Por incrível que pareça, o silêncio está reinando. Não sei se as coisas que eu disse ontem fez meu vizinho tomar alguma atitude em relação às crianças ou talvez ele tenha saído, por ser uma manhã ensolarada de sábado. Seja o que for, espero que dure.
Preparo um café da manhã caprichado para mim, depois de colocar uma boa quantidade de ração para Pantera e me sento em uma das banquetas para comer no balcão da cozinha, quando ouço a campainha tocar.
— Oi! — digo confusa ao ver a irmã de Alexandre ali.
— Oi! Posso falar com você? — o tal do Christopher é um cara problemático e com toda certeza faria uma cena se soubesse que deixei a irmã dele entrar, mas a maneira com a menina me olha, me fez concordar.
— Você está com fome? Fiz bolo de chocolate e está quentinho — seus olhos brilharam ao concordar, o que me fez sorrir.
Ela senta em uma das baquetas e a sirvo com bolo e suco. Nós tomamos café em silêncio e, apesar de estar curiosa sobre o que a trouxe aqui, sua presença é quase natural para mim. Acho que preciso aumentar minhas sessões com Liana, talvez eu esteja ficando ainda mais louca.
— O que é isso? — aponta para a confusão de prateleiras e nichos em minha parede, quando nos sentamos no sofá e dou de ombros.
— É para o gato brincar.
— Você tem um gato? Eu sempre quis ter um, Dulce! — diz animada me fazendo sorrir.
— Olha só... Você sabe meu nome, mas ainda não sei o seu.
— Ah, verdade! — bate a mão levemente em sua testa e me encara ainda animada — Me chamo Luna!
— E o que você veio fazer aqui, Luna?
— O Alê me contou o que aconteceu, queria te agradecer por cuidar dele. Tem sido difícil... — trago a saliva ao notar a forma protetora que fala do irmão apenas alguns anos mais novo. Ela é uma criança, por que está falando como se fosse responsável por ele? — Ouvi você reclamar do barulho outro dia, vou tentar controlar os meninos.
— Não é você quem tem que controlar ninguém. Você é uma criança.
— Eu sei, mas Christopher não consegue fazer isso.
— Christopher é seu irmão? — ela assente — Por que ele está cuidando de vocês?
O brilho em seus olhos é o mesmo que eu vejo nos olhos de Paco. Provavelmente o mesmo que as pessoas veem em meus olhos. A dor de ter perdido alguém que amava. Sei o que ela vai falar apenas com esse olhar, seus pais já não estão presentes.
— Meus pais faleceram em um acidente de carro, Christopher é o mais velho e está cuidando de nós. Ele não morava com a gente, sabe? Quase não o víamos e então estamos todos morando juntos.
Mordo meu lábio inferior com força ao lembrar do que disse a Christopher no dia anterior e me sinto culpada.
— Eu sinto muito, Luna!
Agora consigo compreender o que Alexandre disse na tarde anterior. Os pais morreram, estão morando com uma pessoa quase estranha e que não tem nenhuma noção de como cuidar deles. A carência que o menino sentiu, a forma que Luna tenta cuidar de tudo. Meu peito se aperta por saber que eles são tão novos e precisam lidar com todo esse sofrimento. Como pode ser justo uma criança ter que lidar com o luto?
— Já faz alguns meses, está tudo bem — ergue o rosto, querendo demonstrar força, mas é nítido as lágrimas brilhando em seus olhos, então desvio o assunto para seus irmãos querendo aliviar o clima.

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O vizinho de cima
Fanfiction+18| FINALIZADA | REVISADA Ainda se recuperando de uma profunda depressão causada pela morte prematura de seu filho e um tendo que lidar com um bloqueio criativo que a impede de cumprir seus prazos, Dulce Maria resolve mudar de vida e cidade em busc...