Oito

558 55 2
                                    

Há algo de vagamente familiar nos aposentos de hóspedes do Palácio de Kensington, embora eu nunca tenha estado ali antes.

Shaan mandou um atendente levá-lo até seu quarto, onde sua bagagem esperava por ele em cima da cama de madeira entalhada e coberta com lençóis dourados.

Muitos dos quartos na Casa Branca têm o mesmo ar assombrado,um peso histórico que pende feito teias de aranha, por mais
impecáveis que os aposentos sejam mantidos.

Eu já estou acostumado a dormir com fantasmas, mas não é esse o problema.

Aquele lugar me faz lembrar algo ainda mais antigo em sua memória, por volta da época em que meus pais se separaram. Eles eram o tipo de casal de advogados que mal conseguiam pedir delivery de comida chinesa sem fazer uma documentação jurídica, então eu passei o verão antes do sétimo ano indo e voltando entre a casa da mãe e a casa nova do pai em Los Angeles até eles finalmente conseguirem firmar um acordo definitivo.

Era uma casa bonita no vale; tinha uma piscina azul cristalina e uma parede de vidro sólido nos fundos. Eu nunca consegui dormir bem lá. No meio da noite, saía escondido do quarto improvisado, roubando sorvete Helados do freezer do meu pai e tomando direto do pote, em pé e descalço na cozinha, sob a luz azul refletida da piscina.

De alguma forma, é assim que me sinto aqui - acordado à meia-noite em um lugar
estranho, obrigado a fazer isso funcionar.

Vou até a cozinha anexa à ala de hóspedes, onde o pé-direito é alto e os balcões são de
mármore brilhante.

Falaram para mim enviar uma lista para estocarem minha cozinha, mas, pelo
visto, era difícil demais conseguir Helados em cima da hora - tudo que tem no freezer são
sorvetes de casquinha de marcas britânicas.

- Como é aí? - diz a voz de Addi metálica pelo celular. Na tela, ela está de cabelo preso,
mexendo em uma das dezenas de plantas em sua janela.

- Esquisito - Eu digo erguendo os óculos sobre o nariz. - Tudo parece um museu. Mas
acho que não posso mostrar pra você.

- Aah - Addi diz, erguendo as sobrancelhas.-Que sigiloso.Que chique.

- Até parece - Eu respondo. - Na verdade, é meio medonho. Tive que assinar um termo de
confidencialidade tão gigante que tenho certeza que um alçapão vai abrir sob meus pés e vou acabar em uma masmorra de tortura a qualquer momento.

- Aposto que ele tem um filho bastardo secreto - Addi diz. - Ou é gay. Ou tem um filho bastardo secreto que é gay.

- Acho que é para o caso de eu ver o cavalariço trocar as pilhas dele - Eu digo.-Enfim, esse assunto é chato. E você? Sua vida está muito melhor do que a minha nesse momento.

- Bom - Addi diz -, o Nate Silver não para de me ligar pedindo outra coluna. Comprei
umas cortinas novas. Reduzi a lista de pós-graduações para estatística ou ciência de dados.

- Me fala que as duas são na George Washington - Eu respondo pulando para se sentar em cima de um dos balcões limpíssimos, balançando os pés. - Você não pode me largar em Washington e voltar para Massachusetts.

- Ainda não decidi, mas, por incrível que pareça, não depende de você - Add diz.-Lembra que às vezes a gente comenta que você não é o centro do mundo?

- Lembro, é esquisito. Então o plano é destronar o Nate Silver como czar dos dados de Washington?

Addi dá risada.

- Não, o que vou fazer é compilar e processar em segredo dados suficientes para saber
exatamente o que vai acontecer nos próximos vinte e cinco anos. Então, vou comprar uma casa no topo de uma colina muito alta na beira da cidade, me tornar uma reclusa excêntrica e ficar sentada na varanda. Vou ver tudo se desenrolar com binóculos.

Na realezaOnde histórias criam vida. Descubra agora