"Não sei do que você está falando" (Mateus 26:70).

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Sábados podiam ser bem entediantes para Irene Bae. Começando pelo fato de que, exceto no período da manhã, ela seria o único ser vivo dentro do apartamento. E, como a boa CDF que era, terminar os exercícios ridículos que os professores passavam não lhe ocupava muito do tempo gratuito. Sua mania de limpeza e organização não deixava muita faxina para o fim de semana – afinal, quanta bagunça duas mulheres em um apartamento poderiam fazer, ainda mais quando uma delas mal parava na residência?

Era naqueles momentos que Irene costumava apelar para Yeri, requisitando a presença da caçula para que ao menos se entediassem juntas. Mas, naquele fim de semana, não seria possível. Yeri tinha mais trabalhos a fazer com as colegas de classe, o que significava que Irene continuaria a falar com as paredes por um bom tempo.

E realmente já havia tentado fazer de tudo. Jogar no celular, assistir reviews e comparativos de amaciantes enquanto detonava o que restara do bolo do dia anterior, frustrar-se com a humanidade no Twitter... Seu desejo mais profundo era dormir e só acordar quando tivesse algo de útil para fazer.

Provavelmente já fazia mais de meia hora que tudo que Irene fazia era encarar o teto do quarto ao ouvir músicas, enquanto sua mente viajava para lugar nenhum, ou enquanto contava quantas vezes as hélices do ventilador de teto giravam em sentido horário.

Péssimo.

Não era uma playlist aleatória, a que ouvia. Resolvera dar uma chance para as músicas sugeridas por, bem, a dona do gato. Eram boas, até, apesar das letras de algumas delas. Não, inglês não era exatamente o forte de Irene Bae, mas ela conhecia os pronomes, e havia muitos she e her cantados por mulheres naquela seleção musical exótica, mas não surpreendente, da Kang.

Quiçá a pior decisão de Irene fora a de achar que assistir aos clipes pudesse entretê-la mais do que simplesmente ouvir as canções. E, de fato, por boa parte do tempo nada lhe ameaçara a existência – que tipo de coisa Twice poderia fazer contra si, aliás.

Pelo menos até "Sleepover".

Irene não precisou de muito mais do que um minuto de vídeo para entrar em parafuso e bloquear o celular, olhando para o teto em estado petrificado. Err... Ok. Talvez sua reação tivesse sido um pouquinho exagerada. Era só um vídeo inofensivo, não iria morder. Na verdade, Irene devia focar apenas nas letras, ao invés de se distrair com as imagens, pois não se lembrava de ter registrado uma palavra sequer da canção.

Como a mulher corajosa que era, Irene olhou para todos os lados antes de se enfiar em baixo dos lençóis, se cobrindo dos pés à cabeça, apesar do calor que fazia no dia. Para quê tudo aquilo? Precaução. Uma precaução inconveniente, porque, realmente, o dia estava quente. Não é como se um clipe musical pudesse deixa-la constrangida àquele ponto, não quando seu celular provava que fazia mais de trinta graus, então, se suava, definitivamente não era de nervoso. Mas, bem, os diretores do clipe podiam ter sido mais discretos, também, ou escolhido uma atriz mais feia. Não que Irene quisesse dizer nada com isso, mas tem gente que a beleza é quase que senso comum, não? Bem, era algo subjetivo e tudo mais, porém...

Enfim! Irene continuou assistindo aquilo apenas pela música. E por treino. Sim, treino. Do jeito que o mundo ia, era melhor Irene se acostumar a ver aquele tipo de coisa sem desviar o olhar ou ficar desconfortável. Talvez a ajudasse a aturar melhor a presença de Seulgi, também, sem que ficasse nervosa.

Quer dizer! Não era Seulgi que a deixava nervosa, principalmente quando fazia contato visual, era só que Irene não estava acostumada a conviver com aquele tipo de gente! Quantas vezes ela teria que repetir que era apenas por compaixão que decidira seguir os conselhos de Yeri, que às vezes era uma peste, mas noutras podia ser bem sábia.

Livrai-nos do mal, amém!Onde histórias criam vida. Descubra agora