Capítulo 8 - Intenções da Escuridão

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De damno proprio quisque dolere scit

Cada qual sente seu mal


Os Patronis tiveram que segurar seu verdadeiro semblante ao se despedir de Cyprian em frente ao casarão dos Phoenice. Ainda tiveram que ouvir da boca do próprio Rei minutos atrás que ele estava indo embora e lamentava pela execução de Tetis, uma vez que Cyprian ficou longe, Alexis sussurrou para seu irmão mais velho que tudo aquilo passava de uma mentira. ''Se ele quisesse mesmo nos consolar, teria dito isso no dia que nossa mãe morreu''.

   E falando sobre Alexis, ela sentia estar sendo observada por Blaiza mais do que ele deveria, chegava a ser sinistro e um tanto curioso, mas no fundo Alexis sentia que não havia maldade em seu olhar. Em poucos dias notou que Blaiza tinha um olhar muito sério, mas quando precisava estar onde ele estava, o olhar do General parecia ficar mais suave. Ela não foi a única que notou isso, Andronis, e pior, Orion acabou notando e ontem de noite foi querer saber se Andronis havia conversado com a irmã dele sobre isso. A resposta que Orion recebeu foi uma risada alta do loiro, dizendo que se soubesse que Blaiza era do interesse de Alexis, ele seria o primeiro a saber. Entre essas palavras, o que Andronis queria mesmo dizer era que no momento Alexis não tinha cabeça para nenhum romance, seja com Blaiza ou Orion.

   A cena de despedida era bem parecida com a saudação que tiveram com o Rei, por isso trazia uma sensação estranha de déjà vu. Damaris se mostrava simpática ao se despedir, claramente ela se salvou dos comentários ruins dessa visita amarga do Rei deixando na memória de todos como uma boa Rainha, boa demais para o marido que tem. Damaris segurava Domini nos braços por isso ela não ficou por muito tempo perto das pessoas. Por fim, o grande autor da tragédia começou a caminhar até que chegasse às duas famílias de Ataraxia. Estava acostumado em saber que por suas costas, isso não era a última coisa que Cyprian se preocupava, se existia uma pessoa em que ele se preocupava no quesito opinião era sua esposa. Desde a conversa da noite passada ele sente um peso enorme em sua consciência, além do medo que se multiplicou só de pensar que futuramente seu próprio filho poderia lhe julgar mal. De resto....A imagem de um Rei prepotente bastava. O som da harpia que estava voando no céu chamou a atenção de Cyprian por alguns segundos o fazendo olhar para o céu sem que ele parasse o passo. Ele não foi o único a fazer isso, Nilo também olhou para o céu se lembrando que essa harpia se tornou presente na morada como se aquele lugar fosse da ave há muito tempo.

    O Rei parou em um espaço entre os Phoenice e Patronis, depois daqueles segundos vazios de silêncio, Cyprian resolveu finalmente falar.

— Vocês, todos vocês, tem esta terra como um lindo privilégio. Eu pensava que Dinastai era a cidade mais linda que meus olhos já viram, mas Ataraxia que não cedeu à modernidade não perdeu seu valor. Nunca irei me esquecer da beleza particular de casas simples e pequenas, ou do casarão Phoenice e sua Elpidia. Meu egoísmo e admiração pela beleza me dá vontade de levar um pouco dela comigo, mas eu sei que uma árvore não sobreviveria em Dinastai. Não sei se sabem, mas o ar da Capital está começando a ter sua qualidade comprometida por conta das fábricas que estão se instalando. Cuidem da Elpidia, beleza assim deve ser cuidada.

— Ela será cuidada, Vossa Majestade. — Falou Nilo suavemente concordando com a cabeça.

— Eu sei que sim, Mestre Phoenice. Eu quero agradecer também o esforço pelo conforto e segurança que você garantiu a mim e a minha esposa, ela também, com certeza, está muito agradecida.

— Majestade.... — A voz de Athalea, esposa de Nilo, fez com que o Rei olhasse para ela. — Deu dicas preciosas para sua esposa sobre como lidar com filhos, espero que sejam úteis.

— Claro que serão, Senhora Phoenice. — Cyprian não resistiu em ficar sério, o cantinho dos lábios se ergueram em um ameno sorriso. — Quero que Damaris me conte todas as dicas de uma mulher que foi mãe mais de vez, eu agradeço. — O Rei limpou a voz e virou o corpo em direção a Horacio. — Senhor Patronis, jovem Andronis e Senhorita Alexis, lhes desejo força e união, mas creio que união não será um problema para vocês três.

— Nunca, Vossa Majestade. — Disse Horacio sem demora.

— Adeus, Patronis, e que seus dias sejam longos na terra.

— O seu também, Vossa Majestade. — Horacio tentou controlar a acidez das palavras.

    Cyprian deu as costas indo em direção à sua carruagem, uma vez que ele esteve dentro e sentado, uma das folhas da Elpidia entrou pela janela parando ao seu lado no estofado. O Rei olhou intrigado para a folha, sentindo que isso era um adeus da Elpidia de alguma forma muito irônica. Ele tentou pegar a folha, mas três segundos depois a folha dourada virou cinzas em sua palma aberta que voou com a brisa. Ele não podia ter aquela terra para ele, foi assim que Cyprian interpretou esse adeus com um suspiro. A carruagem começou a andar, a viagem de dois dias começou.

    Desta vez o tempo parecia estar parado, e Cyprian sabia que essa sensação era de mais pura ansiedade. Não era a ansiedade para ir para casa, afinal Dinastai está ali parada em seu lugar. Haviam muitas coisas em sua cabeça misturadas, o rosto de Aiacos, a conversa com Damaris, a imagem da Elpidia e sua harpia voando, além de rostos de alguns servos.

    Havia passado quatorze horas de viagem e o céu estava com as cores do crepúsculo, laranja e no horizonte onde o sol ia embora, se tornava vermelho.

— Pare a carruagem. — Pediu Cyprian e a carruagem parou na mesma hora.

   Ele mesmo abriu a porta da carruagem fazendo com que o seu servo que estava no comando da carruagem se assustasse, pois, achava que tinha feito algo de errado,

— Vossa Majestade? — Perguntou o servo com temor. Sua única resposta foi um sinal de Cyprian com a mão demonstrando estar tudo bem.

   O Rei andou com passos largos até que chegou em Blaiza que já observava seu Rei curioso com o pedido da parada. Outra pessoa que olhou para Cyprian pela janela foi Damaris querendo saber o que estava acontecendo.

— Blaiza, preciso que você faça algo.

— Agora mesmo, meu Rei. — O General saiu de seu cavalo esperando a ordem.

— Não exatamente agora, Blaiza. — Ao ouvir isso, Blaiza arqueou as sobrancelhas. — Preciso que espere aqui por vinte e quatro horas.

— Existe um motivo, Vossa Majestade?

— Claro que sim. — E se Blaiza esperava uma explicação, este não teve, e foi a primeira vez que isso aconteceu. Geralmente Cyprian não hesitava em contar seus planos para o General. — Se as vinte e quatro horas passarem você pode seguir com a viagem.

— E sua proteção, Vossa Majestade?

— Hm, não se preocupe, meu General. — Cyprian sorriu de lado. — Vai ficar tudo bem, fique tranquilo. — Para passar confiança, o Rei tocou brevemente o ombro de Blaiza.

— Farei como meu Rei pede, e se vou ficar aqui....É uma despedida então, desejo uma boa viagem.

— Obrigado, Blaiza. Tome cuidado.

   O Rei se virou mantendo o leve sorriso que quase se desfez ao notar que Damaris o observava. Cyprian respirou fundo e entrou novamente em sua carruagem. O sol desapareceu do horizonte, agora a escuridão lentamente consome o que sobrou do dia.

A Inquisição da HarpiaOnde histórias criam vida. Descubra agora