Nada é absoluto. Tudo muda, tudo se move, tudo gira, tudo voa e desaparece.
Frida Kahlo
Sai da sala da diretora revoltada, sim eu não estava feliz por ela ter anunciado que iria me liberar de Howard, em outras circunstâncias eu estaria, mas não agora, pois eu sabia que a única coisa que prendia ela a mim era isso aqui. Quando cheguei ao refeitório, encontrei Claudette conversando com uma das enfermeiras, não iria incomodar elas então só passei reto indo me sentar no fundo. Não demorou muito para que eu ouvisse a negra se sentando à minha frente.
— Essa cara aí? O que aconteceu entre você e a diretora? — perguntou preocupada, eu ergui o olhar suspirando.
— Ela... — parei por um segundo olhando ela, será que eu devia falar sobre o que conversei com Camila para Claudette? Eu não sabia se podia confiar cegamente nela, isso nunca foi colocado à prova, poderia dar uma arma nas mãos dela para ela usar contra mim e Camila. Neguei com a cabeça resolvendo deixar isso de lado — Quis terminar o que tínhamos — decidi por hora não falar nada para ela, eu confiava em Claudette, se ela não fosse de confiança não teria guardado o segredo da minha relação com Camila.
— Ah, sério? — disse com desdém.
— Agora é sério, não é como das últimas vezes — mordi meus lábios pensativa — Ela disse que gostava de mim assim como eu gostava dela... Mas mesmo assim... Não me quer.
— Ela só está sendo lógica, Lauren. Vocês não podem ficar juntas, em nenhuma realidade isso daria certo, ela já tem uma vida formada, você é só uma garota que ainda é mandada pelos pais — deu de ombros me olhando sincera. Baixei meu olhar sentindo uma absurda vontade de chorar... Então é isso? Teria que aceitar tão facilmente que era o fim? Senti minha amiga apertar minha mão por cima da mesa — Eu sinto muito Lauren, mas você precisa entender que é o melhor para você, logo virá outro amor e isso vai ser só uma página antiga.
— Será mesmo? — engoli em seco — Sei o que sinto por ela... Não me parece uma paixão boba, é algo mais... Profundo.
— Todas as paixões quando estão sendo sentidas são.
...
Os dias se passaram como horas, a verdade é que eu já nem queria saber qual dia era ou quantas horas haviam se passado, tudo estava muito sem graça. Ela não falava comigo, mas eu sentia seus olhares sobre mim quando nos encontrávamos embora sempre que eu a olhasse ela desviasse, Camila não parecia muito melhor que eu, tinha olheiras fundas abaixo dos olhos, e eu já não via ela sorrindo enquanto conversava com as freiras. Esse afastamento não estava nos fazendo bem, eu até tentei nos primeiros dias levar isso como algo bom, que resultaria numa espécie de cura... Mas assim que se passou uma semana eu já tentei procurar ela, queria conversar, fazer ela entender que poderíamos dar um jeito, só que ela não quis me ouvir, na verdade, nem liberou minha passagem para sua sala, visto que agora o David ficava novamente na sua porta... Ela tinha medo, sabia que se estivéssemos sozinhas iríamos ceder uma a outra e ela não queria isso, eu sentia que ela gostava de mim, Camila estava mal, assim como eu, isso era uma prova visível de alguém que está com saudades, mas ela estava determinada a acabar com o que um dia existiu entre nós. Eu não podia fazer nada, não poderia lutar por duas pessoas, se ela me quisesse, ela teria que querer lutar por mim também. Eu estava com medo, enquanto eu estivesse em Centralia poderia ver ela, mesmo que distante, não seria só um fantasma para ela enquanto estivesse aqui... Mas depois, quando ela mandasse eu ir embora, eu não seria mais nada que uma lembrança, então, seria fácil para ela me esquecer, fingir que eu nunca existi. E não estava longe, eu sabia que muitos dias já haviam se passado, eu só tinha medo do momento em que um enfermeiro viesse me buscar.
Mas quando o dia chegou, não foi isso que aconteceu, pelo contrário quem bateu na minha porta foi ela.
— Camila — disse assim que vi a figura baixa na porta, ela sorriu na minha direção, mas era um sorriso triste, engoli em seco, sentindo meu estômago se embrulhar com seu olhar.
— Oi... Pode vir comigo? — concordei com a cabeça, e me levantei.
O dia estava frio, então eu peguei um casaco grosso e coloquei por cima do uniforme de Howard. Segui ela pelos corredores da madhouse, mas agora estava dia, passavam funcionários e pacientes por nós. Assim que chegamos ao mesmo corredor eu parei olhando a porta com os olhos arregalados.
_ Não vou entrar não — ela sorriu de lado.
— Juro que dessa vez não vai ter nada... Só quero te levar no lugar que queria da última vez... Mas não pude — cerrei meus olhos na direção.
— Você sempre me coloca nas enrascadas — ela revirou os olhos e destrancou a porta, empurrando para mim entrar. Seguimos pelo mesmo caminho da última vez, mas agora eu me mantinha desconfiada olhando para todos os lados, com medo da irmã Mary aparecer novamente.
— Lo, ela não vai pular sobre nós, está muito bem trancada onde está.
— Ainda não entendi como ela sabia sobre aqui...
— Na verdade, eu descobri isso aqui — gesticulou ao redor — Por causa do meu padrinho...
— Que é o tal Timothy Howard, não é?
— Sim... Ele era muito amigo do meu pai, o último pedido do meu pai antes de morrer foi para que ele fosse meu padrinho, Timothy era como se fosse meu pai.
— Oh, sinto muito Camila! — disse sem jeito, nunca imaginaria que os pais dela fossem mortos.
— Não sinta, foi a muito tempo... Antes de eu nascer na verdade, foi uma doença rápida que o encontrou e levou antes que eu nascesse...
— Você é filha única?
— Sim... Minha mãe nunca quis voltar a se casar. Meu padrinho também nunca foi casado e nem teve filhos, por isso eu era uma filha para ele também. Eu vivia em Centralia quando era pequena, pelo menos o tempo em que Timothy era diretor... Quando a saúde dele ficou frágil e Riley assumiu, foi o tempo em que me mantive afastada. Eu conheço Howard como a palma da minha mão, vivia correndo pelos corredores quando era nova... — ouvia tudo atentamente, era uma das poucas vezes que ela se abria para mim e me falava da sua vida — Howard é minha vida, sabe? Muitas pessoas não gostam daqui... E com razão, mas é uma das únicas coisas que conheço. Meu padrinho me mostrou aqui... É um atalho... Leva para onde quero ir mais rápido...
— E para onde vamos?
— Ah... Espera um pouco que vai descobrir.
— Nunca gostei de surpresas, Camz — ela sorriu de lado erguendo uma das sobrancelhas.
— Talvez eu consiga mudar isso.
— É, quem sabe.
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Madhouse
Romance- No século 20 não precisava de muito para você ser considerado fora dos padrões e automaticamente ser visto como uma pessoa com algum problema mental. A instituição mental de Howard foi fundada pelo monsenhor Timothy Howard para ser algo revolucion...