Capítulo 49: Piqueniques

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   Eu cheguei na costa com Adrien, uma inquietação imensa e uma cesta com refrigerantes. Era o que tinha na casa dele, e como nenhum de nós dois estávamos com vontade de passar em alguma padaria, foi o que trouxemos. As duas sereias e Yasirah nos cumprimentaram com um sorriso, que nós retribuímos. Eu podia apenas esperar que o meu tenha parecido verdadeiro.
    O lugar escolhido era realmente lindo. Grama verde se espalhava pelo local, com algumas flores brancas se destacando. Atrás, quando a grama chegava a um abrupto fim, mar e céu se misturavam em um azul claro, com pequenas manchas brancas das nuvens e espuma das ondas quebrando na falésia.
    Nós nos sentamos na toalha estendida.
    - Eu não conhecia esse lugar- eu falei, tentando admirar a vista.
    - Eu gosto de vir aqui sozinha normalmente- Mika respondeu, dando de ombros.
     - Então porque você nos chamou dessa vez?
     - Meu deus, Amelia. Eu não posso te chamar mais para ir a qualquer lugar?
      Eu me senti um pouco envergonhada por estar agindo desconfiada daquela maneira.
     - Claro que pode... eu estou meio tensa e acho que estou descontando em você.- eu admiti- Sinto muito.
     Nós caímos em um silêncio extremamente desconfortável.
      - E então- Kat perguntou- o que vocês estavam fazendo antes de vir para cá?
      - Nada interessante- Adrien respondeu rapidamente. Rápido de mais para as outras duas deixarem passar.
      - Vocês dois parecem que cometeram um assassinato- Mika disse, rindo.
      - Ou talvez eles só estavam fazendo...-Kat estalou a língua, em busca da palavra certa- você sabe... coisas de casal.
       As outras três riram, enquanto eu e Adrien permanecíamos imóveis.
       Eu estava ficando nervosa, a pressão dos fatos que eu sabia, mas não entendia direito subiam em mim, e eu me sentia como uma garrafa, prestes a explodir.
      - Mika, o que você estava fazendo na Competição Nacional de Surf?
Mika não mostrou nenhuma reação à minha pergunta além de piscar. Como ela não falou nada, eu continuei:
- Você não tinha porquê estar ali. Estávamos em outro estado, então não era como se você pudesse estar 'apenas passando por ali'. E nós estávamos brigadas, você não iria lá por minha causa.
       Ela me olhou, parecendo realmente desapontada comigo.
      - É isso que você acha? Que eu não iria lá te ver só por causa de uma briga?
- Foi isso que você me falou.- meus dedos estavam tensos ao redor de um copo de plástico, tensos o bastante para o refrigerante subir até quase a boca do copo.
- Eu nunca falei que iria, assim como eu nunca falei que eu iria.
- Não... você disse que tinha assistido pela televisão, Mika, eu lembro. Quando nós nos reencontramos, quando você voltou para casa.
- Eu tenho certeza que eu não falei.
- Nós sabemos que você teve algo a ver com meu acidente- Adrien disse, antes que eu pudesse responder, ou impedir.
A expressão de desapontamento se transformou numa curva de desgosto.
- Eu sabia que 'relembrar os bons momentos' não era o que vocês estavam fazendo- foi a resposta dela.
Ela estendeu a mão para pegar um biscoito, como se nós estivéssemos falando de um assunto leve, e não de uma tentativa de assassinato.
- Como você sabe que nós falamos isso?- Adrien perguntou.
- Vamos dizer que eu conversei com o seu pai.- ela respondeu, passando geleia em cima do biscoito- Ele é um cara legal, quando ele se mantém de boca fechada. Uma pena que vocês dois não tenham um relacionamento bom. Eu tive muito pouco material com o qual trabalhar, mas era melhor do que voltar a seguir vocês pessoalmente.
      - Você estava nos seguindo?
      - Você cantou para o meu pai?
      - E o garoto sabe que nós somos sereias também.- Mika arregalou os olhos ironicamente- Chocante.
       Ela não respondeu as outras duas perguntas.
        - Me diga, Elizabeth- ela me perguntou- ele foi o primeiro para quem você falou, ou você nos dedurou sempre que teve a chance?
       Eu não soube o que responder.
       - Amberly tinha me dito, na noite que você foi recrutada, que você daria uma péssima sereia.- ela disse- Você não era parte da nossa rede telepática ainda, então você não sabia disso.- ela se levantou e bateu as mãos uma na outra para tirar pedaços de biscoito e grama- Ela disse que isso daria errado, mas eu insisti, porque aquela tinha sido a primeira vez que ela me deixara escolher alguém como recruta, e eu não queria estragar aquilo escolhendo a pessoa errada.
"Eu segui um caminho tão difícil para mostrar que eu estava certa." ela disse, com um pouco de pena em sua voz "E olha aonde isso me trouxe! Eu estou aqui, parada diante de uma sereia disleal, uma ponta solta e a merda de uma criança!"
Olhei impulsivamente para Yasirah, que estava com a cabeça escondida em Kat.
- Eu entendo você estar brava com a Elizabeth- Kat disse, com a criança em seus braços- mas talvez você não devesse descontar isso na Yasirah.
- Eu não estou descontando nada. Ela foi o meu segundo maior erro nesse século, também sendo dano colateral do meu primeiro.- ela apontou para mim- Vocês não tem ideia do quanto eu estive tentando ficar sozinha pelo menos uma vez com ela para voltar sozinha e falar sobre 'como ela sofreu um acidente trágico' para vocês duas. Eu deveria ter negado recrutar ela quando eu tive a chance, mas não tinha como. Eu tinha que bancar 'a legal' para manter o meu primeiro erro do meu lado.
       Todos nós estávamos surpresos demais para responder ou fazer qualquer outra coisa além de encarar Mika. A pegada de Kat no ombro de Yasirah se tornou mais forte.
       Mika suspirou:
       - Nossa! Foi bom para mim desabafar assim. Pelo menos eu agora tenho a chance de remover todos os meus erros de uma vez só!
       Mika levou a mão até sua bota de cano lado e tirou uma adaga dourada, com dizeres em uma língua que eu não conhecia encravados na lâmina. Aquilo deveria ser muito antigo para os cordões não traduzirem.
      Então eu me lembrei.
       A lâmina da história.
       Eu me levantei abruptamente e fiz um gesto para Adrien fazer o mesmo.
       - Você só carrega uma lâmina por aí?- Adrien perguntou, cambaleando para trás.
       - Na maior parte do tempo. Hoje eu trouxe porque eu sabia exatamente o que eu deveria fazer.
       Aquela era o tipo de situação que eu jamais esperaria enfrentar. Muito menos contra a pessoa que eu tinha considerado família por mais tempo do que eu consigo me lembrar.
        Minha mente estava em parte em luto pelo meu irmão, em parte em luto pela pessoa que eu achava que conhecia e em parte cheio de adrenalina pela minha vida estar literalmente em perigo (algo que eu não lido com desde que eu me lembre), então estava difícil eu conseguir pensar racionalmente.
       Eu sabia que eu tinha que ganhar tempo, manter ela falando. E por outro lado, eu tinha que saber.
       - Mika. Antes de fazer... o que quer que você for fazer. Você pode por favor me dizer o que aconteceu com o meu irmão?
Mika baixou a adaga.
- Ele foi o primeiro dano colateral de ter escolhido você. Nós concordamos com os seus termos, mas Amberly sempre foi muito cuidadosa. Ela queria se livrar dele assim que ele estivesse longe o bastante, mas acabamos convencendo ela que ele poderia viver. Algumas horas depois, ele estava gritando para quem quisesse escutar que o barco da família dele tinha sido afundado por sereias. Por sorte, os humanos são idiotas o suficiente para negar qualquer coisa fora da normalidade na qual eles se prenderam. Mesmo assim, Amberly achou melhor ir até lá pessoalmente e usar manipulação da água para parecer que ele se afogou sozinho.
Eu senti um gosto amargo na minha boca.
- E você se arrepende?
- Você sabe como eram hospitais psiquiátricos a mais de cem anos atrás? O fim dele foi melhor do que seja lá o que ele ia passar por lá. E nós demos para ele a oportunidade de viver, a culpa não é nossa se ele fez as escolhas erradas.
- Essa não é a Mika que eu conheço.
- E como ela é?
Antes de responder, eu toquei no braço de Adrien, tentando chamar a atenção dele da forma mais sutil possível.
"Adrien" eu tentei falar para ele "eu estou ficando nervosa. Eu acho que eu consigo resolver isso falando com ela, mas nós precisamos de um plano caso isso não dê certo. Você acha que consegue fazer alguma coisa, se eu manter ela distraída?"
Ele assentiu, quase imperceptivelmente com a cabeça.
"Que bom" eu disse "eu não acho que você consiga, mas por favor, tente não machucar ela"
- A Mika que eu conheço não ameaçaria ninguém com uma arma,- eu respondi, dando passos hesitantes para a frente dela- a Mika que eu conheço é meio cabeça dura às vezes, e não gosta de socializar com pessoas que ela não conhece. Ela diz que é por 'segurança', mas eu acho que ela só é envergonhada mesmo- eu observei com o canto do olho Adrien também tentando chegar mais perto- Ela tenta ser a melhor líder que ela pode, e faria de tudo para proteger sua família.
Essa foi a hora que Adrien escolheu para sair correndo em direção à Mika, que estendeu sua adaga, que fincaria embaixo no ombro de Adrien se Kat não tivesse sido mais rápida e segurado ele. Por um momento, me senti aliviada, achando que ela tinha salvado ele. Mas alguns segundos se passaram e ela ainda não tinha o soltado, mesmo que ele estivesse lutando para conseguir se livrar dela. E então, com um gesto de cabeça, Kat levou ele até a beira da falésia, o penhasco deixou de ser uma visão para ser admirada e passando a ser algo que nós deveríamos ter previsto desde o início: uma ameaça.
- Acho que é isso que você ainda não está entendendo- Mika disse, passando a adaga dourada para a mão de Kat, que por sua vez a apontou na direção de Adrien- Kat é minha família. Amberly é minha família. Você é um problema.

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