Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que, com frequência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar.
William Shakespeare
Estávamos no inverno, todo o país estava frio, mas o clima gélido parecia ter uma atenção especial com Centralia, essa ilha rodeada por água e mais água, um pequeno pontinho de terra no meio do oceano, aqui era frio, muito frio, até eu que era uma pessoa com bastante resistência e que raramente sentia frio como as outras estava sendo afetada, uma blusa de lã grossa e clara estava sobre meu corpo me aquecendo mas mesmo assim eu podia sentir meu lábios trêmulos. Era o momento da recreação, mas hoje ninguém se atrevia a sair de dentro de Howard exceto eu, vez ou outra uma das freiras vinham dar uma olhada em mim, provavelmente conferindo se eu não estava querendo fugir ou algo do tipo, até parece, ninguém saia de Centralia a menos que quisesse morrer, não havia meios, ou era a água gélida sem nenhuma possibilidade de achar terra ou ficar abrigado nas rochas que estavam no caminho que levava até Centralia, era morte na certa, e a verdade era que havia jeitos mais fáceis de morrer se esse fosse seu objetivo. O céu estava nublado e ventava um pouco forte, mas nem isso me impedia de respirar o ar fresco e olhar o horizonte, me perguntando se realmente conseguiria sair daqui. Minha amiga de hospício não estava comigo, me achou louca por querer ir para fora onde o frio me atingiria facilmente, estava só com meus pensamentos e eu gostava disso, o frio, apesar de rígido e por muitos odiados, era meu amigo, me ajudava a pensar com mais clareza e tudo que eu precisava no momento era clarear meus pensamentos.
— Acho realmente que não é uma decisão sábia estar fora em um dia tão frio — sorri fraco ao ouvir aquela voz, ela havia se aproximado sorrateiramente, nem havia a ouvido.
— E não é, então porque veio até aqui? — questionei com um levantar de sobrancelhas me virando para encarar ela, Camila sorriu em resposta e deu de ombros.
— Talvez para saber a razão da sua escolha de ter vindo.
— É uma boa resposta... Vim porque o frio me ajuda a pensar melhor e não aguentava ficar lá dentro mais — respondi simples voltando a olhar o horizonte.
— Conseguiu clarear as ideias?
— Ainda não.
— Então, não acha melhor voltar para lá por enquanto? Mesmo não aguentando ficar presa, lá dentro, onde as coisas estão quentes, pode te proteger de um resfriado.
— Será que é melhor mesmo? — voltei a olhar para ela com um sorriso de lado. Camila abraçava os braços, com as bochechas e lábios vermelhos devido ao frio, também tremia os lábios, queria muito a abraçar para tentar aquecer ela, mas não queria complicar as coisas então me controlei — É por conta do frio que veio falar comigo pela primeira vez em dias — ela abriu e fechou a boca algumas vezes, sem saber o que falar — Anda me evitando, não é? Essa história de que andava com enxaquecas e que seria melhor meu "tratamento"... — revirei os olhos ao citar a palavra — ... Ficar por enquanto com um freira qualquer que eu sequer conhecia, deixou isso bem claro.
— Eu... Não é... Evitar — suspirou enquanto baixava o olhar — Só precisava de um tempo, sabe? Para entender algumas coisas. E como você ainda não consegui — mordeu os lábios.
Ficamos alguns segundos em silêncio, olhando para o horizonte, ambas com as cabeças trabalhando a mil por hora, até que eu decidi falar algo.
— Estarei sendo ridícula... Mas não me importo, estou em uma madhouse não me importo mais com minha imagem como antes... Senti saudades, não do jeito estranho, só um pouco sabe — disse sem olhar para ela, olhando para frente, não conseguiria falar isso olhando para ela, não era mentira, era verdade, eu realmente senti falta dela nesses dias em que não nos falamos ou não nos beijamos ou não... Mas eu nunca falaria isso para ela, só estava falando porque queria que ela achasse que eu estava apaixonada por ela... Só por isso, mesmo que morresse de falta dela, jamais falaria isso se não fosse por esse motivo. Vi o silêncio reinar ali novamente, e agradeci mentalmente por estar olhando para frente, ou iria me arrepender amargamente de ter falado aquilo, mesmo que tivesse sido para um bem maior, que no caso era minha passagem só de ida para sair de Centralia.
— Sentiu? — ela perguntou, pude notar incerteza na sua voz mas além disso tinha algo, algo como... Animação? Felicidade? Satisfação? Eu não saberia dizer ou muito menos entender o porquê de estar um pouco satisfeita por ter identificado isso.
— Pode se dizer que sim, mas só um pouco sabe? — eu também não saberia dizer o porquê de estar com as mãos suando apesar do frio ou o porquê de meu coração estar acelerado, agradeci por estar frio, ou ela saberia que eu também estava com o rosto corado.
— Claro... Eu... Também senti, um pouco também — sorri de lado com a resposta e finalmente me virei para olhar para ela, e meu sorriso se alargou ainda mais quando encontrei o seu, largo e brilhante, era tão grande que fazia seus olhos se fecharem um pouco, era um daqueles sorrisos que iam aos olhos, e eu amei ver ele. Umedeci meus lábios, que já estavam um pouco secos pelo frio e me inclinei um pouco na sua direção, ela demorou um pouco mas, ainda sorrindo, se afastou rapidamente, tossindo.
— Isso é bom... Mas tem algo que seria um pouco melhor... — vi ela me olhar com um pouco de dúvida — Ganhar um beijo seu — eu novamente não estava mentindo, estava louca para sentir um beijo dela, daqueles que só ela sabia me dar, mordi os lábios em expectativa. Vi o olhar dela baixar para meus lábios, e ela umedecer os seus, piscando rápido.
— Aqui não... Vão nos ver.
— Não precisa ser aqui... — olhei para minhas mãos tentando achar uma solução, ela não poderia ficar me chamando sempre para sua sala e sem nenhum motivo aparente, iriam estranhar — Pode ser no meu quarto — sorri com a ideia, isso no meu quarto seria perfeito. Vi os olhos dela se arregalarem e ela sorrir negando com a cabeça.
— Está louca? Não pode, fica um enfermeiro olhando as alas de noite, para não haver nenhuma situação complicada...
— Tenho certeza que você pode dar um jeito nisso — sorri fraco, dando um rápido olhar para trás, eu estava no quintal da madhouse, havia algumas janelas a alguns metros, gemi em frustração, não poderia roubar um beijo dela — Eu realmente queria te beijar agora.
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Madhouse
Romance- No século 20 não precisava de muito para você ser considerado fora dos padrões e automaticamente ser visto como uma pessoa com algum problema mental. A instituição mental de Howard foi fundada pelo monsenhor Timothy Howard para ser algo revolucion...