ꕥ Liberdade

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O Sanatório Penal de Gericinó no Rio de Janeiro era um lugar velho que fedia a esgoto vinte e quatro horas por dia. Apesar do nome, não era um lugar para prisioneiros com problemas mentais. Era uma prisão de segurança máxima e ali estavam presos os bandidos considerados mais perigosos ou que precisavam ficar isolados por possuírem nível superior de escolaridade. Por isso William havia sido colocado lá.

Desde muito novo William tentava imaginar como era a prisão. Não que se sentisse culpado pelos crimes que cometera na vida, mas era inevitável imaginar o que aconteceria se um dia fosse pego. Naqueles tempos ria diante da possibilidade, pois acreditava que nunca aconteceria. Não a ele, porque tinha dinheiro, tinha poder. Não se atreveriam a mantê-lo encarcerado nem por um dia.

A água do vaso sanitário era o único espelho que William tinha há meses. Olhava para seu rosto cheio de barba, cabelos compridos e desgrenhados e não se reconhecia. Estava louco por um banho quente e jurava que passaria um dia inteiro em um salão para voltar a se parecer com ele mesmo.

Entretanto o que lhe chamava a atenção no reflexo não era sua aparência, depois de todos aqueles meses havia se acostumado a parecer um indigente. A cicatriz recém adquirida era o que prendia sua atenção. Um corte de uns sete centímetros em seu rosto ainda estava com as linhas dos pontos mal dados por alguém que ele tinha certeza de que não era realmente um médico.

Conseguiu aquele ferimento em uma briga durante um dos banhos de sol naquela semana. Geralmente William escolhia ficar em sua cela ou próximo aos agentes de segurança. Sempre que se juntava aos demais presos alguém resolvia encrencar com ele por qualquer motivo.

Na última vez lhe pediram dinheiro e obviamente ele não havia levado a carteira para a cadeia. Mesmo diante dos agentes, cinco presos partiram pra cima dele com chutes e socos até que uma sensação quente no rosto o assustou. William se encolheu no chão e tudo o que pôde fazer foi proteger a cabeça. Quando tudo terminou tinha algumas costelas trincadas e um corte no rosto que jamais descobriria com o que havia sido feito nem por quem.

— Aí, riquinho. — Disse um dos agentes de segurança que pegou William do meio da confusão enquanto caminhavam para a enfermaria. — Posso resolver seu problema.

Com as pernas fracas, as costelas ardendo e pendurado no pescoço do agente, William pensou naquelas palavras antes de responder. Não precisava de ninguém tentando pegá-lo no flagra de nada.

— Do que está falando? — Gemeu William.

— Acho que sabe do que eu tô falando. Grana.

— Não tenho dinheiro aqui.

— Exatamente. Por isso acho que seu lugar é lá fora. Pela quantia certa, consigo tirar você daqui.

William olhou para o corredor cinzento com paredes com uma cor pra qual talvez nem existisse um nome, todas descascadas e imundas.

— Como vou saber que não é uma armação?

— Você já tá preso. O que mais você tem além de grana? Não tem armação nenhuma.

Uma semana depois William estava no meio de dezenas de outros presos que haviam acabado de colocar fogo em colchões e roupas. Alguns deles haviam aproveitado pra se vingar de seus desafetos e cerca de três detentos acabaram feridos e um deles teve o pescoço cortado antes de seguirem as orientações do agente que lhes indicou o ponto mais vulnerável e menos vigiado por onde poderiam pular o mudo e se mandar.

Apenas quando convenceu Feliciano a depositar cinquenta mil na conta do agente foi que William conseguiu ser incluído na lista VIP de fugitivos.

A adrenalina fervia em suas veias enquanto corria no escuro, arrastando-se pelas paredes, agachando-se de vez em quando ao ouvir tiros. Seu coração martelava no peito. Os gritos dos outros fugitivos indicavam a direção certa, não fosse isso, William não conseguiria, estava cego de medo ao mesmo tempo em que alucinado com a ideia de estar do lado de fora novamente.

QUERIDO MEDOOnde histórias criam vida. Descubra agora