Capítulo 9 (Flor)

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Acordei e senti o peso daquele dia, acordei antes mesmo do meu despertador. Levantei e fui em direção a minha janela, abri a cortina e em seguida a janela. O vento frio tão conhecido entrou no meu quarto, assoprou ao meu ouvido e o sol atingia minha pele, me causando calor onde encostava. Hoje era o dia, o dia da defesa da minha dissertação.

Tomei um belo banho, passei maquiagem, me arrumei mesmo. Vesti uma calça preta e uma blusa social branca com minhas botas pretas. Me olhei no espelho, me senti até importante. Quando sai do meu quarto vejo a minha mesa da cozinha lotada de comida, pães, café, bolachas, frutas e tudo o que você pode imaginar de café da manhã. Talita tomava seu café e via alguma coisa em seu celular, antes de reparar que eu estava ali.

-Bom dia! Olha essa mesa, misericórdia. Quer voltar a morar comigo aqui no Brasil não? - perguntei, sentando-me a mesa com ela.

-Bom dia, Mestra em Ciência Política! - Talita veio me abraçar. Ela usava uma saia lindíssima e longa amarela, um cropped da mesma cor, combinava demais com ela e sua personalidade.

-Amiga do céu, não diga isso que ainda não sabemos...- digo enquanto comia um pãozinho.

-Ah pois eu sei! Que horas começa?

-Marcada pra começar as 9:30h, né? Mas não é só a minha dissertação que será avaliada, são várias, então não sei exatamente a hora da minha apresentação, provavelmente será em ordem alfabética, se eu tiver sorte não terá muitas pessoas com A, B,C,D, e E para apresentar hoje. - Dou uma risada.

-Então é bom você estar bem alimentada, porque só deus sabe que horas vamos sair de lá. - ela respondeu, e estava certa. Uma vez que entrarmos lá dentro, só sairemos depois que eu receber a notícia se sou ou não digna de receber o diploma; vai demorar.

Comemos e conversamos, pegamos um carro as 9h, chegamos 9:15h, felizmente o transito estava cooperando hoje. Sentia meu coração palpitar, meu corpo todo suar, estava nervosa demais, mas tentava não surtar. Andamos em direção ao auditório, onde seria a feito a defesa. Estava relativamente lotado, me sentia mais nervosa ainda, embora soubesse que boa parte eram familiares e amigos de outros mestrandos que iriam apresentar. Suspirei fundo e entrei junto com Talita, conversei com meu orientador, anotei meu nome na chamada e sentei, e esperei, e esperei. Foram muitas pessoas apresentando, no final da quinta apresentação minha barriga já roncava.

-Quer que eu compre algo? - Talita estava bastante solicita. Quando eu estava prestes a dizer que sim, vejo minha mãe entrar no auditório com um copo de café e vários pães de queijo numa sacola de papel. Minha felicidade foi tão grande que quase derrubei a pobre senhora minha mãe.

-Você veio! Amém! E trouxe comida! - eu celebrava minha mãe e sua comida. Estava faminta.

-Imaginei que estivesse com fome. Pensei que chegaria no meio da sua apresentação mas aparentemente nem começou, né? - ela sentou ao meu lado.

-Vai demorar um pouco. - eu respondi, comendo igual uma desesperada.

Passado mais algumas apresentações, finalmente era a minha vez, meu momento de brilhar e não falhar! Fui caminhando em direção ao palanque, me certifiquei com quem cuidava dos slides que aquele era o certo, dei algumas palavras com meu orientador e comecei. Eu não conseguia enxergar ninguém que estava nas cadeiras assistindo, foi como se tudo se resumisse as 5 pessoas sentadas a minha frente. E então eu falei, falei tudo e mais um pouco, quase estourando o tempo de 60 minutos. Me sentia cansada de tanto falar, mas então falava mais ainda. De como a exploração das trabalhadoras domesticas tinha relação direta com o período escravocrata do Brasil, de como apesar da abolição, a escravidão se tornou aceitável em certas medidas na sociedade brasileira e de como isso era problemático nas relações entre trabalhadora e patrão. Falei das péssimas condições das trabalhadoras das quais eu entrevistei, onde várias já passaram por situações idênticas ao período escravocrata, e de como em sua grande maioria, essas trabalhadoras eram mulheres pretas trabalhando para patroas brancas. Me emocionei falando sobre o relato da minha mãe, falando do porquê aquela dissertação existia. Nunca falei tanto em 60 minutos.

O Sol Pela Janela [EM ANDAMENTO]Onde histórias criam vida. Descubra agora