Vejo o olhar de Gizelly mudar de tom bem diante dos meus olhos e me preocupo, não a quero triste.
- O que foi Gi? - Não resisto e a chamo pelo apelido.
- Nada não, só uns pensamentos aqui. - Ela desvia o olhar.
- Quer ir embora? Álcool com tristeza não da bom resultado. - Tento brincar e dou um meio sorriso, ela revira os olhos e sei que funcionou pelo menos um pouco.
- Não, tá tudo bem. - Diz dando um sorriso que não me convince mas decido não forçar. - Como você parou de beber mesmo? - Ela pergunta com um interesse genuíno em sua voz, suspiro e começo a contar.
- Foi na noite depois da primeira exibição da galeria, que havia sido um sucesso, acabamos bebendo bastante mas estupidamente, achei que ainda estava bem para dirigir.- Respiro fundo, Gizelly já sabe onde vai dá, não é nenhuma história inédita, nem algo de outro mundo, é infelizmente uma das razões mais comuns para acidentes de trânsito. - A principio estava tudo tranquilo, era bem tarde as ruas estavam vazias, fui deixando uma a uma, mas no caminho para deixar Maria, uma das minhas amigas da faculdade, o carro que estava na minha frente parou do nada e acabei batendo na traseira dele em alta velocidade, bati a cabeça no volante e fiquei desacordada por uma semana e vários arranhões. - Terminei sem olhar sem seus olhos, já estou acostumada, sempre que conto a história vem o olhar de pena, ainda sinto muito remorso pelo acidente, sei que ela vai perguntar, mas não sei se consigo responder.
- E a Maria? - Um nó se forma na minha garganta, talvez as pessoas achassem que depois de anos iria ficar mais fácil falar nisso, mas a verdade é que isso vai me assombrar pelo resto nada minha vida, um preço pequeno demais a se pagar. Meu olhar e minha cara parecem bastar, pois sinto a mão de Gizelly em meu ombro fazendo carinho.
- Ela não estava de cinto, com o impacto foi jogada para fora do carro, não resistiu. - Digo lutando contra lágrimas, não quero chorar, não ali, não assim. Fecho os olhos com força e sacudo a cabeça, coloco os pensamentos em ordem, abro os olhos e encaro Gizelly, que para minha surpresa não me olhava com tristeza, nem pena. Não consigo descrever mas foi a primeira vez que não fiquei mal pela maneira que alguém me olhava logo após saber a historia. - Bem, desde que acordei no hospital que jurei nunca mais beber. Já fazem 4 anos e 2 meses. - Digo fazendo a conta na cabeça.
- Acho admirável que tenha parado, e sinto muito pela sua amiga. - Dou um meio sorriso em agradecimento e me volto para o resto do suco a minha frente.
Não ficamos muito tempo em silêncio, já que Juliana e Fabrício voltam e até fazem um comentário irônico sobre clima de funeral que lhe fez ganhar um chute da Gizelly por baixo da mesa, ficou claro para todos que ela fez isso, mas só eu sabia o motivo, e acabei soltando um risinho. Com eles de volta, os assuntos ficaram mais leve, eles me contaram como se conheceram e quando cada um começou a trabalhar no prédio, em algum momento o Henrique foi se despedir e saiu com uma mulher que não era a que ele estava falando antes, isso também gerou histórias e mais histórias do advogado e suas conquistas.
- O dia que aquele ali se apaixonar o mundo vai acabar, isso sim. - Fabrício fala rindo. - Se Gizelly acompanhar então, acabou, ninguém se salva. - Gizelly taca um bolinha de papel improvisada com o guardanapo nele, fazendo rir mais ainda, mas eu fiquei no mínimo intrigada com seu comentário, e não ia deixar ele passar assim.
- Bem, quanto ao Henrique entendo o que disse mas Gizelly? - Pergunto me fazendo de sonsa e levo um tapa na perna mas não desvio o olhar de Fabrício.
- Enquanto temos Henrique pegando a cidade toda, - Ele gira o dedo pra dar ênfase. - Gizelly só dá fora e nunca sai com ninguém.
- Só por que não sai com ninguém que conheça, não quer dizer que não sai com ninguém. - Gizelly não se deixa abalar e se endireita na cadeira ganhando um ar contestador, me fazendo lembrar mais da Gizelly que namorei.
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Reconstruindo o AMOR
FanfictionMarcela Mc Gowan, dona de uma das mais badaladas galerias de Nova York, se vê pela primeira vez em anos perdida. Ao receber uma ligação de sua mãe avisando que seu pai faleceu, a artista se vê obrigada a voltar ao Brasil não só pelo enterro mas pela...