42: Saídas

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    Eu brinquei com o macarrão no meu garfo.
- Um encontro, hã?
Eu e Adrien estávamos sentados no tapete de sua casa. Fotos tiradas no dia da competição em que Adrien teve seu acidente nos cercavam. Aquela não era a primeira vez que nos encontrávamos para tentar achar pistas de quem causou seu acidente, mas foi a primeira vez que aquele assunto tinha surgido.
    - Eu entendo que você não pode ter nada sério comigo, então pode ser um encontro casual, talvez?- ele parecia estar meio envergonhado, e eu não pude evitar de dar um sorrisinho.
     - Por mim tudo bem- eu disse, dando de ombros.
     - Sério?- ele arregalou os olhos e sorriu.
     - A possibilidade de eu aceitar a ir em um encontro com você é tão chocante assim?
      Em vez de responder, ele se inclinou e me beijou.
     - Eu não sei se isso foi um sim ou um não- eu disse rindo.
     - Onde você quer que eu te leve?- ele disse, mudando de assunto.
    - Você que me chamou, surfista prateado. Sua decisão.
    - Eu sei, mas eu quero fazer algo que você goste!
    Eu coloquei uma mão em sua bochecha.
    - Se você estiver lá, eu sei que eu vou gostar.
    Ele riu.
    - Até mesmo se a gente passar o encontro dançando?
     - Não, nunca mais faça aquilo de novo- eu tentei parecer séria, mas não consegui.
     - Admita, você adorou dançar comigo no Texas.
     - Talvez eu tenha me divertido um pouco.
     Ouvimos passos na cozinha e Adrien se afastou de mim com um suspiro.
     - Meu pai deve ter chegado.
    Eu ergui uma sobrancelha, já começando a recolher as fotos.
     - Você quer que eu fique aqui com você por mais tempo?
      - Meu pai provavelmente vai brigar comigo se você ficar- ele desviou o olhar- mas eu sinceramente não me importaria.
      Eu suspirei.
      - Talvez seja melhor eu ir mesmo.
     Eu tentei sair pela porta da cozinha, mas para o meu azar ele me viu.
- O que você está fazendo aqui?
- Bom dia para o senhor também- eu disse, com um sorriso forçado.
Eu sempre fui uma pessoa calma e difícil de se aborrecer, mas o pai de Adrien abriu uma exceção para isso.
- Eu fiz uma pergunta.
- Eu já estava de saída.
- Eu não fiz essa pergunta por mal- ele disse, formando um sorriso que parecia tão mecanizado que eu me sentiria mais confortável se ele voltasse a ficar sério- eu estou genuinamente interessado. O que tem nessa pasta sua, mocinha?
         Ele esticou a mão para tentar alcança-la mas eu consegui a tirar na hora.
        - Nada demais. Apenas umas fichas de trabalho da escola.
        - Eu posso ver?
        - Tem coisas que não são da sua conta, senhor. Como eu disse, eu já estava de saída.
       - Não, por favor, você pode ficar um pouco mais.
        Eu demorei um pouco para responder, em choque.
       - Perdão?
       - Eu disse para você ficar mais um pouco. Afinal, você é a namorada do meu filho agora, eu gostando ou não, não é mesmo? Imagine que péssimo pai eu seria de não ter minha mais nova nora convidada nem para um almoço- sua expressão se retorceu um pouco- se é que se pode chamar esse macarrão mal feito de almoço. Eu não esperaria nada diferente de você, Adrien.
      Eu pensei em comentar que ele já era um péssimo pai, mas decidi ficar em silêncio.
- Ela não é minha namorada- Adrien disse entredentes.
Eu percebi que o punho do Adrien estava fechado, os nós dos dedos dele estavam brancos. Eu coloquei a minha mão por cima da dele e isso fez com que ele relaxasse um pouco.
- Bem, eu gosto do macarrão dele- eu disse, olhando diretamente nos olhos do homem.
- Tanto faz. Eu só espero que você não esteja comendo isso todo dia. Eu iria odiar ter que dar entrada no hospital por você ter problemas pela sua péssima alimentação. Da última vez que você teve que ser internado porque nem para surfar você serve, eu gastei muito dinheiro com você.
- O que você está fazendo aqui, pai?- Adrien perguntou, seus dedos agora entrelaçados nos meus seguravam a minha mão com força.
- Um pai não pode sair do trabalho mais cedo para ver seu filho?
- Não você. O que você quer?
- Eu soube que a Amelia estaria aqui, então eu decidi dar uma passada e, você sabe, conversar com vocês, me atualizar no que está acontecendo na vida de vocês, como um bom pai faria.
Eu troquei olhares com Adrien.
"Isso não é típico do seu pai"
Eu sabia que ele não conseguia responder a nada que eu falasse para ele por via telepática, então olhei para ele, recebendo um pequeno aceno de cabeça.
Talvez ele tenha decidido mudar. Apesar de ser incomum, as pessoas mudam às vezes. Talvez ele tenha percebido o quão ruim ele tinha sido para os filhos e tenha decidido se tornar uma pessoa melhor. Era uma possibilidade bem improvável, principalmente se aconteceu do dia para noite. Talvez alguma coisa estava errada.
- Espera aí- Adrien disse- você disse que já sabia que Amelia estava aqui, certo? Então porque você perguntou o que ela estava fazendo aqui quando você entrou?
- Saber que ela estava aqui e saber porque ela estava aqui são duas coisas diferentes.
Eu não tinha falado para ninguém que eu tinha saído, muito menos para onde eu estava indo.
- Como você soube que eu estava aqui?- eu perguntei, arqueando uma sobrancelha.
     - Meus métodos não são importantes. A questão é que eu sabia. Agora, vocês vão me deixar almoçar com vocês ou não?
      Eu olhei para Adrien, que moveu os lábios sutilmente, formando um "vai embora"
      Eu detestava a ideia de deixar Adrien sozinho com ele, mas eu estava com medo de ele acabar olhando o que tinha na pasta. Eu não tinha certeza se ele entenderia o que nós estávamos fazendo com aquelas fotos, mas eu achei melhor não arriscar.
      - Eu combinei de me encontrar com uma amiga minha agora- menti, percebendo o quão esfarrapada era a minha desculpa assim que ela saiu da minha boca- acho melhor eu ir.
      Eu dei um aceno e fui em direção à porta.

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