O escudo da fé para apagar todas as setas inflamadas do Mal.

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- Mas o que o pastor estava falando hoje sobre a expiação particular faz muito sentido, levando em conta como esse país está hoje...

Irene Bae mais ouvia do que participava da conversa em si. Encontrava-se caminhando pelas ruas, abraçada em seu livro sagrado para se proteger da brisa noturna, voltando para casa após o tradicional culto.

Quem a acompanhava era a dona da fala e sua mãe, Tiffany Bae Hwang, divorciada após um caso de adultério de seu ex-marido, e Yeri Kim, a filha mais velha dos vizinhos de apartamento de Irene.

Era um casal com quatro garotas, com uma grande diferença de dez anos de idade entre Yeri e a segunda da fila, o suficiente para a garota, que por conveniência se tornara a melhor amiga de Irene, preferir ir e voltar sempre acompanhada das Bae, ao invés da própria família. Era sempre caótico e, ironicamente falando, não havia paz. Irene gostava da companhia. Tanto porque sua mãe era muito falante e ela pouco gostava disso, então, dessa forma, Yeri, outra matraqueira, a mantinha entretida; e também porque Irene gostava de ter um momento de reflexão após as palavras e, bem, sua mãe contribuía para o estereótipo do "crente" fofoqueiro, o que muitas vezes deixava a jovem Bae irada.

Primeiro, não eram bem vistas pela maioria dos frequentadores pelo fato do nem tão recente divórcio de sua mãe – ainda que o real culpado da coisa fosse o pai. Depois, não tinham lá muito dinheiro. Sim, moravam no Macuco e tudo mais, não era um bairro luxuoso nem o pior lugar do mundo, mas não é como se tivesse sido um lugar valorizado no tempo em que o apartamento fora comprado – a única herança deixada por seus avós maternos, que aparentemente não foram muito sábios no uso do dinheiro, assim como sua mãe também não era. Não que Tiffany ganhasse muito também, apesar de trabalhar como vendedora numa loja chique de um shopping na Ponta da Praia. Conseguiam se virar e pagar as contas, mas viviam sem luxos, e decerto essa independência toda da mulher – que tinha a mania de falar o que queria e mais do que a boca – despertasse o desgosto do restante dos fiéis.

Talvez por isso Irene se esforçasse tanto para ser a filha perfeita que todos de lá desejavam ter – o que provavelmente também era outro motivo para tanto repúdio, por pura inveja. Irene tinha consciência de que sua mãe muito provavelmente não cobraria nada daquilo de sua parte, mas a garota, apesar de jovem, tinha os seus princípios e os valorizava mais do que tudo, mesmo que as condições de estudante do último ano do ensino médio pudessem ser um tanto quanto... selvagens.

- Ah, nem me fale. Eu vejo cada coisa que a única explicação é que certas pessoas não têm salvação, mesmo. – Yeri tendia a concordar com Irene e sua mãe na maioria das coisas, também. Apesar de ser dois anos mais nova do que Irene, era o tipo de jovem que acendia no peito da Bae uma fagulha de esperança para a sua geração. – Não é, Irene? Você também estuda no São Leopoldo e pode falar com muita propriedade.

- Nem me faça pensar naquela escola, por favor. – Irene levou uma das mãos a testa e massageou as têmporas, estressando-se apenas em pensar naquele projeto de purgatório que era o colégio onde estudava. Por conveniência, ficava na esquina oposta de seu prédio, de modo que bastava atravessar a rua para chegar às aulas. O pior era o fato de seu quarto dar vista direta para o tal São Leopoldo, então Irene era constantemente assombrada pelas memórias e gritaria do lugar, que só se cessava às onze da noite. – Parece que todo mundo está grávido, ou com medo de estar grávido, ou usando drogas, ou é gay. Ninguém se importa com mais nada.

- Pois é, na minha sala mesmo. Você conhece a Maria Eduarda? – Yeri perguntou para Irene, que não precisou pensar muito para responder.

- A que tem que sair no meio das aulas para amamentar? – A Bae devolveu a pergunta e Yeri concordou bem enfaticamente.

Livrai-nos do mal, amém!Onde histórias criam vida. Descubra agora