Dizer que eu tinha observado muito o CD que eu havia ganhado de Jack Parker no dia anterior ainda era um eufemismo. Até dormir com ele debaixo do travesseiro eu havia dormido! E no dia seguinte não era diferente: lá estava eu, deitada, contemplando o presente na altura dos olhos. Eu já tinha analisado cada arranhão na capa e o trincado pequeno, visto cada ponta do encarte que ele tinha dobrado, algumas frases sublinhadas das músicas, um desenho pequeno e com traços imprecisos de um personagem de anime na última página do encarte e o nome dele escrito embaixo, em caligrafia desleixada e com traços exagerados, mostrando que ele havia coberto o nome diversas vezes com a caneta.
Pelo o estado do CD, eu me perguntava o quanto ele não adorava aquilo porque estava bem desgastado e acabado, ou só se era desleixo mesmo, coisa de garoto. Mas eu não conseguia suprimir o sorriso todas as vezes que eu fazia essa pergunta, porque a resposta vinha logo em seguida: Mesmo ele gostando daquele CD, ele havia me presenteado.
Eu nunca ganhava muitos presentes, na verdade, quase nunca os ganhava, exceto no meu aniversário ou quando alguma senhora simpática da igreja e que eu mantinha uma relação amigável me presenteava com um livro, uma toalha bordada ou alguma lembrancinha de viagem.
Eu amava ganhar presentes. Afinal, quem não ama? Saber que alguém lembrou de você e quis te dar algo, mesmo que uma coisa simples, era quase um lembrete de que você significa algo pra essa pessoa. E eu amava mais ainda quando ganhava algo já meio surrado. Não sei, eu só sentia que era muito especial, era um pedacinho de mais um capítulo na vida de alguém, e abrir mão de uma coisa que você colocou tanto amor e vivenciou momentos bons, é quase um pedido mudo de cuidado e um grande lembrete de afeto.
E agora eu tinha um pedaço de história e um lembrete de afeto de Jack Parker.
Escutei o barulho da porta da casa fechar, me despertando dos meus devaneios, me fazendo colocar o CD o mais rápido possível embaixo do travesseiro e sentar, parecendo casual, na cama.
Escutei alguém subindo as escadas correndo e meu coração apertou de felicidade, e mais ainda quando uma cabeleira preta e afobada abriu de súbito a porta do meu quarto.
Era Isabel.
- Como assim você não foi me buscar? - ela gritou na tentativa frustrada de parecer brava, mas com um largo sorriso no rosto.
- Eu tinha coisas melhores pra fazer. - dei de ombros.
Isabel colocou as duas mãos na cintura, tentando parecer autoritária. Eu abri um largo sorriso e corri pra abraçá-la.
- Eu senti tanta saudade. - falei com o rosto enterrado no seu pescoço.
- Eu também, pirralha.
Senti meu coração apertar ainda mais e meus olhos marejarem. A saudade machucava meu peito mesmo com ela ali, mas agora a felicidade se mesclava com a saudade.
Nem sei quanto tempo passamos abraçadas, até que nos afastamos e Isabel segurou meu rosto com as mãos.
- Olha só pra você! Passei alguns meses sem te ver e você tá mais linda do que nunca! - um sorriso maroto brincava em seus lábios, apesar de seus olhos estarem marejados feito os meus.
Eu sorri.
- Olha só quem fala! Se eu tô linda você tá 10 vezes mais.
Isabel me abraçou de novo.
- Meu bebê tá crescendo tão rápido. - me apertou. - Para de crescer, Ana. - brincou.
Eu ri e um pigarreio nos fez desfazer o abraço.
- Bom, já vi que mataram as saudades! - meu pai sorria atrás de nós.
- Nem pensar! Ainda tem bastante. - Isabel brincou.
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9 Months of Trouble
RomansaAna Wentworth é uma garota comum, filha caçula de três irmãs, aluna e filha exemplar. Vive numa pequena cidade do interior do Mississippi, lugar onde, ironicamente, constitui o bible belt. Seu pai, um pastor respeitadíssimo e rígido, não mede esforç...