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A mão agarra o meu casaco com força e começo a soltar grunhidos de ódio abafados.

- Me solte! - rosno.

- Oh queridinha, não seja grossa comigo - me viro e encaro o único vitorioso do distrito 12, o único do nosso distrito que ainda está vivo e que participou dos jogos vorazes.

- Você? - franzo a testa.

- Não me olhe desse jeito.

- Desse jeito como?

- Como se eu não devesse estar aqui, quem não deveria é você.

Dou um suspiro profundo e mantenho minha postura.

- Bom, nesse caso você pode fingir que não me viu por aqui e seguir sua vida de vitorioso - sigo andando.

- Para onde você vai? - o ignoro - À Capital? Vai encarar aquele lugar por conta própria? - da uma risada - saiba que não vai ser fácil ir para lá ou qualquer outro distrito.

- Claro que não vai ser fácil, moramos em Panem. Agora, pode me deixar ir?

Ele assente com a cabeça e se afasta. Entro no vagão e encontro um espaço para me acomodar.

- Não posso deixá-la aí - tomo um leve susto ao que ele pula no vagão, mas não demonstro.

- Saia, vão me descobrir!

- Você não pode ir até lá nestes vagões.

- Por que se importa?

- Não sei, mas não posso deixá-la - puxa meu braço. Sinto a pressão de suas mãos contra meu corpo e o chuto.

Ele range de dor entre os dentes e me olha frustrado.

- Você não gosta muito de conversar, estou correto?

- Não gosto, muito menos com você.

- Olha, se você vier no meu trem, prometo nunca mais incomoda-lá.

Penso bastante antes de lhe dar uma resposta. Por mais que saiba de sua história nos jogos e seu histórico alcoólatra, não conheço esse homem, Haymitch Abernathy é um completo estranho aos meus olhos. Entretanto, seria hipocrisia pensar isso, já que estou me arriscando para ir a outro distrito atrás de uma pessoa que talvez nem exista.

- Então? - me encara, ainda massageando suas mãos machucadas.

- Não falará sobre mim para ninguém?

- Nem sei quem é você - da uma risadinha.

Seguro firme minha mochila e meu arco, saio do vagão e o sigo.

- Por aqui - anda em direção à luz.

Hesito antes de segui-lo.

- Não vão te pegar aqui, é um local particular.

Vou atrás do homem com um pressentimento preocupado, minha única motivação é saber que não vão me obrigar a me casar em alguns dias.

Haymitch abre a porta do trem e cede a minha entrada, dou passos rápidos e adentro rápido o automóvel. A beleza que invade meus olhos é inexplicável, há lustres de cristal, poltronas acolchoadas, televisão, diversas opções de comidas e bebidas sob uma mesa e sofás confortáveis. Vou analisando tudo aos poucos e me encantando cada vez mais.

A porta do outro compartimento do trem se abre e uma mulher com roupas extravagantes e coloridas usando peruca e salto alto se aproxima.

- Haymitch querido, quem é esta?

- Ela é... - percebe que não sabe ao menos o meu nome.

- Katniss.

- Oh, Katniss! Bem-vinda - sorri e toca meu ombro.

- Ela vai conosco até a Capital, Effie.

Agora me recordo, essa é Effie Trinket, esposa dele.

- O que você vai fazer lá, querida? - pergunta gentilmente.

- Na verdade eu vou para o distrito 2.

- Como?

- Minha ideia era ir no vagão de carga de carvões, e depois iria caminhar até o 2.

- Até eu encontrá-la e quase a obrigar a vir conosco - diz Haymitch.

- Que bom que você fez isso querido, essa garota linda não merece passar por tudo isso - toca minha trança - Vamos deixá-la no distrito 2 antes de irmos à Capital.

- N-não precisa - ela me cala.

- Está decidido. Venha, vou lhe mostrar o quarto em que vai ficar e onde pode guardar seus pertences.

- Sabia que vocês iriam se entender - o homem solta uma risadinha e se senta em uma poltrona.

Effie me guia até um quarto aconchegante com uma cama de casal, armário e jogo de mesa com cadeiras estampadas por flores.

- Acho que vai se sentir bem aqui.

- Mais do que bem - permaneço chocada com a exuberância.

- Que bom - sorri - tome um banho, há roupas limpas no armário e pela manhã se junte a nós para o café.

- Obrigada - digo em sequência de um suspiro aliviado.

- Não tem de quer querida, sei das coisas terríveis que se passam pelos distritos - diz chateada - durma bem e tranquila.

Coloco meu arco e a aljava sob a mesa e minha mochila em uma das cadeiras. Tiro a foto da minha família e a deixo sob o pequeno móvel ao lado da cama. Toco o rosto de meus pais e Primrose.

- Olhem onde fui parar - dou uma risada fraca - devem ser vocês desejando que eu viva minha própria vida - sorrio - podem ter certeza que viverei por vocês.

Entro no banheiro e me deparo com um chuveiro, nunca havia visto um tão de perto. Há vários botões instalados ao lado da parede e ao tocar um deles a água começa a cair e se dispersar no ralo do chão. Muito estranho.

Fico despida e desfaço minha trança. O banho acaba se tornando algo longo e duradouro, quero ficar embaixo da água quente para sempre, ela parece levar embora minhas preocupações e pensamentos frustrados. Seco meu corpo na toalha mais macia que já toquei e visto um conjunto de blusa e calça que encontrei nas gavetas do armário. Aqui há mais roupas do que toda a minha família já teve. Penteio meus fios ondulados castanhos e guardo minha roupa na mochila.

Ao sentar na cama me sinto nas nuvens, isso nem parece um colchão, não é nada parecido com os que já deitei. A coberta é lisa e os travesseiros brancos igual neve. Deito totalmente com meu corpo e me cubro, a janela está coberta apenas por um vidro e consigo ver o lá fora, está escuro e mal iluminado, mas ainda sim consigo ver vestígios de árvores e folhas esvoaçantes. Meus olhos se fecham aos poucos e me preparo para mais um sonho.

Nesta noite, o garoto misterioso aparenta estar mais perto de mim, parece ser real e tenho a impressão de que realmente o conheço há muito tempo.

Soulmates- Katniss e Peeta.Onde histórias criam vida. Descubra agora