I Can't

348 13 0
                                    

Gostaria que tudo não passasse de um sonho, e que eu acordasse criança em minha antiga casa, sentindo o cheiro de ovos e bacon que meu pai costumava preparar de manhã. A dor que sentia me fazia desejar jamais ter perdido a inocência infantil, e nunca ter descoberto a verdade.

Claire esteve comigo duarante todo o velório de minha amiga e avó, mesmo que nunca tivesse uma relação amistosa com a falecida. David também estava lá, chorando enquanto acariciava o rosto pálido e idoso da mãe.

Não consegui me aproximar o suficiente para dizer o que mais me perturbava, ao invés disso, apertei seu ombro e lhe dei conforto para me abraçar e molhar meu vestido com suas lágrimas. Com a voz chorosa, ele agradeceu minha presença e a de minha irmã, justificando a ausência de muitas pessoas no local: quase ninguém sabia da doença que a levou a morte. E por isso, contei apenas cinco presenças além das nossas; podendo reconhecer alguns rostos tristonhos que jurei já ter visto na propriedade Bieber.

A despedida foi rápida e objetiva: alguns lamentaram em voz alta, outros apenas permaneceram em silêncio; como eu. E sob o céu cheio de nuvens, encostei minha cabeça no ombro de minha irmã e vi alguém que eu amava ser abaixando no interior de uma caixa, para um buraco úmido e escuro. Jogamos flores ali, ao canto de alguns passaros jovens e a brisa da paz que aquele lugar proporcionava. Enquanto homens começavam a jogar terra marrom-escura por cima das rosas e o caixão, dei falta de um rosto: Elara.

Ela não estava lá, e quando questionei em voz fraca a David, me disse que preferiu não contá-la ainda. Temia por sua saúde. Concordei com o que disse, e o deixei a sós com aquele montinho de terra recém ajustada ao solo, e a lápide, com o nome de Cecília Rose: mãe e amiga. Nada mais.

[...]

Retirei o capacete de minha cabeça, balançando os cabelos para que se ajustassem às costas. Claire me olhou por um longo instante antes de estacionar a moto e fazer o mesmo, mais graciosamente.

— tem certeza que está melhor? — disse ela pela terceira vez, em um tom preocupado. Abaixei o olhar por alguns segundos, voltando a olhá-la com mais ternura.

— para ser sincera, não. Apenas tenho a certeza de que eu deveria...

— descansar e comer algo — sua voz se elevou antes que eu pudesse terminar, então passou por mim, pegando suas chaves e abrindo a porta de sua pequena casa.

— é, talvez sim...— concordei; quase sussurrando.

Entramos juntas na casa, e eu me sentei, verificando o tecido do vestido negro que minha irmã me presenteou algumas horas antes do velório. Era justo na região da cintura para cima, e era rodado com algumas rendinhas, que naquele momento estavam amassadas pela quantidade de vezes que as torci. Quando notei, Claire estava aos sussurros ao telefone, tentando ao máximo impedir que alguma palavra chegasse até mim. Suspirei baixo e permaneci com os olhos vidrados na barra das rendas, que iam até meus joelhos.

— vou precisar sair por alguns minutos... ficará bem sem mim? — ela olhou para mim, dessa vez sem o aparelho em mãos. Pensei em dizer "você sempre precisa sair", porém apenas puxei o ar para meus pulmões, tentando ser convincente:

— é claro. — seu sorriso se alargou nos lábios naturais, e ela se inclinou para beijar minha bochecha e me apertar contra si. Demorei alguns segundos para devolver o abraço.

— amo você. — sua fala foi suave, fraterna. E me fez pensar no que dizer, mas Claire não esperou por uma resposta, e me beijou outra vez antes de voltar a sua postura inabalável.— vejo você depois, pirralha.

E eu sorri, pela primeira vez naquele dia. Minha irmã prosseguiu para a porta, e eu olhei de novo para minha vestimenta, talvez porque sabia que não estaria bem sem ela.

Why should I care about you? - 𝙎𝙚𝙖𝙨𝙤𝙣 1.Onde histórias criam vida. Descubra agora