XXVĪĪĪ

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"Depois do espírito de discernimento, o que há de mais raro no mundo são os diamantes e as pérolas."

Jean de la Bruyere

Não é surpresa para ninguém que minhas noites na "solitária" foram péssimas, as piores, o colchão velho que ficava no chão não era nada confortável. Todos os dias que passei ali, que nem sei ao menos quantos eram, só não foram piores porque tinha alguém que eu podia conversar.

E a cada vez, e conforme meu ódio pela diretora aumentava, a ideia do homem que eu apelidei de Anônimo, por motivos óbvios, se tornava ainda mais tentadora...

Eu não sabia quando sairia daqui, e só podia o fazer quando fosse considerada "curada" ou seja, nunca... Sair daqui era muito, muito tentador e seria um jeito de me vingar da diretora por me deixar aqui para apodrecer, eu sentia meu corpo fraco e me sentia como um animal enjaulado, isso foi muito, muito injusto e eu odiava a diretora por isso.

Mas manipular alguém não fazia parte do meu carácter... fazer a pessoa criar sentimentos por mim para poder estar livre me parecia muito cruel... por isso que eu estava num impasse, não sabia ao certo oque fazer.

" — Uma mulher apaixonada é capaz de tudo — disse com naturalidade.

Ah, claro, contanto que ela realmente fique apaixonada por mim, isso por si só já sendo praticamente impossível, o que você ganha com isso?

Não quero absolutamente nada.

E você quer que eu acredite nisso? — ri com deboche.

Criança, minha vida já acabou há muito tempo, minhas expectativas de sair de Centralia são nulas, só quero esperar o fim de meus dias agora. Ao contrário de você, deveria se agarrar às suas oportunidades, é jovem, tem muito o que viver ainda — respirei fundo, um pouco abalada por suas palavras.

Porque está aqui?

Porque o destino quis — respondeu simples, não dando espaço para mim continuar com perguntas."

— Lauren Jauregui, venha — uma enfermeira ao lado de um enfermeiro alto e negro me chamou, me levantei me sentindo até mesmo tonta, fazia algum tempo que eu estava sentada, muito tempo na verdade.

Mas eu já sabia oque fazer, ia usar as armas que tinha para sair daqui e ir para bem longe, como Anônimo disse, se eu não usar as pessoas, elas iriam me usar.

...

Enquanto eu sentia a água cair por meu corpo minha cabeça trabalhava a mil por hora, revivendo momentos e circunstâncias, eu tinha somente dezessete anos e estava em um hospício por somente uma pequena preferência, o mundo era muito injusto, antes, meus planos eram de ir para bem longe após completar meus estudos, eu viveria em uma ilha afastada, onde eu poderia ser eu mesma sem que meus pais interferissem na minha vida e escolhas, abriria um pequeno restaurante com comidas locais e viveria livre, eu ainda poderia realizar esse meu sonho, se conseguisse sair daqui... Mas embora admitisse que o que Anônimo me disse era verdade, o melhor para mim era usar a diretora Estrabão para conseguir sair de Centralia, ela era diretora daqui, tinha meios para conseguir isso, eu ainda não conseguia me ver fazendo isso, sim ela merecia, mas... Eu tinha que pensar mais em meu bem que no dos outros, mas ainda assim a possibilidade de usar e descartar os outros me parecia muito errada... Suspirei fechando meus olhos, eu precisava me acalmar, acalmar meus nervos. Os dias passados na "solitária" poderiam mexer com qualquer um, e isso não foi diferente comigo, eu sentia meu corpo dolorido, a cabeça latejante pelas noites mal dormidas e até mesmo fraqueza, pois mal havia me alimentado nos dias que estive lá, se a comida de Howard já não era agradável, a que levavam para as pessoas que estavam nas "salas de reflexões" eram menos ainda, era bem semelhante a comida que davam aos porcos, fria e com cheiro forte nem um pouco atraente. Estar aqui "fora" novamente, era muito melhor, eu podia até respirar melhor novamente, e sentir meu corpo sendo limpo daquela sujeira toda da "solitária" era libertador. Tive meu tempo para lavar meus cabelos e tomar um bom banho, ao sair de debaixo de um dos chuveiros que havia no banheiro dos pacientes femininos, encontrei roupas do uniforme limpas sobre um banco longo que havia ali.

Eu tive um pouco de sorte nesse aspecto, como eu era considerada como "controlada" eu tinha adquirido algumas regalias dentro de Howard após algum pouco tempo aqui, como poder andar sozinha pelos corredores, obviamente só após o sino tocar é só para ir do quarto — refeitório e quarto — tratamento e vice e versa, mas o melhor de tudo certamente era em relação ao banheiro, eu podia tomar quantos banhos quisesse por dia, ao contrário da maioria dos outros pacientes, geralmente eu tomava sozinha, não que o banheiro de Howard fosse o melhor do mundo, ele na verdade era bem básico, só alguns chuveiros alinhados a cerca de um metro de distância um do outro, e geralmente as enfermeiras ficavam olhando os pacientes tomarem banhos, eu não sabia como funcionava muito bem isso, já que tanto eu quanto Claudette podíamos ter banhos livres etc... Mas eu suspeito em grande parte que isso tenha sido devido a nossa condição financeira e exigências dos pais, pelo menos era a cara dos meus pais quererem me deixar com mais privilégios que as outras pessoas, não duvido nada que tenham pagado mais para que eu pudesse "contornar" algumas regras e definições de Howard.

Coloquei o uniforme branco limpo, sentindo o cheiro da roupa limpa preencher meu nariz, eu estava morrendo de vontade de ir para o quarto e dormir o resto do dia, mas suspeitava que isso não seria uma opção.

Quando fiquei pronta, saí do banheiro, encontrando os dois enfermeiros que me trouxeram até aqui, eles estavam conversando assim que me viram ficaram quietos, a minha toalha estava sobre o ombro, o potinho com meu sabonete em uma das mãos e as roupas sujas e encardidas na outra, entreguei as roupas sujas para a mulher que fez uma careta mas não disse nada. Ambos me conduziram a um caminho que eu conhecia bem.

— Preciso ir ao quarto deixar isso — apontei para a toalha, a mesma enfermeira que pegou minhas roupas sujas, estendeu a mão para mim entregar a minha toalha e meu sabonete para ela, assim o fiz — Para onde vamos? — perguntei suspirando, mas eu sabia muito bem para onde estávamos indo.

— Para a sala da diretora.

Claro — resmunguei baixinho negando com a cabeça.

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