O espírito está pronto, mas a carne é fraca.

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O plano de Irene, quanto a ignorar a existência do trio insuportável pela semana seguinte, deu relativamente certo. Bem, Joyce ainda implicara com ela, com aquele jeito falso de cumprimentar, como sempre; Wendy ainda a encarou com cara de nojinho quando seus olhares se cruzaram; e Seulgi continuou a fingir que ela não existia, mas Irene tinha certeza que continuou a encarando pelas costas, como tinha certeza que a Kang fazia.

Enfim, mas nada disso importava tanto, porque o descanso foi bom para a sua sanidade mental. Esteve um tiquinho menos irritada por não ter batido boca em nenhum dia da semana. E tinha Yeri também. Irene percebeu que a menina fora ficando mais relaxada ao longo dos dias, ao ponto de na sexta estar em seu estado perfeitamente normal. A ansiedade anterior da Kim ainda intrigava Irene, e talvez ela retomasse o assunto dali a pouco mais de uma hora, no costumeiro culto dominical.

Naquele momento, entretanto, Irene atendia ao fogo completamente aleatório de fazer uma faxina em seu guarda-roupa. A Bae era do tipo que tinha esses surtos de limpeza e organização, e raramente conseguia contê-los. Até porque era bem eficiente em seu trabalho e a música a ajudava com a motivação, no caso sua playlist com hinos atemporais da música popular. Não música popular brasileira, como ela fazia o tipo de quem ouve, nem hinos da igreja, eram todos iguais, para a Bae. Eram clássicos do pop americano, mesmo, numa lista personalizada que ia de clássicos jurássicos da Madonna e Lauper, perpassando por Beyoncé e Britney até chegar em Katy e Ariana.

E, por favor, não se espante ou trate isso com surpresa. Irene Bae sentia-se, sim, culpada por ser obrigada a cantar algumas coisas em voz alta e menos ainda concordava com certas condutas e posicionamentos das artistas, mas o que ela poderia fazer? As músicas eram boas demais e Irene não podia reprimir algo tão inconsciente e instintivo como o seu gosto musical, e não era por falta de tentar. Bem, poderia ser pior. Poderia gostar de sertanejo universitário, que nem a mãe.

Inconsciente e instintivo também devia ser o fato de saber a coreografia de Telephone de cabo a rabo. Faltava tão pouco para terminar de devolver as coisas ao guarda roupa – um amontoado de roupas íntimas e de pijamas que iam para a última gaveta -, mas ia ser rapidinho, não? Trinta segundinhos de dança, e a porta do seu quarto estava trancada...

Ou ao menos ela achou que tinha, porque a porta quando se abriu e a cabeça de sua mãe surgiu no vão, Irene se jogou dum jeito completamente estranho no colchão. Parecia garota propaganda da Ortobom, deitada daquele jeito nada natural, apoiando a cabeça em uma das mãos, com a cara de quem tinha acabado de ver fantasma, apesar de tentar disfarçar com um sorriso.

- Eu estou fervendo água para o café, você vai querer chá? – A expressão de Tiffany era algo entre divertimento e confusão com o pequeno caos que presenciou ao entrar no quarto. Irene assentiu enfaticamente, mas não soltou uma palavra, ainda a encarrando com os olhos arregalados. – Quando ficar pronto eu bato na porta, para não interromper o seu show, tá bom?

- Quê? Eu não estava – Irene não teve nem tempo para se defender já que, rindo, a mulher apenas fechou a porta, metaforicamente na sua cara. – Eu estou arrumando o quarto!

Irene ainda tentou se defender, mas sabia que fora inútil. Bufou irritada, juntou o bolo de roupas restante e os jogou dentro da gaveta sem o mesmo cuidado de antes, fechando o móvel sem muito zelo. Abaixou o volume da música, que vinha do seu celular, e caminhou até a janela, inspirando uma boa dose de ar não muito puro para acalmar a mente.

Ah, como adorava pagar de maluca na frente dos outros.

Antes que entrasse em um ciclo de pensamentos autodestrutivos, Irene parou para checar o clima. Não parecia que iria chover ou esfriar muito, mas levaria um casaquinho fino só por precaução, sabendo que ela podia ser um tanto quanto friorenta. E Irene tinha feito sua decisão de já trocar de roupas e se aprontar quando uma figura que vinha correndo pela calçada da escola chamou sua atenção.

Livrai-nos do mal, amém!Onde histórias criam vida. Descubra agora