Saio do banheiro e vou logo para o bar, peço mais alguns drinks, danço bastante sem me importar com mais nada. Talita estava se pegando com alguém muito provavelmente. Não vi mais Liliana, talvez já tivesse ido embora, minha mente lutava para esquecer tudo que Barbara me contou, mas em vão. Eu sabia que Rafael era doido, mas porque eu continuei tento contato com ele depois de todos esses anos? Anthony e Talita sempre me questionavam isso, porque estar próximo de alguém que só me magoou, que só me fez mal. Eu não sei. Talvez eu devesse quebrar esse maldito ciclo com Rafael, cortar todo e qualquer laço com ele, se preciso, até acionar a polícia, medida de proteção, sei lá. Não poderia estar vulnerável para Rafael.
Procuro por Talita e não a encontro, já estava com vontade de voltar para casa e dormir. O álcool já estava passando seus efeitos. Liguei para ela mas a maldita não atendeu, mandei mensagem dizendo que estava indo embora e perguntei se ela queria que eu esperasse. Minutos depois ela me responde dizendo que eu poderia ir, mas praticamente me obrigou a passar o número da placa do carro e o nome do motorista, e a minha localização em tempo real, acho que ela temia que eu fosse parar no apartamento de Rafael, onde ironicamente era o lugar onde eu menos queria estar naquele momento.
***
Cheguei em casa, me despi e me joguei no chuveiro. Fiquei imaginando como seria minha vida social na Espanha, será que vou fazer amigos por lá? E claro, será que eu consigo sequer chegar lá? Bom, com essa droga de dinheiro dos Galli eu poderia estudar em qualquer Universidade no mundo, tenho certeza que pagaria qualquer Programa de Pós, mas não parece justo, vai contra tudo que eu penso e pesquiso. Quero fazer logo essa prova de pró-eficiência no idioma, e saber logo se eu consigo ou não essa vaga. Se eu não conseguir, sei que pelo menos Anthony conseguiu, e seu tema de pesquisa é tão importante quanto o meu, ficarei feliz mesmo assim. É bom saber que as coisas que nós produzimos estão indo para além da América Latina, para além de tudo, de sentimentos ou relações de amizade com Anthony; ele era um pesquisador tão bom quanto eu. Também merece conseguir essa chance.
Saio do banho, me encaro no espelho do banheiro. Já tinha tirado a maquiagem, cabelo estava amarrado em um coque e estava usando um grande roupão rosa. Me sentia meio perdida mas ao mesmo tempo, acho que estou indo pelo caminho certo. Única coisa que ainda me deixa atordoada é pensar que talvez eu ainda precise lidar com Rafael. Espero que Barbara esteja errada.
Tiro meu roupão e visto um pijama qualquer, deito-me na cama e antes de dormir, pego meu celular para ver se Talita deu algum sinal de vida: ela já estava voltando pra casa. Deito mais aliviada e fecho meus olhos, mas talvez eu devesse esperar ela chegar. Continuo com os olhos fechados, mas não iria dormir. De repente lembro-me de Anthony: é claro que lembro. É cientificamente impossível esquecer alguém tão rápido, ainda mais quando se era tão próximo. Mas depois de quase duas semanas chorando desesperadamente por algo que não fazia bem e não era normal, a gente chega num ponto que só aceitamos: e seguimos, mesmo ainda doendo um pouco. Tony foi extremamente especial, esteve comigo sempre, e mesmo com todas as coisas que Talita me disse, mesmo que parecesse que eu devia ir atrás: não. Não estamos dentro de um livro de romance: isso é vida real. E eu quero e mereço viver sem estar as margens de algum amor, seja por Anthony ou qualquer outro homem. Isso é o certo a se fazer, melhor ficarmos afastados, talvez daqui a uns anos a gente volte a ser o que éramos; mas sem romance, sem sexo, sem nada. Apenas e unicamente amigos. Já estava na hora de parar de agir feito uma adolescente infantil, como Talita me disse hoje. Anthony está com Julia, mesmo que eu não ache que isso seja algo bom, é problema apenas dele, não meu.
Viro-me na cama e vejo a minha janela com a cortina aberta, levanto-me e a fecho. Deito novamente e acabo dormindo quase que instantaneamente.
***
Acordo e levanto-me da cama. Pego meu celular e vejo que ainda era meio cedo, 7h da manhã. Mas decido levantar mesmo assim, preparar um café da manhã para Talita que com certeza vai acordar com uma ressaca daquelas. Vou em direção ao banheiro e faço minhas higienes, logo depois saio do quarto vestindo apenas meu roupão e dou de cara com Jonas na minha cozinha.— Jonas, bom dia. — digo, realmente surpresa. Então era isso que aquela safada estava fazendo ontem? E ela saiu da boate e foi atrás de Jonas? — Que... surpresa. — ele sorria. Estava usando apenas um calção. Jonas tinha um corpo bonito, mas realmente, homens carecas não me atraem nenhum pouco.
— Bom dia, Flor! Desculpa o susto, estou fazendo um café para...
— Besteira! Não se preocupe. Só me dê um gole do café que eu pego minha xicara e um livro e fico dentro do meu quarto. — digo, rindo. Talita fazia a mesma coisa por mim nos tempos antigos, parecia justo retribuir.
— Ah, não precisa disso. — ele sorriu novamente. — Tome, fiz uma omelete também. — ele me entregou uma xicara de café bem generosa e uma omelete bonita. Talita sempre se envolve com homens carinhosos e meigos, sempre me questionei o porquê de eu sempre estar com os loucos, obsessivos e tarados.
— Uau, Jonas. Muito Obrigada. Vou ficar aqui no sofá da sala bem quietinha com fones de ouvido lendo. — digo, rindo e pegando a comida e colocando na mesinha de centro, logo depois pego um livro qualquer na minha estante e me ajeito no sofá, e logo coloco meus fones.
Estava lendo um livro de Frantz Fanon, chamado "Pele negra, mascaras branca". Eu o li como uma referência bibliográfica para minha dissertação, claro. Mas gostava de ler novamente, fazer novas anotações, as vezes acontecia alguns insights novos. Nesse livro, o autor faz uma análise e uma crítica a negação do racismo contra o povo negro na França, isso tudo em 1950, e o mais incrível é que esse foi seu primeiro TCC, mas foi recusado. O que sempre me faz pensar e questionar sobre como a Universidade pode ser abusiva também, principalmente com corpos negros, as coisas sempre parecem mais difíceis ainda.
Enquanto eu continuava minha leitura, escutava um burburinho na cozinha. Tirei os fones e me levantei do sofá, e vi Talita e Barbara saindo do quarto. Que?
— Minha deusa amada, tu estás ai? — Talita diz ao me ver com total cara de interrogação. Barbara começa a rir.
— Que. — eu só conseguia dizer isso. Será que eu alucinei? Quer dizer, eu juro que vi o Jonas a alguns minutos, será que era na verdade Barbara? Eu me sentia mais confusa ainda. Talita só me encarava sem saber o que dizer, Barbara ria como se aquilo fosse a cena mais engraçada de sua vida, e então, para completar aquela grande cena de humor, Jonas sai do quarto.
Eu encaro Talita, depois Barbara e depois Jonas.
— Eu não sei porque ainda me surpreendo. — digo, rindo e balançando a cabeça. — Talita riu de nervosa.
— Eu não sabia que você ia acordar tão cedo, ia expulsá-los logo depois do café. — Talita diz.
— Ah, que besteira. Eu não ligo, Talita. — digo rindo e fechando meu livro.
— Nossa, esse livro é muito bom. — Barbara diz, se aproximando de mim. Olho um pouco surpresa para ela, nunca pensei que Barbara fosse alguém que leria um livro assim. — Você já terminou de ler? — ela pergunta.
— Sim, usei como referência bibliográfica na minha dissertação de mestrado. — digo, sorrindo.
— Ah é! Tony me falava muito da sua dissertação. Eu adoraria ler, se você deixasse, claro. — fiquei mais surpresa ainda. Olhei para Talita que não parecia tão chocada assim. Agora eu entendi porque todo mundo gostava de ficar com ela: bonita e inteligente, como não?
— Ah, claro. Depois eu te mando por e-mail?
— Claro. — ela respondeu. — Desculpa lhe assustar tão cedo na sua própria casa.
— Besteira, a casa é de Talita. — procurei por Talita que já não estava na sala, nem Jonas. Essa mulher não perde tempo mesmo. —Se você quiser, eu posso te dar uma versão impressa da dissertação, tem muitos post-it mas ela está finalizada.
— Perfeito, Flor! — ela sorriu. — Que bom que você não me odeia, me sinto mais feliz agora. — ela disse, e logo saiu do meu lado e foi em direção ao quarto de Talita. Não tive reação nenhuma além de começar a rir.
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O Sol Pela Janela [EM ANDAMENTO]
RomanceEntre casamento de amigos e dissertações de mestrado, Flor se vê obrigada a assumir uma postura mais responsável diante de seus próprios sentimentos e assumir ao seu melhor amigo colorido e colega de faculdade que é apaixonada por ele: mas essa conf...