𝐛𝐞𝐫𝐭
Fanfiction↝ No início da 2° Guerra Mundial, Anne Shirley, que acabara de perder seu marido, agora se prepara para morar na Inglaterra, através de um trabalho voluntário, cuidando de crianças órfãs, na tentativa gloriosa de tentar superar tudo o que lhe havia...