O amor é um fogo. Mas se isso vai aquecer sua lareira ou incendiar sua casa, você nunca sabe.
Joan Crawford
Hoje era dia de vista, mas algo de bom tinha, você só recebe quem queria e eu pude me negar a ver meus pais, não estava bem para encarar a falsidade deles ainda.
Não que eu e eles tivéssemos uma relação complicada, tudo na minha casa sempre ocorreu bem, minha mãe era a amorosa, atenciosa e meu pai o mais pulso firme mas que na verdade era mais tranquilo que minha mãe, a típica família tradicional, sempre fui criada na igreja, embora meus pais nunca terem me obrigado com todas as letras a seguir suas crenças e atitudes. Mas pais sabem, meu pai sempre foi o desatento, quando eu não falava de garotos mesmo já estando com quase 15 anos meu pai via um problema a menos para se preocupar, já minha mãe via um possível "desvio" meu. Eu sempre amei muito meus pais, embora sempre soubesse que se eles me conhecessem completamente como eu era não me entenderiam, então sempre manti uma certa distância em certos aspectos com eles, mas o inevitável acabou acontecendo quando eles descobriram que eu estava me relacionando com a filha do pastor, houve um surto, meu pai não sabia oque fazer, minha mãe estava tendo um surto. No final, a solução mais eficaz pareceu ter sido me mandar para um manicômio ao invés de conversar comigo.
Mas era o que sempre acontecia, se fosse olhado por cima, eu até tive sorte, não fora expulsa de casa como ocorria na maioria das vezes com pessoas iguais a mim.
Mas nem só de angústias foi feito o dia de hoje para mim, afinal, Oliver me visitou, chegou atrasado para a visita? Sim, mas era o Oliver, ele nunca via as horas certo mesmo. Quando me buscaram no meu quarto para me avisar que eu teria visita e me perguntando se eu queria receber Oliver Black, eu não pensei duas vezes em correr para ir encontrar meu melhor amigo. Ao chegar ao salão de visita, encontrei o rapaz alto e magro sentado olhando para a mesa fixamente, provavelmente pensando porque ela estava tão brilhante, ele estava com os cabelos completamente bagunçados, a blusa colocada do lado errado e meias diferente, conhecendo ele como eu conheço, provavelmente demorou tempo demais pensando no que vestir, quando percebeu que estava atrasado acabou escolhendo as roupas que estavam sobre a pilha que ele fez, sem nem pensar se estavam do lado certo. Quando notou movimento, ele ergueu os olhos brilhantes e sorriu ao me ver, pude ver até um suspiro de alívio sair de seus lábios.
— Oli! — me joguei em seus braços, quase o derrubando da cadeira — Não esperava que você viesse até aqui.
— É claro que viria! Você é minha pequena galanteadora! — me afastei após alguns segundos com lágrimas nos olhos — Está bem? Trouxe bolo para você, o de cenoura com cobertura de calda de ameixa — sorri ao ouvir sua fala — Você está bem, confesso que esperava você magra e cheia de olheiras.
— Que bom que não estou tão mal hoje — sorri fraco me sentando à sua frente — Como fez para vir até aqui?
— Queria ter vindo antes, mas as coisas estavam difíceis... Algumas coisas aconteceram nesse tempo — comentou — Conheci um homem... conheci mesmo, em uma cafeteria, eu acabei pegando chuva e cheguei lá para me abrigar, ele foi simpático comigo e me deu um guarda-chuva para que eu não me molhasse mais, eu voltei algumas vezes na cafeteria para lhe entregar o guarda-chuva e acabamos construindo uma amizade.
— Amizade é? Por Deus, seus olhos estão brilhando, Oli, está apaixonado.
— Estou... Estamos eu acho, ele quer que eu vá morar com ele.
— Oli? Mas em tão pouco tempo, vocês se conhecem bem? Como ele é? Deus, são tantas perguntas.
— Ele é alguns anos mais velho que eu, é do tipo que eu nunca conheci, atencioso, carinhoso, meigo... E sim, ele sabe oque eu fazia, foi a primeira coisa que eu contei após o beijo que demos.
— Eu não sei oque dizer — ergui as sobrancelhas sem saber oque pensar, estava feliz pelo meu amigo, ele merecia alguém a sua altura, mas isso me parecia bom demais para ser verdade, um estranho surge do nada para mudar sua vida? Isso só acontece nos livros.
— Não diga, não quero lhe importunar com minha vida, vim até aqui para saber de você, como estão as coisas? Precisa de algo?
— São calmas... — dei de ombros, dizer com todas as letras o que acontecia dentro das paredes da madhouse estavam fora de cogitação, não queria preocupar Oli, o conhecia o suficiente para saber como ele ficaria se suspeitasse do que eu estava passando aqui, a pressão psicológica — Melhores do que imaginei, fiz até uma amiga — sorri de leve — Ela é legal, e sabe das coisas... Como meus pais estão?
— Não os viu, não é? — negou com a cabeça — Devia falar com eles.
— Não estou preparada ainda... Talvez na próxima visita.
— Estão preocupados com você, não convivo muito com eles, mas na última vez que fui na sua casa para buscar seu cobertor favorito, o que sei que você não consegue dormir sem para lhe trazer, falei com a empregada, ela me disse que sua mãe estava arrasada, chorava pelos cantos e que seu pai tentava ser forte mas que não conseguia enganar ninguém.
Suspirei ouvindo suas palavras, um aperto envolveu meu coração, saber que eles estavam sofrendo me doía muito, mas eu não podia fazer nada sobre isso, se eles não me aceitavam como eu era, eu não poderia os forçar a isso.
— Lau, as coisas estão bem aqui mesmo? Você está bem? Se não estiver, irei falar com seus pais ou dou um jeito de te tirar daqui...
— Estão Oli, não se preocupe, daqui a um tempo eu já estarei em casa, é só tempo para que eu consiga convencer os outros que gosto de homem — fiz uma expressão de nojo gerando um sorriso em Oli.
— Quando você estiver lá fora, juro não deixar ninguém te colocar num lugar desses novamente, iremos fugir! Sim, a Itália me parece um bom lugar.
— Sim, me parece também, Oli, tome cuidado, não entregue seu coração virgem tão fácil sem saber todos os lados da pessoa, um coração sofrido dói, pelo menos é o que eu ouço falar por aí.
— Não irei, Lau, eu o conheço, ele é uma boa pessoa, sinto isso, não me entregaria tão fácil se fosse diferente, é do tipo daquelas coisas vergonhosas dos romances.
— Espero que seja, o que mais quero ver nesse mundo é sua felicidade, você não merece ser mais infeliz.
Ele era um ser humano de ouro, incrível, alguém bom, gentil e que sempre sorria embora a vida não o tratasse bem, ele já sofreu coisas demais, merecia encontrar alguém pra cuidar dele.
— Diga para ele, que se eu ver uma lágrima cair de seus olhos incrivelmente azuis eu saio desse hospício e vou chutar a bunda dele — disse séria.
— Vou passar a mensagem.
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Madhouse
Romance- No século 20 não precisava de muito para você ser considerado fora dos padrões e automaticamente ser visto como uma pessoa com algum problema mental. A instituição mental de Howard foi fundada pelo monsenhor Timothy Howard para ser algo revolucion...