Se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos.

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Tiffany conhecia muito bem os hábitos de leitura da filha. Fosse em um livro ou em um celular, as manias de Irene eram quase sempre as mesmas. Se fosse em um livro, resmungava quando as páginas tentavam se fechar contra a sua vontade; se fosse em um celular, fazia o mesmo quando o aparelho caía sobre o peito ou na testa – às vezes acontecia. Também bufava quando lia de cabeça baixa e os óculos insistiam em escorregar pelo nariz, ou quando estava deitada e não podia se mover para o lado, por conta das hastes atrás das orelhas.

Mas, apesar de parecer, não era só de bufadas e resmungos que Irene Bae era feita. Também tinham as pequenas manias. Das mais discretas, como a sobrancelha direita que parecia ter vida própria, aos mais óbvios. Muito provavelmente Irene não sabia o quanto torcia o nariz ou o quanto parecia imitar as expressões dos personagens. Tinha vezes que comentava sozinha, em voz alta – geralmente reclamando de alguma burrice ficcional -, outras que ria sozinha, dos risos mais baixos, que pareciam mais que estava a coçar o céu da boca até os mais escandalosos ou sarcásticos. Nesse último caso, mais pareciam tentativas da Bae de metralhar as páginas do livro ou a tela do celular com baba.

Não era nada daquilo que acontecia naquela manhã de sábado, entretanto. Tiffany ocupava a ponta direita do sofá e fazia as próprias unhas, após um bom e merecido banho. A filha se deitava à sua esquerda, com as pernas apoiadas no encosto do sofá, e apesar do conforto questionável daquela posição, Irene estava daquele mesmo jeito praticamente desde que chegara ali com o livro que deveria estar lendo. Deveria, porque não parecia estar.

Isso porque não tinha risadas, caretas, resmungos, respiros frustrados, nada. Na verdade, pelo que Tiffany vinha observando, já fazia mais de cinco minutos que os olhos de Irene se focavam em algum ponto da página. Irene lia rápido, disso Tiffany também sabia. Lia mais livros em uma ou duas semanas do que Tiffany já lera em toda a sua vida. Não era apenas a dispersão que chamava a atenção da mais velha, porém. Também tinha o absoluto silêncio.

Fazia mais de uma semana que ouvir a voz de Irene mais do que três ou quatro vezes por dia era algo a ser comemorado. Tiffany conhecia a filha que tinha, sabia que não era a pessoa mais comunicativa do mundo, mas que Irene se esforçava para o ser com quem se sentia confortável. Na verdade, nos últimos tempos, há pouquíssimo tempo, aliás, Irene estava mais falante do que o comum, contando coisas que aconteciam com ela sem nem mesmo a Hwang precisar perguntar – a maioria delas reclamações ou situações que achava ridículas, mas, bem era Irene sendo Irene.

Sim, a mais nova estava distraída demais já havia tempos, para a garota tão centrada que Irene era, mas, ao menos, antes era um "distraída" positivo. Tipo, cantando ou assobiando pelos cantos, rindo para o celular – o que também era intrigante, mas enfim.

Não era daquele jeito que Irene se encontrava, parecendo mais uma estátua. Ou um corpo ausente de espírito.

E era difícil puxar conversa com Irene sem que levantar suspeitas ou deixar a garota estressada. A menina era rápida demais em captar os sentidos das coisas, para o gosto de Tiffany. Mas como julgar a Hwang? Ela só estava tentando entender o que se passava com o seu bebê, poxa. E apesar de ter suas suspeitas, preferia que Irene contasse a ela por si só.

O duro seria fazer aquilo acontecer, mas, como a fé é a última que morre...

- Vão sair só você e a Yeri, hoje? – Tiffany tomou a iniciativa ao mesmo tempo em que pincelava os dedos dos pés. Notou a atenção da filha se voltar para si na mesma hora, e assim Tiffany teve a certeza de que Irene não prestava atenção em uma palavra do que quer que fosse que lia. Quando Irene estava realmente imersa em sua leitura, Tiffany precisava repetir os seus ditos duas ou três vezes, para conseguir a atenção da mais nova.

Livrai-nos do mal, amém!Onde histórias criam vida. Descubra agora