2. Aaron

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A mulher sentada ao meu lado estava começando a ficar inquieta. Minha vontade era colocar a mão sobre a coxa dela para aquietá-la, mas me contive e fechei o punho. Era claramente do tipo nervosa, pela maneira como reagira mais cedo  ao descobrir que estava sentada sobre meu cinto. Era intensamente irritante estar tão atento a ela. Arrependia-me também de ter dado corda ao desaforo dela. Odiava estar tão próximo de outra pessoa após anos do luxo das viagens de primeira classe, mas se não fosse tão consciencioso... E controlador...

Pelo telefone, meu assistente informava a agenda de compromissos em Miami, mas então  tive um vislumbre do joelho que aparecia pelo jeans desgastado e precisei segurar o riso. Seria possível alguém ser tão desleixado? Obtive uma primeira impressão após a troca de algumas palavras: os cabelos escuros, o corpo esguio, o rosto pálido, os óculos de aro preto. O suéter volumoso que ocultava qualquer traço de feminilidade. E uma voz surpreendentemente rouca com aquele sotaque intrigante.

Eu não prestava atenção a mulheres que não se vestiam como tais. Pra falar a verdade, eu não prestava atenção em mulheres negras que não se vestiam como mulheres. Tendo sido criado por uma mulher negra e emponderada, eu mantinha meus padrões elevados. E então franzi o cenho. Porra! Estou pensando nela novamente.

Percebi que não estava prestando atenção em nada do que meu assistente falava, então  encerrei a conversa abruptamente. A mulher ficou imóvel a meu lado, e sem entender direito o que estava acontecendo comigo, fiquei tenso. Eu poderia estar a caminho do meu jato particular naquele instante, mas recusara. De novo, algo que não me era comum. Algo me impedira.

Olhei de relance e vi que a mulher tinha uma bolsa espaçosa no colo, de onde estava tirando coisas a esmo para colocar na bandeja a sua frente. Outro ponto negativo. Eu era quase um  maníaco por organização. Colocou os óculos sobre a cabeça e meu olhar foi atraído para os cabelos dela. Na verdade eram castanhos escuros e pareciam  sedosos.

Senti um aperto dentro do peito. O rosto dela também não era tão comum como havia pensado. Tinha formato de coração e era pálido. Podia ver algumas sardas quase invisíveis sobre o nariz reto, e aquilo me surpreendeu. Fazia muito tempo que não chegava tão perto de uma mulher sem maquiagem. Era algo curiosamente íntimo. Suas mãos eram pequenas e ágeis. Percebi que era canhota. Unhas curtas, práticas. E, assim, do nada, senti o baque do desejo desabrochando dentro de mim. Nunca me senti tão atraído por uma mulher que não fosse da minha própria raça. Uma sensação quente e imediata, como eu comecei a  imaginar como seria sentir aquelas mãos pequenas e alvas sobre meu corpo, acariciando-me, tocando-me. As imagens eram tão incendiárias que prendi a respiração por um instante.

A garota guardou os pertences de volta na bolsa e, lembrando-se dos óculos, resolveu guardá-los também. Ela devia estar ciente do meu escrutínio. O rosto dela ficou levemente vermelho. E aquilo me impressionara de novo: quando foi a última vez que vi uma mulher corar? Reclinei-me, notando que aquela boca, de perfil, parecia farta e macia. Beijável.

- Vai a algum lugar? – perguntei, levemente perturbado por minha voz ter soado tão seca.

A mulher inspirou, fazendo seu suéter subir e descer, chamando minha atenção  para seu busto. Senti um súbito desejo de vê-la. E imaginei como seriam os seios dela. O desejo intensificou-se, chocando-me com sua intensidade. Pelo amor de Deus,  eu acabara de deixar uma mulher num quarto de hotel. Qual era o meu problema?

Ela me olhou e nossos olhos se encontraram. Respirei fundo. Sem os óculos de armação preta, os olhos dela eram incríveis. No formato de amêndoas. De um verde intenso, mas ao mesmo tempo transmitia paz. Como a relva molhada da casa de campo que eu adorava ir para desacelerar do meu mundo agitado. Imaginei-me com ela rolando na grama da minha propriedade. Propriedade que era desconhecida até mesmo por minha mãe. Os longos cílios negros criavam um contraste com a pele alva. Ela parecia resoluta, segurando com firmeza a bolsa e evitando o meu olhar.

– Vou trocar de lugar.

Franzi o cenho. Meu corpo rejeitava aquela ideia com todas as forças.

– Por que diabos você quer mudar de lugar?

Aquela era outra experiência nova. Uma mulher tentando fugir de mim! Recostei-me por completo em meu assento. A mulher abriu a boca novamente e pude ver seus dentes brancos, pequenos e simétricos. Eu tinha a estranha sensação de que podia ficar ali estudando-a por horas e horas. Agora ela estava completamente ruborizada.

– Bem, você obviamente é... Sabe... –

Ela encarou-me levemente agoniada. Ergui uma das sobrancelhas.

- Eu sou o quê?

As bochechas dela ficaram ainda mais vermelhas, e eu lutava contra o desejo de tocá-las para ver se estavam tão quentes quanto pareciam. Ela bufou impaciente.

– Bem, você obviamente é você e precisa resolver coisas e falar com pessoas. Precisa de espaço.

Senti uma sensação fria no estômago e estreitei os olhos. Claro. Ela ouvira a conversa com o piloto e deduzira quem eu era. Ainda assim, pela minha experiência, uma vez que as pessoas descobriam quem eu era, não tentavam fugir, era o oposto, na verdade.

– Tenho todo o espaço de que preciso. Não precisa ir a lugar algum. Vou me sentir insultado se você sair daqui.

Aquela linda mulher com os olhos mais lindos e fascinantes que vi em minha vida estava me tirando totalmente do prumo. Nunca me senti assim com nenhuma mulher. Logo eu que sempre era tão controlado, estava naquele instante totalmente à margem das minhas emoções.

Preconceitos (em ANDAMENTO)Onde histórias criam vida. Descubra agora