Por volta das oito da noite decidi pedir um carro para ir embora, já estava tarde, tinha aula pela manhã. O dia foi gostoso demais, eu precisava fazer isso com mais frequência, mesmo que eu não vá para a Europa. Me despedi de mainha e de minha irmã quando o carro chegou.
— Pelo amor de deus, venha mais vezes aqui antes de ir morar no cafundó do judas! — Liliana falou ao me abraçar.
— Eu venho sim, relaxem.
— Tchau, querida. Até mais, venha mesmo! — mamãe me notificou e eu concordei com a cabeça.
— Já disse que vou vim mulher! Mas você precisa me soltar, o moço tá esperando ali a um tempão! — acenei para o motorista que parecia paciente.
— Tá bom, tchau minha filha! — entrei dentro do carro e fui em direção a minha humilde casinha.
Checando o celular, várias mensagens do grupo de Julia sobre essa tal casa de praia, que me fez voltar aos questionamentos raciais de mais cedo. Será que Tony tem vergonha de mim? Não faz sentido, ou faz? Ele sempre foi carinhoso comigo em público, nunca teve restrições com isso, tanto é que por muito tempo as pessoas achavam que namorávamos. E bom, das poucas garotas que ele teve algo mais sério do que sexo, lembro-me de pelo menos duas meninas negras, uma menina blasian* que era até do nosso curso, e uma menina branca, além de Julia. Suas ex namoradas também eram muito diversas, ele só tinha três, uma menina preta com a cor bem parecida com a minha, uma menina branca e a outra eu não lembro nem do rosto. Tony sempre me tratou com respeito e admiração, apesar de ser um homem branco e sabemos que ser uma mulher preta te faz passar por situações péssimas em relação a homens brancos, ele nunca me desrespeitou pela minha cor, quando falava alguma coisa racista em relação a alguma coisa eu o repreendia, e o dizia o quão problemático era isso, mas isso foi quando a gente tinha começado a faculdade, faz muito tempo, desde então ele se mostrou um branco que estava atento a suas atitudes racistas, assim como eu, como mulher hétero e cis, sei das besteiras que já falei por falta de conhecimento sobre pessoas LGBTQ+, mas a gente aprende a não falar besteira e escutar as pessoas, é assim que se evolui. Tony evoluiu também, talvez seja apenas coincidência esse lance da Julia ser branca... Liliana colocou muita coisa na minha cabeça de uma vez, meu deus, como é cansativo ser preta e ser irmã da Liliana.
Cheguei no meu apartamento cansada mas feliz. Foi bom passar um tempo com minha família, apenas vou direto para o chuveiro, tomo um bom banho, esqueço da existência do meu celular e apenas relaxo. Deito-me na minha cama e pego um livro que utilizei muito na dissertação, tinha anotado muita coisa nele em relação a racismo estrutural, decidi dar uma lida novamente antes de dormir.
*Blasian: Pessoa que tem descendência negra e asiática, seja asiática marrom ou asiática amarelaAcordo com o sol batendo no meu rosto, pra não perder o costume. Fiquei até tarde lendo o livro e acabei capotando sem perceber. Felizmente o livro não amassou, estava intacto ao meu lado. Levantei e fui atrás de comer, meu estômago roncava e ainda era cedo demais para estar atrasada, então poderia aproveitar a minha manhã.
Decidi trocar o pano da minha cama porque já fazia dias que esse era o mesmo, tirei o velho e fui colocar no quarto de hospedes que servia mais como um deposito de coisas do que um quarto realmente. Mas as lembranças da primeira vez que fiquei com Tony sempre me atingem quando entro aqui, preciso fazer algo marcante ali dentro, pra essa memória ficar pra trás. Jogo o pano de cama em cima da cama velha que tinha ali e volto para meu quarto afim de colocar um pano novo. Ao entrar, vejo como é bonito a luz do sol invadindo meu quarto pela janela, eu deveria colocar alguma plantinha aqui, pega um sol danado.
Depois de arrumar minha cama, vou comer algo, bebo um suco que fiz na hora de caju com uma torrada e o resto de hommus de ontem. Hommus que me fez lembrar de Felipe e de seu questionamento de ontem, não pensei na hora mas agora parece que talvez existe algum problema em eu ser preta, não dele, mas talvez da mãe dele? Não faz sentido, afinal ele queria me apresentar a mãe dele! Mas claro, que foi antes dele me questionar se eu me considerava preta ou não, o que é no mínimo estranho, talvez? Acho que não fazem um debate amplo sobre racismo no departamento de economia? Sua mãe era dona de empresa, que não concordava com as visões de vida do filho, será que isso faria dela uma mulher racista? Eu realmente espero que não. Mas me preocupo com isso depois, nem sei se realmente quero conhecer a mãe dele, parece que estamos indo rápido demais, ao mesmo tempo parece que estou numa competição com Tony de quem namora primeiro, mesmo que isso só exista na minha cabeça, afinal a única sofredora aqui sou eu! Chega de tantas questões tão cedo da manhã, vamos deixar tais problematizações para a aula mais tarde.
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O Sol Pela Janela [EM ANDAMENTO]
Roman d'amourEntre casamento de amigos e dissertações de mestrado, Flor se vê obrigada a assumir uma postura mais responsável diante de seus próprios sentimentos e assumir ao seu melhor amigo colorido e colega de faculdade que é apaixonada por ele: mas essa conf...