XIX

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Nem todos que vagueiam estão perdidos.

J. R. R. Tolkien

Durante um bom tempo as coisas ficaram extremamente calmas em Howard, isso se for considerado como as coisas aconteceram desde que eu entrei aqui.

Não houve mais assassinatos, pelo menos não que viesse à tona, isso vinha me preocupando, mesmo com Claudette tentando me acalmar e realmente tendo lógica no que ela disse eu não conseguia evitar. Eu vinha tendo as malditas aulas de reeducação, era assim que chamavam o meu "tratamento" eu tentava ao máximo me controlar, mas isso era bem difícil visto as asneiras que saiam da boca da freira responsável por nós, chegou a um nível que a diretora ordenou que eu assistiria a aula quieta nem que fosse a força e pareceu uma boa ideia me amarrar a cadeira de aço e tampar minha boca com um pano.

Estávamos no nosso momento de recriação, acontece que após algum tempo em Howard e dependendo do paciente, podíamos passar algumas horas das tardes ao ar livre, Claudette estava jogando cartas com um dos pacientes em uma mesa à minha frente enquanto eu preferi estar abaixo de uma árvore lendo um dos livros que meu amigo trouxe para mim. Saber que ele estava com alguém me deixou feliz e receosa ao mesmo tempo, eu o amava profundamente, ele me ajudou a entender muitas coisas, conheci Oliver em um dia nublado, eu havia saído da escola mais cedo e achei uma boa ideia andar pela cidade até dar meu horário, eu era uma pessoa confusa e cheia de perguntas que não poderiam ser esclarecidas por qualquer um, mas começou a chover então eu decidi esperar dentro de uma livraria até a chuva passar, mas pela janela da livraria eu vi um movimento estranho do outro lado da rua, eram dois caras que estavam levando um terceiro para dentro de um beco de uma maneira violenta, eu mais que rápido fui pedir ajuda para o dono da livraria, mas me lembro com clareza de suas palavras "Não se preocupe menina, ele merece, acredite" aquilo me chocou de uma maneira absurda, o que um ser humano poderia fazer para merecer ser tratado assim? Mas eu não podia permitir, então eu corri até o beco sem pensar duas vezes, e oque mais me chocou foi que pessoas passavam por lá! Viam que o homem estava sendo espancado por duas outras pessoas e não faziam nada, pareciam olhar até com certo desprezo, isso me indignou absurdamente e eu sem pensar duas vezes paguei uma lata no chão e joguei em um dos agressores que imediatamente deixou o corpo caído e encolhido no chão para me olhar. Ele era enorme, por volta de trinta anos, me olhou com tanto ódio, nunca vi tanta raiva em alguém, ele certamente iria vir fazer algo comigo, mas quando me viram em situação de risco rapidamente algumas das pessoas que passavam vieram me defender fazendo os dois saírem correndo, e elas novamente me disseram "Garota, não se meta com essas pessoas, elas merecem" e o pior foi saber o motivo de tanto ódio.

Eu ajudei o rapaz a ir até a casa dele, que não era nada mais que um quarto de uma pensão um tanto decadente, e quando perguntei porque ele estava sendo agredido, ele me contou que era porque estava sendo ele mesmo. Saber do motivo, me deixou com muita raiva, que ser humano poderia ser tão ruim a ponto de machucar alguém que não fez nada além de estar quieto, de alguém que somente nasceu diferente do convencional. Começamos desde então a virar amigos, Oli sempre foi essa pessoa incrível, sorridente, amoroso, e eu me ajudou com tantas coisas, eu era tão eu com ele, e não era criticada, foi através dele que eu conheci a minha primeira paixão, ele era daquelas pessoas que se você tivesse ao seu lado, morreria por você se fosse necessário, e eu faria o mesmo por ele. Oli foi expulso de casa pelo seu pai bêbado quando tinha apenas 14 anos, e o pior era que ele que sustentava a casa, já que seu pai era um bêbado, e mesmo assim ele teve a coragem de mandar para a rua seu único filho, que fazia tudo por ele, quando descobriu que ele gostava de homens. A única alternativa dele foi ir se prostituir, para ter um teto sobre sua cabeça. Então sim, estava feliz por ele ter encontrado alguém para cuidar dele, mas estava preocupada também, não o queria machucado novamente e só Deus sabe como as pessoas podem ser cruéis.

Fui arrancada de meus pensamentos quando vi a irmã sorridente caindo ao meu lado, ela carregava uma pilha de pastas e pareceu ter tropeçado em uma pedra. Rapidamente me levantei para ajudar ela a juntar as coisas.

— Oh, obrigada! — disse sem me olhar, ainda focada em juntar as pastas.

— Por nada — respondi, era óbvio que o nome dela não era irmã sorridente, eu a chamava assim porque ela sempre estava sorrindo, diferente de todas as outras pessoas em Howard, parecia estar ali até por engano.

— Gosta de ler? — perguntou curiosa, apontando para o livro que estava no chão, o mesmo que eu estava lendo antes, apenas acenei com a cabeça, ela por fim, após ter tudo em mãos, me olhou com seus grandes os brilhantes e negros e sorriu largo — Temos uma livraria em Howard, nem é frequentada, oque é uma pena, pois tem ótimos livros, deveria ir lá no seu horário de recriação — franzi o cenho confusa, não imaginava que Howard teria uma livraria — Mas é estritamente proibido bagunçar as coisas lá.

— Pode deixar — soltei um riso nasal — Obrigada por me revelar isso irmã...

— Mary, irmã Mary, e não precisa agradecer, só estou retribuindo sua ajuda — apontou para as pastas — Tenha uma boa tarde, Lauren.

Acenei, distraidamente, logo me dei conta que ela sabia meu nome! Como todos sabiam meu nome aqui?

— Como sabe meu nome? — irmã Mary só se virou novamente na minha direção, meio desajeitada e piscou algumas vezes, em seguida sorriu fraco.

— Ah, assustei você? — perguntou envergonhada, eu somente dei de ombros como quem não liga — Sou responsável por ordenar os pacientes, nessas pastas aqui, e tenho boa memória, sei o nome de muitas pessoas aqui, é o meu trabalho.

— Ah, claro, me desculpe por isso, só achei curioso saber meu nome.

— Imagino — sorriu sem mostrar os dentes — Agora tenho que ir, ou a diretora Estrabão vai querer me mandar embora! — disse apressada e sem nem esperar meu adeus ela saiu apressada pelo lugar, eu esperava realmente que ela não caísse novamente.

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