14↳ 𝐡𝐚𝐥𝐟 𝐥𝐢𝐞

377 46 28
                                    

─ Sim você vai! ─ Gilbert me empurra para perto da mesa, puxando uma cadeira para eu me sentar.

─ Eu não posso! ─ digo desesperada.

Ele ignora totalmente minha aflição e coloca um papel e uma caneta sob a mesa, cruzando os braços me olhando com sua expressão indguinada.

─ Você vai escrever para os seus pais agora Anne, eles precisam saber! ─ suplica, com a voz doce porém impaciente. ─ Você vai ter um filho, tem noção do que é ter um filho?

Sim eu tenho total noção, e é exatamente por isso que não posso contar agora. Marilla viria atrás de mim e me traria para Green Gables arrastada pelos cabelos assim que terminasse de quase me matar por meio de uma carta.

─ Eu sei Gilbert! Tenho total consciência do que está acontecendo, então por favor não venha me dar lição de moral de como ser uma filha responsável, porque eu já sei que eu definitivamente não sou. ─ vômito as palavras sem nem sequer respirar, expulsando toda raiva que sentia de mim mesma que sem querer, estava depositando nele. ─ E sim, eu consequentemente vou ser uma péssima mãe!

Me sento na cadeira, semicerrando a carta com os olhos marejados.

Gilbert passa a mão pelo seu rosto, tentando recuperar o ar. De certa forma parecia que aquilo era assunto dele também, já que se estressava na mesma intensidade que eu.
Será que ele realmente se importava?

─ Eu vou te ajudar. ─ diz simplesmente, com toda a segurança do mundo. ─ Eu vou te ajudar Anne, ainda não entendeu isso? ─ me olha incrédulo, ao ver minha cara de espanto.

─ E como pretende fazer isso? ─ arqueio as sobrancelhas, sem tirar os olhos de seu rosto que carregava um sorriso perverso. ─ O que você está inventando Gilbert?

─ Inventando? Eu só trabalho com fatos minha querida Anne com "e". ─ sorri irônico, pegando o papel. ─ Isso. ─ estende o papel que segurava com a ponta dos dedos. ─ Vai ser uma carta para comunicar os seus pais sobre como a Anne Shirley está super bem, em meio a 2° guerra mundial, onde eles estão perigosamente suspeitos a serem bombardeados a qualquer momento. ─ sorri com os lábios, irônico.

─ Você só pode estar de brincadeira. ─ reviro os olhos.

─ É claro que eu estou de brincadeira. ─ pigarreia, franzindo o senho. ─ Apenas conte que está bem, haja naturalmente e tudo irá caminhar conforme os trilhos. ─ coloca o papel a minha frente.

─ Certo, senhor sabe tudo. ─ ironizo.

Pego a caneta, estreito os ombros e começo:

"Queridos, Marilla e Mathew

Já faz algumas semanas após a minha chegada, porém apenas tive tempo para lhes escrever agora.
A Inglaterra é incrível, um lugar realmente impressionante e eu estou estasiada para poder contar todos os detalhes.
As crianças são uma experiência particular na qual estou adorando vivenciar. Descobri que sou uma ótima contadora de histórias.
Estou muito bem, e espero que estajam também.
Mandem notícias de Diana e Jerry, estou com saudades de todos.

Amo vocês.
Atenciosamente, Anne Shirley Cuthbert."

Empurro a carta para ele ler, e reviro os olhos, cruzando os braços. Eu definitivamente não sei mentir.

─ Ficou ótimo. ─ balança a cabeça, impressionado. ─ Você tem jeito com as palavras, Shirley.

─ Isso não vai dar certo. ─ resmungo, com meu olhar fixo nas crianças que brincavam na sala de estar.

─ Vem aqui, vamos tomar um ar. ─ se levanta, pegando em minha mão, me arrastando até a sala de estar.

Com seus dedos ágeis, ele procura um disco de vinil que ficava dentro de uma caixa de papelão coberta de pó, e retira um, logo encaixando-o no aparelho de toca discos.

O som da música começa a ecoar por toda parte suavemente, até que ele aumenta o som milimetricamente, deixando-o num volume agradável aos nossos ouvidos.

O som do piano misturados a melodia do teclado, era extremamente envolvente.

Billie Holiday ─ I'll Be Seeing You.

I'll be seeing you
In all the old familiar places
That this heart of mine embraces
All day and through
In that small cafe
The park across the way
The children's carousel
The chestnut trees
The wishing well ─ a voz da doce mulher adentrava por nossos tímpanos.

Um clássico contemporâneo.

Gilbert me lança um sorriso tímido, e estende sua mão:

─ Me concede? ─ arqueia as sobrancelhas, com seu maxilar marcado, evidentemente tentando parecer autoritário e sério, o que era impossível, já que Gilbert nunca conseguia conter seu senso de humor.

Seguro sua mão e ele me puxa em um ato brusco para si, assim colando nossos corpos e acomodando sua mão em minha cintura.

Nós balançavamos conforme a música calma nos embriagava sem nem sequer fazer um mínimo esforço.

Seus olhos me cortavam como navalhas, e consigo perceber que suas pupulas estavam dilatadas numa profundidade absurda, parecia que estava bêbado.

Ele me rodopia rapidamente, como uma bailarina em seu espetáculo particular, colando nossos corpos novamente, quase implorando por aquele contato.

As crianças começaram a dançar umas com as outras, e não consigo conter uma risada, era muito fofo.

Porém Gilbert estava sério, sem dizer uma palavra se quer, com seus olhos fixados nos meus, que estavam viajando em suas órbitas que pareciam que foram desenhadas pelos deuses.

Ele entrelaça uma de nossas mãos, acomodando seus dedos por entre os meus lentamente.

Meu coração palpitava como a batida de um exército prontamente preparado para o ataque.

Derrepente sinto meu estômago embrulhar.

Empurro Gilbert em um ato brusco e corro até o banheiro, quase não dando tempo para chegar no vazo.

Parabéns Anne, você estragou tudo.

𝐻𝑎𝑝𝑖𝑛𝑒𝑠𝑠 𝑖𝑠 𝑎 𝐵𝑢𝑡𝑡𝑒𝑟𝑓𝑙𝑦 ↳ 𝐬𝐡𝐢𝐫𝐛𝐞𝐫𝐭Onde histórias criam vida. Descubra agora