Not loved enough

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||Marie's point of view.||

Minha visão se ajusta a claridade do lugar, ficando mais lustrosa a cada segundo que mantia minhas pálpebras abertas, causando um desconforto incomum que não sei identificar de onde vem. Concentro meu olhar no homem sentado um pouco distante de mim, suas mãos no rosto não me permitia ver sua face, porém, pelo físico e roupas de um tom negro profundo, passei a identifica-lo, e não sei de que forma o chamo.

Meus lábios permaneciam entreabertos, esperando que as palavras viessem de uma forma ou de outra, enquanto minha mente se esforçava para ignorar as dores musculares. Os olhos dele me encararam de volta após afastar as mãos do rosto avermelhado, e um suspiro baixo é soltado por mim, sem que eu pense em fazê-lo.

— como se sente? — sua voz, pela primeira vez, era baixa e tranquila, quase ou exatamente como uma brisa da meia-noite.

— eu perdi o bebê, não foi? — questiono, no mesmo tom. Consigo ler seus pensamentos através do par de íris claras que me fitam; sei que sente pena e receio de confirmar a pergunta em questão. Espero que minha visão falhe e que água jorre das minhas glândulas lacrimais, mas as proprias mantiam-se fechadas na presença do rapaz, o que era bom. — responda, por favor...

— sim, Marie, seu útero não foi capaz de segurar o bebê por conta de diversas questões. Você teve um aborto espontâneo, não foi sua culpa

o silêncio se instalou entre nós, o ar entrava por minhas vias respiratórias e saia. Não estava mais olhando para ele, e sim para um ponto na parede. Minha mente viaja por memórias inúteis, enquanto as emoções tentavam disputar pelo domínio total do meu corpo.

Não sei o que sinto. Deveria estar triste, que mãe não estaria? Bom, a verdade é que eu não era uma mãe; era uma menina que foi violada e que engravidou do seu agressor. Não sou alguém que pode se assimilar a uma figura materna.

— você está bem? — Natanael questiona, talvez incomodado pelo silêncio crescente.

— pode me deixar sozinha? — questiono, sabendo que aquilo poderia ser negado à mim, porém só o que ele faz é se erguer e sair, fechando a porta atrás de si.

permaneço olhando fixamente para o mesmo ponto na parede, submersa em pensamentos obscuros e odiosos. Imóvel; não tenho para onde fugir.

Acordar e olhar para uma criança cujos traços podem ser similares a ele; cuja personalidade poderia ser herdada. A ideia de ter um vínculo inquebrável pelo responsável por arrancar de mim qualquer vestígio de pureza, era algo enlouquecedor. Achei que poderia amar a essa criança, e tinha certeza que conseguiria, mas naquele momento que não a tenho junto à mim, não sei identificar que tipo de sentimento me ronda. Me parece tão cruel não sentir nada... Parece tão cruel que eu não tenha tido a chance de escolher algo melhor para mim mesma e para essa criança. Eu a perdi, e não amei o suficiente. Meu corpo a expulsou por conta de sua origem, e isso me parece tão tirânico.

Uma criança. Um fruto de um estupro. Uma criança. Um fruto de um estupro. Não quero cair novamente, não quero ser alguém que necessita de amparo. "É apenas o fruto de uma violência" e eu permaneço a repetir em minha mente, fortalecendo-me para que não caia na tentação de derramar lágrimas outra vez. Aconteceu, passou, é apenas o fruto de um estupro.

||Claire's point of view.||

Meus olhos se abrem e a imagem que visualizo me fazem detectar que não estou onde deveria estar. O teto cor de creme não era familiar, embora seus detalhes fossem minimamente parecidos com os de minha casa.

Why should I care about you? - 𝙎𝙚𝙖𝙨𝙤𝙣 1.Onde histórias criam vida. Descubra agora