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Nunca havia dormido tão bem, a pesar de estar em um trem com completos estranhos, me sinto bem-vinda e acolhida. Ainda é cedo, o sol não nasceu, mas é o horário habitual o qual acordo, por mais que queira ficar deitada apreciando essa cama enorme meu estômago começa a implorar por alguma fonte de energia. Prendo meu cabelo em um rabo de cavalo baixo e coloco um cardigan por cima da roupa que usei de pijama esta noite. O frio gelado da manhã esvoaça minha franja e atinge meu rosto com leveza, o trem é maior do que eu pensava e possui uma maior extensão desconhecida por mim. Avanço rente ao vagão da entrada que estive ontem, torcendo para que os bolinhos recheados que encontrei ainda estejam ali, e estão, entretanto, possuem companhia.

Haymitch está debruçado sobre a mesma poltrona, enquanto agarra um pano pequeno amarelo/dourado.

- Bom dia.

- Bom dia - sorrio fraco - acorda cedo também?

- Se eu ao menos tivesse dormido - da umas risadinhas - parece que não sou o único a ter pesadelos - me observa.

- Não acordei por conta de pesadelos, não dessa vez.

- Bom, escutei seus gritos e grunhidos nervosos durante essa noite.

- Sinto muito.

- Não a culpo, faço o mesmo.

- E você não dorme a quanto tempo?

- Ah logo estou indo dormir, meu problema é ficar acordado a noite - seus olhos cravam um ponto no chão - mesmo aquele velho estando morto, ainda o vejo arrancando tudo de minha vida e mandando minha esposa para uma arena terrível.

- Parece que todos temos desgraças.

- Claro que sim, só que alguns parecem as esconder bem.

Sinto que foi uma indireta, mas não me sinto confortável para falar de minha vida para esse homem. Ele se levanta da cadeira e guarda o pano no bolso.

- Vou me deitar, aproveite o café - passa por mim, saindo do cômodo.

Como só um bolinho para não ousar demais.

- Oh querida, coma mais - Effie aparece com outra roupa colorida, a de hoje é um vestido de borboletas alaranjadas. Gostaria de enxergar todas as cores que ele parece exalar, mas desde o incidente o mundo é totalmente cinza aos meus olhos.

- Não quero que chegue com fome no distrito 2.

- Já estamos chegando? - pergunto nervosa.

- Não, chegaremos pela tarde.

Acena para uma cadeira na mesa e me sento na mesma.

- Então me conte sobre você, por que nunca a vi perambulando pelo distrito? Claro...moro lá ha um ano apenas, mas ainda sim acho estranho.

- Tento andar longe do olhar das pessoas ao máximo.

Estou contente de que nenhum dos dois me associaram ao acidente dos meus pais e o incêndio na padaria.

- Entendo, as pessoas do 12 acham estranho o meu jeito de vestir - sorri e ajeita o cabelo - não ligo, me sinto tão bem quando acordo colorida que nunca desistirei de me vestir assim.

- Você é diferente aos nossos olhos, a Capital não parece ter nada a ver com o distrito.

- Compreendo. Sabe, eu trabalhava para o ex presidente falecido, Coriolanus Snow - suspira - hoje em dia reconheço o erro que era contribuir para o governo dele, porém...antigamente isso parecia interessante.

- Eu lembro de você, das suas visitas.

- Simplesmente só queria continuar o legado de minha mãe, trabalhar com os jogos vorazes e dar orgulho a família - seu sorriso se desmancha - cortei os meus vínculos com eles para vir morar aqui e ser feliz com Haymitch.

- Quando soube que estava pronta para deixar tudo para trás e casar-se com ele?

Ela sorri e toca minha mão.

- Apenas soube. Na altura que estava a minha vida, ficar na Capital junto de pessoas que ligam para interesses que eu não possuia mais, não fazia sentido. Agora...quando estou com Haymitch, tudo muda.
- Você compreende isso, só por estar saindo do seu lar já prova que está disposta a viver sua vida.

Ela passa geleia em seu pão fresco e parece aproveitar o momento. Faço o mesmo.

Foi o melhor café da manhã que já tive, primeira vez comendo comidas diversificadas e sem ter que me preocupar para guardar nos próximos dias.

- Querida, o que pretende fazer no distrito 2?

Não gostaria de responder essa pergunta. Primeiramente, não conto sobre a minha vida para as pessoas, sou bem fechada nesse quesito e não vou mudar. E segundo...não sei o que dizer, nem sei o que esperar dessa minha ida ao 2.

- Não sei exatamente.

- Está arriscando tudo para ir até lá? Que corajosa - sorri.

- Não tenho nada a perder - ela franze a testa.

- Sua família não sentirá sua falta?

- Isso não é uma preocupação que me aflige.

Ela parece ficar sem saber o que dizer. O resto das horas passam lentamente, a tarde chegou e o sol foi ficando cada vez mais fraco e perdendo brilho.

- Querida...

Ouço uma voz em minha cabeça.

- Acorde, estamos chegando.

Abro os olhos e vejo Effie e Haymitch em minha frente. Meus músculos doem e vejo que dormi na cadeira, dou uma rangida com a dor e Haymitch ri.

- Isso é a idade, docinho.

Esfrego os olhos e aperto mais a minha trança.

- Tem certeza de que não quer ir conosco à Capital? - Effie segura minhas mãos - Estou tão preocupada...me sinto mal por deixar você sozinha nesse lugar desconhecido - parece aflita.

- Acho que ela sabe o que está fazendo - Haymitch toca os ombros da esposa.

- Ele tem razão?

- Sim, vocês já foram muito gentis em me trazer até aqui, vou seguir meu caminho.

- Viu só? Não precisa ficar nervosa.

- Tudo bem meu amor, irei me acalmar - tira o pano dourado que Haymitch segurava mais cedo do bolso.

Então é por isso que ele se prende a esse pano, é dela, tem o cheiro dela. Effie levanta da cadeira e busca um pequeno papel de cartão com um número anotado.

- Vamos seguidamente à Capital, se algum dia precisar falar conosco, ligue, por favor.

Entrega o papel em minhas mãos e me da um abraço. Não gosto de toques, evito eles ao máximo pois minha zona de privacidade é bem estabelecida, porém, eles me ajudaram até aqui, então permito o abraço.

- Obrigada Effie, vou buscar minhas coisas e vestir minha roupa.

- É melhor pegar algo elegante do armário, assim não desconfiarão que você é de outro distrito.

Concordo e saio rente ao outro vagão.

- Oh querido, não tenho coragem de deixá-la.

- Ela precisa viver a vida, sabemos como é morar naquele distrito.

Ouço a conversa dos dois, balanço a cabeça e sigo reto. Me visto, arrumo minhas coisas, deixo tudo como encontrei horas atrás e preparo o arco em minhas mãos.

A despedida parece acabar com Effie, não entendo, ela mal me conhece.

- Ligue se precisar, está bem? - dou um sorriso pequeno.

- Seja discreta, há vários trens de carga chegando nesse horário, não irão te notar tão facilmente - concordo com a cabeça - Você vai ficar bem - Haymitch toca meu ombro.

- Adeus, e obrigada - desço do trem e o vejo colocando os ombros envolta da mulher, a trazendo para perto do corpo, demonstrando conforto.

Soulmates- Katniss e Peeta.Onde histórias criam vida. Descubra agora