XLIV - Reencontro

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VITÓRIA NARRANDO:

-- Aqui, deixe-me ajudá-la com as malas -- disse Alasca, tomando algumas malas das minhas mãos, e as colocando dentro do porta-malas. -- Há tantas coisas que eu preciso te contar, e acredito que você também tem muito que me falar, não?
-- Com toda certeza. -- Entramos dentro do carro, e ela deu partida, colocando o carro em movimento. -- As últimas semanas foram tão corridas que eu não consegui te ligar.
-- Para mim também. Você lembra que eu estava assumindo uma nova posição na empresa? Pois bem, isso me custou várias semanas. Tive que colocar várias coisas em ordem. -- O semáforo ficou vermelho, e enquanto várias pessoas caminhavam na faixa de pedreste, ela se virou para mim. -- Eu vi uma reportagem sobre você. E espero há dias que você me conte, absolutamente tudo.
Respirei fundo e tomei coragem. Já estava na hora de falar com alguém sobre aquilo, de desabafar e contar tudo. Era hora de ser sincera, de tentar falar e lembrar daquilo sem chorar. A verdade podia me libertar, e, me ajudar a superar.
-- Há oito anos, eu me mudei para Healdsburg com meus pais. Na noite em que cheguei na cidade eu conheci um garoto, seu nome era Daniel. Ele era lindo, atencioso e gentil. No meu primeiro dia de aula, eu o reencontrei novamente e conheci seus amigos: Arthur, Henrique e Carlos. Nós começamos a sair juntos, e meio que eu estava apaixonada por ele. Mas, em uma noite, quando iríamos jantar, ele disse que tinha que passar na casa de um amigo e que seria rápido -- engoli em seco, meus olhos já estavam cheios de lagrimas, as lembranças retornando a mente e então prosegui: -- Quando chegamos lá ele pediu que eu entregasse, e então... então todos os amigos dele estavam lá. Eles me trancaram, rasgaram minhas roupas, riram de mim e me estruparam. Eu gritei, pedi para que eles parassem, mas de nada adiantoun. Eu lembro que quando eles pararam, eles disseram que era minha culpa e que ninguém acreditaria em mim se eu contasse. Eu fiquei ali, caída naquele chão frio enquanto pedia ajuda e ninguém me ajudou. Mas eu prometi para mim mesmo que os faria pagar. Que eles se arrependeriam do que me fizeram. Nos primeiros dias eu fingi que nada aconteceu, tentei seguir minha vida normalmente. Depois veio a raiva e o estresse, eu tinha acessos de raiva frequentemente e todos pensavam que era tpm ou algo do tipo. Meses depois a depressão e novo do meu corpo chegou. Eu comecei a odiar o meu próprio corpo e culpar a mim mesma por tudo que aconteceu. A única solução que encontrei foi ir embora de vez.
Quando me calei, Alasca ficou chocada, furiosa e triste. Seus olhos estavam cheios de lágrimas, a ponta do seu nariz vermelho. No momento em que, o semáforo tornou a ficar verde, Alasca ligou o carro, e disse:
-- Vitória, eu sinto muitíssimo. Eu não sei o que dizer. Eu nunca imaginei que você passou por tudo isso, toda essa dor e trauma.
-- Está tudo bem Alasca. Eu estou melhor agora. Eu acho que me apaixonar por Rafael me ajudou bastante, em relação a isso. Eu ainda não consigo transar com ele, é claro. Mas ele não se importa com isso, ele me apoia independente de tudo. Me respeita, e me trata como se eu fosse a coisa mais preciosa que ele já viu.
-- Isso é bom. Te ver assim é bom. E como vocês estão?
-- Eu não sei. Depois da morte de Daniel, eu não consegui olhar para ele. Não consegui continuar ali, por isso vim passar um tempo aqui. Eu deixei uma carta explicando tudo para ele, e espero que ele entenda.
-- Pelo que você já me falou sobre ele, creio que sim.
-- Agora me fala, e você e o Elliot, como estão?
-- Nós terminamos. Não estava dando certo, além do mais, ele foi morar fora do país. Recebeu uma proposta de emprego imperdível.
-- Parece que nossa vida amorosa está completamente fodida.
-- A sua, você quer dizer. -- Ela sorriu. E olhando seu sorriso branco e amigável, pude durante um período de tempo, esquecer o que aconteceu a quilômetros de distância.
-- Como assim?
-- Eu conheci alguém. Uma mulher: independente, linda, e espetacular. Você irá conhecê-la.
-- Às vezes não consigo te acompanhar, essa sua bissexualidade é tão libertadora -- Nós duas gargalhamos como sempre fazíamos quando estávamos juntas.

Alasca uma vez me contou que, quando descobriu sua sexualidade não ficou muito surpresa. Ela disse que desde pequena sempre se sentiu diferente, que às vezes quando assistia desenhos animados, ela não olhava somente para o Príncipe, mas também para a Princesa. Quando se assumiu, ela tinha 16 anos. Seu primeiro amor foi uma garota da sua turma, com quem ela namorou depois de algum tempo. Assim que sua família soube, eles não a criticaram, eles eram muitos liberais, e respeitosos, e souberam respeitar quem ela era.
Ela afirmava que não tinha uma preferência, que tudo dependia do momento e da pessoa. No entanto, eu sempre desconfiei que ela preferia mulheres, mas nunca consegui ter certeza disso. Secretamente eu a admirava, admirava toda sua coragem e honestidade, pois viver em uma mundo preconceituoso como o nosso, nunca foi fácil. As pessoas tendiam a opinar onde não deviam, elas costumavam ditar como agir, quem amar, o que fazer. E era revoltante como as pessoas queriam impor como as outras deviam viver. Elas não podiam simplesmente respeitar as diferenças e a opinião do próximo? Não podiam deixar que as outras vivessem da maneira como escolheram? Será que era tão difícil entender que ninguém escolhe quem amar? Que o amor surge de diferentes formas e em diferentes pessoas? Mas não, eles usavam a religião e Deus para propagar o seu ódio. O usavam como desculpa para ofender e julgar as pessoas, e agiam como se seu preconceito fosse fé e devoção. Hipócritas. Deus não julga, nunca julgou. Deus é amor. Então, por que uma mulher amar a outra é errado?

Alasca freou o carro em frente seu apartamento, e por conta da chuva fina que comecara a cair, nós descemos as pressas do carro, e começamos a tirar as malas de dentro do porta-malas. Subimos de elevador até seu apartamento, e percorrendo o curto corredor, tentamos desesperadamente, enxugar nossos corpos. Os cabelos molhados e grudados na pele se recusavam a ficarem secos, e paramos de tentar na terceira tentativa. Parando em frente a porta, Alasca retirou as chaves do bolso e a abriu.

Alasca não mudara nada em seu apartamento. Ele continuava igual a quando eu havia ido embora. As paredes brancas, o sofá de couro, as enormes janelas de vidro, e o delicioso cheiro de lavanda, me lembraram momentos perdidos em minhas memórias. Me recordaram de um tempo em que, a vingança ainda não tinha me consumido. E naquele momento senti falta de somente uma pessoa: Rafael.

Quando entramos na cozinha, eu vi uma mulher sentada em frente ao balcão. E, sem dúvida alguma, era a mulher mais linda que eu já vi em toda minha vida terrena. Quando meus olhos recairam-se sobre sua pele negra e luminosa, e correu pelo restante do seu corpo, vendo aquela boca carnuda e proporcionalmente perfeita, aqueles cabelos crespos e volumosos, me senti completamente humilhada. Eu sempre admirei aqueles traços, sempre os invejei e os considerei uma das maiores perfeições da natureza. Ela se levantou e andou em minha direção.

-- Você deve ser Vitória, a amiga de Alasca. Bem, eu me chamo Clarissa. Sou a namorada dela -- disse ela, lançando um sorrisinho na direção de Alasca.
-- É um enorme prazer te conhecer. Alasca falou muito bem de você.
-- Aposto que sim, mas não acredite em tudo que ela diz. Sabemos que ela pode ser exagerada às vezes.
-- Ei, isso não é justo. Vocês não podem falar mal de mim na minha frente, e Vitória, você devia me defender e não concordar com tudo que ela diz. -- Nós três rimos.
-- Venham, vamos comer. Eu fiz lasanha. Não sei se vocês irão aprovar, mas acho que dar para engolir.
-- Não seja modesta somente por conta de Vitória. Você cozinha muito bem.
-- Pelo cheiro, creio que está uma delícia -- disse, sentado-me à mesa.

Enquanto comíamos, Alasca e Clarissa ficavam trocando olhares e sorrisinhos. Eu sabia que aquele olhar era o olhar de uma pessoa apaixonada, pois eu e Rafael já nos olhamos daquela maneira. Estranhamente, desejei que um par de olhos verdes me olhasse. Desejei que ele estivesse ali na minha frente, queria poder me perder em seu olhar e sentir o gosto do seu beijo. No entanto, quilômetros de distância nos separava, e, mesmo que eu pegasse o voo mais rápido que houvesse, não conseguiria chegar a tempo de matar a saudade. Me recordei que meu celular estava no bolso da minha causa, e caindo na tentação de ligar para ele, comecei a tirá-lo do meu bolso.

-- Vitória, o que achou da comida? -- perguntou Clarissa, levando uma garfada de lasanha à boca.
-- Está ótima. Você realmente cozinha muito bem -- disse, colocando o celular novamente em meu bolso. -- Alasca não exagerou dessa vez.
-- Quem disse que eu sou exagerada?! Eu apenas falo com entusiasmo, e isso não é nem um pouco parecido com exagero.
-- Sim, nós sabemos -- disse Clarissa, pousando sua mão sobre a de Alasca e rindo.

Vingança SangrentaOnde histórias criam vida. Descubra agora