until dawn

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Marie's point of view.

A cada dia, me sinto mais sufocada naquela casa repleta de grades altas e seguranças a circular de um lado para o outro. Não que eles pudessem ficar no interior da mansão, mas eu me arrepiava toda vez que olhava pela janela e via seus corpos enormes e sombrios andando pelo jardim. Justin não me deixava sair de modo algum, depois da última vinda de Christopher, ele não me permitiu mais tomar sol nas pequenas escadas em frente a porta principal. Não posso sair. Não posso respirar.

Me pergunto se ele pensa que irei escapar, provavelmente sim, mas eu não iria. Não tenho para onde ir. Não conheço o local e não faço ideia de como encontrar meu pai; ou melhor, o homem alto de cabelos castanhos e olhos esverdeados que me vendeu. Não quero saber como está sua vida agora. Digo isso a mim mesma a cada minuto. Meu chefe se tornou ainda mais passivo diante de todas as situações: não falava, não comia e nem mesmo se permitia andar muito pela casa, por isso eu mal via o seu rosto, o que realmente era um alívio, apesar de me preocupar um pouco com sua saúde. Culpa de Cecília. Sempre fica falando sobre ele para mim, coisas como "Justin nem tocou na comida hoje" ou "ele está trancado no escritório a tempo demais". Não sou uma pessoa insensível, sei que tem algo errado.

Os enjôos não diminuíram, ao invés disso, passei a vomitar apenas com o cheiro de certos alimentos, sem falar dos desmaios repentinos. Isso foi o bastante para que Cecília se tornasse ainda mais paranóica, andando comigo até mesmo para me levar ao banheiro. Tenho poucos momentos à sós e quando tenho, observo meu corpo nu diante do espelho para verificar as mudanças constantes do meu corpo. Preciso me acostumar com elas, sei que não são poucas e as vezes, é difícil pensar que há um fruto de um estupro dentro de mim; por isso procuro me manter longe desse tipo de pensamento. Ainda assim, tenho pesadelos quase que todos os dias, sempre as mesmas coisas: o momento do estupro ou eu em um hospício junto de pessoas alienadas. Sinto que a segunda opção queira me dizer algo, mas ignoro qualquer tipo de mensagem compreensível.

Naquele momento, estava deitada em meu leito a observar as imagens de um belo ou terrível futuro: eu, meu filho e meu pai. Sei que ele é o real culpado por tudo o que aconteceu comigo, mas ainda não consigo apagar seus traços de minha mente. Consigo imaginar um tempo novamente ao seu lado; recebendo seus conselhos e abraços aconchegantes. Por mais que tentasse, ainda não conseguia apagar meu passado. Ainda não consigo me acostumar a vida nova. Ainda não consigo parar de pensar naquilo. Ainda. Ainda. Ainda.

Meus pensamentos são cortados assim que uma silhueta familiar adentra o quarto feito um furacão, aquilo me assusta de tal maneira que eu rapidamente ergui meu tronco, observando o homem de vestes negras andar de um lado para o outro.

— Justin? O-o que...O que faz aqui? — minha voz mal saiu, e ele não pareceu notar a minha presença, andava para lá e para cá com as mãos nervosas pelos cabelos agora escuros pela pouca iluminação. Meus pés rapidamente tocam o chão, me levantei tão rápido que senti minha cabeça girar, mas logo me recuperei. — Justin? — novamente, chamo por ele, mas naquele momento ele dava fortes socos em sua cabeça, parecia um perturbado ou até mesmo uma criança desesperada.

— sshh... cale-se, não vou a lugar algum, tenho motivos para permanecer onde estou, então não me obrigue a sair. — disse ele, ainda de costas para mim, mas não parecia falar comigo e sim com alguém que não estava ali, mas em sua mente. O corpo de grande porte andando em linhas tortas, em momento algum ele me deixou analisar seus olhos. Assustada, estiquei minha mão em sua direção, mas ele gritou tão alto que senti minhas pernas tremerem e acabei dando um passo para trás.

Engoli em seco quando o homem se curvou, ainda a bater feito um louco em sua própria cabeça, gritando como se uma espada estivesse perfurando o seu cérebro. Um passo para trás. Mais um. Outro. Senti meu corpo se alinhar a madeira gélida da porta. Estava com medo, e ao mesmo tempo queria ajuda-lo, mas temia que algo acontecesse à mim.

— Justin...ei...calma, há pessoas dormindo...— sussurrei de modo audível, sem mover um único músculo para frente. Ele então se levantou sobre as pernas, o corpo reto e os cabelos bagunçados a formar uma sombra cuja a cor não sei. Sinto uma coragem, não sei ao certo se pode ser chamado assim, mas eu levei um pé a frente, tudo estava silencioso e ele aparentava estar mais calmo. — está tudo bem...passou...eu estou aqui com você, ninguém vai machucar você. — como se fosse possível ferir um homem sem emoções, seja com palavras ou as lâminas mais afiadas.

Ele ainda não tinha se virado. Eu estava bem próxima, mas não sabia se poderia toca-lo. Perguntas invadem minha mente, e eu faço o favor de silencia-las. Justin parecia estar vendo algo, na direção do banheiro, mas não falava nem emitia um som que chegasse aos meus ouvidos. Então, automaticamente, eu toquei seu ombro direito, sentindo a maciez da parte superior de seu terno. Antes que eu pudesse recuar, o homem sombrio se vira para mim, seus dedos frios se fecham contra meu pulso com vigor e seus olhos escuros me encaram como se eu fosse a culpada de todo o seu sofrimento.

— você...está me machucando...— faço o possível para não gritar, a dor se intensificava a cada segundo que ele me apertava, impedindo o sangue de circular. Meus olhos se enchem de lágrimas, e eu tenho uma imagem retorcida dele. — por favor...Justin! — sinto meu rosto queimar, já não consigo conter a água que escorre dos meus olhos. Aquele não era ele. Parecia tão irreconhecível daquela forma; olheiras tão profundas que até com a má iluminação consegui perceber.

Eu deveria afasta-lo. Seria fácil acertar o seu ponto sensível e correr, mas algo me dizia que eu deveria estar ali. De alguma forma, ele estava assustado e eu conseguia detectar o pavor na forma elegante e rígida dele. Um menino com máscara de assassino. Deveria estar longe, mas ele torna isso impossível.

— estou aqui...não precisa me apertar tanto...— com as mãos trêmulas e o rosto repleto de lágrimas, minha mão oposta tocou a dele, estava fria como a de um morto. — está tudo bem, Justin...vou ficar com você até o amanhecer, mas você precisa me soltar...— fiz um pequeno esforço para que minha voz não tremesse tanto, mas foi inválido. Ele não me soltou. Não afrouxou os dedos e muito menos falou.

Minhas pernas doíam. Toda vez que tentava esquecer a dor em meu pulso, ela se espalhava por todo o meu braço. Não tentei tira-lo dali, nem puxar de volta, ele precisava de mim, pelo menos era isso o que eu falava mentalmente para suportar toda aquela agonia. Desisti de tentar chama-lo, sei que não iria me responder ou me soltar. Certas vezes, vi ele se contorcer e forçar os olhos, aparentando sentir algo, mas não me soltou. Ele precisa que você esteja ali, Marie. Repetia as mesmas palavras todos os momentos em que alguma lágrima ameaçava cair. O sol já começava a clarear o céu, transparecendo a sua luz pelas finas cortinas. E como prometido, permaneci ao lado dele, mesmo com as articulações doloridas e com vontade de fugir, eu estava junto dele.

Why should I care about you? - 𝙎𝙚𝙖𝙨𝙤𝙣 1.Onde histórias criam vida. Descubra agora