XXIII. Henry

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Exatamente como eu imaginei, não foi fácil deixar as duas em Jersey e ter que voltar a trabalhar na Hungria. E eu estava apenas na primeira semana.

As pessoas foram super delicadas e atenciosas comigo, sempre verificando se eu estava bem, ou precisando de alguma coisa. Kal não deixou o meu lado e isso foi o que realmente me ajudou. Pelo menos eu tinha comigo um dos seres indispensáveis, pra mim.

Exatamente como antes, Hayley e eu conversávamos diariamente por mensagens de texto, mas a troca estava cada vez mais rara, depois que ela foi designada a um caso muito delicado. Quando ela me contou, fiquei preocupado com ela, mesmo sabendo que ela era incrível no que fazia.

[03:55] Hayles: O que está fazendo?

[03:57] Eu: Nesse momento? Tentando sair da cama, mas estou perdendo essa batalha...

Não era mentira, eu gostava demais de dormir, mas acho que o desânimo me deixava bem mais preguiçoso. De qualquer forma, eu precisava treinar e manter a rotina, ou então cederia a preguiça constantemente.

[03:57] Eu: O que você tá fazendo acordada a essa hora?

Se aqui iam dar quatro horas da manhã, lá ainda eram três.

[04:00] Hayles: Ainda não consegui dormir. Esse caso não está me deixando descansar...

Há uma semana, o mesmo orfanato onde eu adorei Anne, recebeu uma criança vítima de abuso sexual. O abusador? O próprio pai. Lembro de quando ela me contou, como senti raiva de alguém que eu sequer conhecia. Raiva da ideia de alguém ser capaz de algo tão nojento e imperdoável contra uma criança. Sentei-me direito na cama, chamei Kal pra subir e deitar ao meu lado, e cliquei no pequeno ícone de chamada de vídeo.

Hayley não demorou a atender, me surpreendi ao vê-la tão abatia.

— O que está acontecendo? – perguntei olhando-a com preocupação. Seus cabelos estavam presos em um coque alto, seus olhos estavam fundos e ela parecia exausta.

— Estou tentando garantir que essa menina não precise voltar pra casa desse, desse... – ela falou aborrecida, sem conseguir concluir a frase. Ao som da voz de Hayley, Kal ergueu as orelhas e o focinho, tentando farejar onde a ruiva poderia estar – Oi, Kal! – sua expressão suavizou ao ver o cachorro, mas ela ainda parecia péssima. Acariciei o topo de cabeça de Kal com um sorriso fraco, virando a câmera um pouco mais na direção dele. Kal encarou a tela por uns segundos e bateu levemente com o focinho na tela, o que me fez rir.

— Como você está? – perguntei voltando a câmera pra mim, vendo-a soltar um suspiro pesado e fechar os olhos

— Como eu pareço? – ela perguntou cansada

— Como se tivesse sido cuspida por um gorila... –  declarei e ela arregalou os olhos, soltando uma risada surpresa, que me fez rir com ela – E como a menina está? – perguntei franzindo o cenho, ela suspirou e encolheu os ombros – Como está reagindo?

Hayley contou os últimos acontecimentos com calma. Era a primeira vez, desde que voltei pra Hungria, que conseguimos conversar por mais de cinco minutos. A vida estava corrida dos dois lados, o que dificultava o contato. Queria ouvi-la e queria ajudá-la a relaxar, mas tudo o que ela me contava me deixava de coração apertado. Era inevitável pensar na minha própria filha e agradecer todos os dias por ela estar bem, segura e saudável, mesmo que eu não estivesse ao seu lado nesse momento.

— E eu nem sei a razão de eu estar tão emotiva... – ela encolheu os ombros – Não é a primeira vez que preciso lidar com algo semelhante, mas dessa vez parece tão... tão pessoal! – ela falou, frustrada – Como posso fazer meu trabalho direito, se as minhas emoções estão interferindo?

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