XLIII - Velório

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RAFAEL NARRANDO:

Nos filmes, os velórios eram retratados em dias chuvosos e tristes. Porém, o velório de Daniel aconteceu em um dia ensolarado e quente. O mundo não estava triste,  a não ser o meu. Os pássaros cantavam como em todos os outros dias de sol, as pessoas trabalhavam, sorriam e seguiam suas vidas normalmente. Para mim, aquele dia poderia ser o pior da minha vida, mas em algum lugar, para uma outra pessoa, aquele também poderia ser o melhor dia de todos. Naquela manhã, a tristeza vivia apenas nos corações das pessoas que o amava, e depois de alguns dias aquela tristeza diminuiria. Essa era a pior parte de morrer. Ter a certeza de que, depois de algum tempo, as pessoas se lembrariam muito pouco de você. Elas não estariam mais tristes pela sua morte e aos poucos você deixaria completamente de existir.

Algumas pessoas se aglomeravam no canto do salão, e outras passavam perto do caixão e voltavam para a mesa de chá. Eu observava tudo aquilo com estranheza, pois não conseguia acreditar que naquela caixa luxuosa de madeira, jazia o corpo do meu irmão. Ele não podia estar morto, ele não devia ter me deixado. Nós estávamos juntos desde antes o nosso nascimento, mas agora, eu estava sozinho. Daniel morrera assim como minha mãe, meu pai havia desaparecido quando éramos crianças, e Vitória... Vitória não estava ali.

Olhei em direção a enorme foto que foi exposta em frente ao caixão, e senti o vazio se intensificar. Eu não sabia administrar todos aqueles sentimentos, não conseguia encará-los e muito menos ignorá-los. Eles, infelizmente, faziam parte de quem eu era. E ignorar uma parte de você mesmo, não era uma coisa boa de se fazer. Eu precisava ser sincero comigo mesmo, mesmo que isso significasse aceitar a morte de Daniel.

De repente tudo se acalmou, e o baixo falatório se reduziu ao silêncio. Um silêncio esmagador e opressor. A única coisa que eu queria fazer naquele instante era ir embora, desejava desesperadamente sair daquele local e esquecer tudo. Aquilo estava sendo demais para mim, e a cada minuto que eu continuava ali, as coisas ficavam cada vez mais insuportáveis. No entanto, eu não podia sair dali, pois eu era o único familiar de Daniel. Era meu dever ficar até que seu corpo fosse sepultado.

Horas depois, logo após o corpo de Daniel ser interrado, eu fui atingido por uma série de pessoas que queriam prestar seus sentimentos: " Eu sinto muito por sua perda, Rafael", diziam as pessoas repetidas vezes. Será que elas achavam que eu não conseguia entender o que elas diziam desde a primeira vez que elas falavam? Então era esse tipo de apoio que as pessoas deviam dar  às outras em momentos como aquele? Ficar repetindo como estavam tristes e como sentiam muito, não anestesiaria a dor do próximo. E por isso, fugi dali na primeira oportunidade que tive.

Assim que entrei em casa, me sentei sobre o sofá, relaxando o meu corpo. Passei as mãos nos cabelos e olhei em direção a mesa de centro. Ali, sobre a mesa estava um envelope com meu nome escrito em suas costas. O peguei, e o abri.

Querido Rafael,

às vezes amigos, relacionamentos e pessoas não são o bastante para preencher o vazio que nos corroem por dentro. E eles não são o bastante porque o vazio que sentimos, somente nós mesmo podemos preenche-lo.
Mesmo tendo muitíssimas pessoas ao nosso redor, de vez em quando nos sentimos solitários, e tristes. Nos sentimos perdidos e sugados pela multidão de pessoas ao nosso redor. Pessoas que levam sua vida normalmente, fingindo que são felizes, e eles até podem ser, mas durante quando tempo?
Não podemos e nem seremos completamente felizes o tempo todo, pois a tristeza está sempre a espreira, esperando o momento certo, para nos atingir e destruir a imensa felicidade que sentimos. E como se isso não fosse suficiente, a solidão vem logo depois, destruindo todo resquício de alegria que nos sobrou.
Eu costumava pensar que o vazio e a raiva que eu sentia, iam desaparecer depois que eu me vingasse, porém eles não desapareceram. E agora eu entendo o que eu tenho que fazer para eles sumirem. Nunca se tratou de vingança ou ódio. Todo esse tempo se tratou de insegurança, e eu preciso me sentir segura comigo mesma, antes de estar em uma relação.

Limpei a lágrima que correu pela minha bochecha, respirei fundo e continuei a ler.

Durante muito tempo, eu não me apeguei à ninguém, pois eu não tinha ninguém em quem pudesse me apegar. Eu tinha somente o imenso desejo de vingança, e eu me apeguei a isso. Eu passei tanto tempo sentindo esse ódio, que ele se tornou parte de mim. E agora, eu tenho que aprender a viver sem ele.
Eu sei que você não entende por qual motivo fiz tudo isso, e eu também sei que eu ainda não estou pronta para te dizer, assim como também não estou pronta para estar com alguém tão maravilhoso como você. Eu te amo Rafael, e sempre amarei. Você não sabe, mas quando te conheci, criei barreiras para te afastar, e todas elas foram destruidas por você. Pelo seu olhar, e pelo seu provocante sorriso de lado. E quando me dei por mim já era tarde. Eu ja estava completamente e perdidamente apaixonada por Você. Você chegou em minha vida em um momento que eu não acreditava mais no amor, e fez com que eu voltasse acreditar. Você foi a melhor coisa que já me aconteceu. Você é a lua em noites escuras, o sol depois de uma tempestade, você é como a brisa e o orvalho das manhãs. É por isso que antes de me entregar completamente à você, eu preciso me conhecer, conhecer a Vitória sem o desejo implacável de vingança. Preciso superar os meus traumas, para só então, ser sua de corpo e alma.
Quando você ler essa carta, eu já terei ido embora, mas eu quero que saiba que, mesmo que eu nunca volte, mesmo que se passe anos, eu sempre amarei você! Pois sempre foi você Rafael, e sempre será você o dono do meu coração. E Não existe nada e nem ninguém que possa se igualar ao amor que eu sinto por você.

Atenciosamente,
sua Vitória.

Vitória havia partido, e eu entendia sua vontade  repentina de ir embora.  Afinal, depois de tudo que havia acontecido, qualquer um precisava partir e tentar superar tudo aquilo. Eu não a julgava por ela não conseguir continuar ali, se ir era o melhor para ela, não seria eu quem a privaria disso. Sim, eu sentiria falta dela, no entanto, eu não poderia prendê-la a mim. Não era isso que o amor significava, o amar significa apoiar, e eu a apoiaria em qualquer situação que fosse.

Vingança SangrentaOnde histórias criam vida. Descubra agora