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Ler um livro é para o bom leitor conhecer a pessoa e o modo de pensar de alguém que lhe é estranho. É procurar compreendê-lo e, sempre que possivel, fazer dele um amigo

Hermann Hesse

— Vejo que seguiu meu conselho! — ouvi a voz doce e da irmã sorridente assim que entrei pela porta que me disseram ser a porta da biblioteca de Howard.

Olhei ao redor admirada, o lugar era magnífico, o máximo que eu esperava era uma prateleira simples com livros religiosos, mas aparentemente não era isso. Era engraçado haver uma biblioteca em uma madhouse, eu sempre associei livros com sonhos e uma madhouse não me parecia um lugar para sonhar. Era um lugar grandioso, com toda certeza a biblioteca mais linda e com mais livros que eu vi durante toda a minha vida!

— Não poderia ter feito melhor... — respondi encantada olhando feito uma imbecil para os livros, não via a hora de ler a maior quantidade que eu conseguisse.

— Gostou, não é? Ela é incrível, como disse, é uma pena que nem seja frequentada — a irmã sorridente estava no alto da escada que levava a um outro andar, onde havia mais livros, ela parecia estar lustrando a parte de fora das prateleiras.

— Não esperava encontrar você aqui.

— Na verdade fico a maior parte do meu tempo aqui, cuido da biblioteca, a mantendo perfeita — sorriu — a diretora sabe do meu amor por livros e não demorou em dizer que eu poderia cuidar da biblioteca, contanto que isso não atrapalhasse minha tarefa principal, que é ordenar os pacientes.

— Cuidar da biblioteca me parece muito mais interessante — comentei com um sorriso, e ela somente concordou comigo sem tirar o sorriso do rosto jovem.

— E é, só me dá pena não haver pessoas aqui, é difícil achar alguém que goste de ler hoje em dia.

— Sim, e isso me choca, ler é uma das melhores coisas do mundo, exercitar sua imaginação, entrar no personagem.

— Sim, realmente, acho que ler é vida,  num lugar triste como Howard as pessoas tem que se agarrar a algo para não ficarem loucas.

— Sim — respondi pensativa, a irmã Mary era diferente das outras pessoas que estavam aqui, ela parecia ter uma chama dentro dela, era a primeira pessoa que vi em Howard que não parecia ser infeliz, era um contraste curioso em relação a tudo, como se fosse um pingo colorido em uma tela cinza, me perguntei novamente o que ela estava fazendo aqui.

— Fique a vontade Lauren, pegue o livro que quiser para ler, somente não os bagunce, consigo ser bem rígida quando mexem com meus queridos livros — disse em um tom divertido, acenei com um sorriso fraco e rapidamente comecei a olhar os títulos que estavam nas prateleiras. Quando achei um interessante, me pus a ler e não demorou para que eu estivesse perdida nas letras da história, e me visse dentro do personagem — Lauren — a irmã sorridente me chamou, piscando eu ergui o olhar, lhe encontrando sentada atrás de uma mesa que ficava perto da porta — Acabou o horário de recriação — disse parecendo sem jeito, concordei rapidamente me levantando — Pode levar para seu quarto — apontou para o livro negro que estava na minha mão — Só não esqueça de devolver.

— Obrigada — sorri verdadeiramente grata, a irmã sorridente só acenou com a mão como quem diz que não é nada — Bom trabalho.

Ela sorriu em agradecimento e eu rapidamente sai em direção ao meu quarto, algumas semanas em Howard  deixavam algumas pessoas com alguns privilégios, eu não precisava ter um enfermeiro ou freira grudado em mim para me levar aos lugares, eu poderia andar livremente, mas isso também gerava punições, se eu não chegasse no horário certo no meu tratamento, ou no meu quarto quando acabava a recriação eu estaria bem encrencada. Obviamente isso não era para todos os pacientes, a segurança tinha níveis conforme os pacientes, os insanos, como serial killer tinham uma segurança extrema, nem podiam sair ao ar livre, não podiam ficar em contato com os outros pacientes, já para os inofensivos as coisas eram mais fáceis.

Não que esse fácil fosse muito melhor.

Quando virei em um corredor, oque me levava ao meu quarto, esbarrei em alguém, alguém esse, que depois descobri ser a diretora.

— Me desculpe — disse olhando dela para seu acompanhante, que era um homem alto, com aparência jovem, ele estava vestido de padre, ele tinha feições sérias, e nem se deu ao trabalho de me olhar.

— Porque não está no seu quarto ainda? — perguntou seca, atraindo minha atenção novamente para ela, não sei ao certo quanto tempo fazia que eu não falava com ela, e estava bem com isso, sinceramente não queria mais problemas do que já tinha, preferi esquecer o episódio de alguns dias atrás.

— Estou indo agora — estava pronta para sair quando senti seus dedos segurarem meu braço.

— Porque está com esse livro?

— A irmã so... Irmã Mary — rapidamente me corrigi — me permitiu trazer ele, amanhã irei devolver.

Ela somente arqueou ambas as sobrancelhas e largou meu braço.

— Vá para seu quarto antes que receba uma punição.

Só acenei e rapidamente me afastei dela, a diretora me assustava com suas mudanças repentinas, mas pensando bem, ela só devia estar sendo tão rígida assim por medo que eu falasse algo, isso obviamente não aconteceria, eu não era desse tipo, não que a fama dela entre os pacientes fossem as melhores, ela era até muito apática em relação aos pacientes, sei que muitos tinham medo dela. A verdade era que a diretora tinha feições jovens, tinha um rosto lindo que poderia facilmente ser confundido com um anjo, mas era tão séria que isso chegava a ser um contraste engraçado, apesar da pouca altura sua presença era imponente de uma maneira absurda, e eu esperava realmente que ela me deixasse em paz, ter o ódio da diretora de Howard não me parecia algo desejável.

— Você só arruma dor de cabeça, Lauren — disse para mim mesma ao entrar no meu quarto.

Porque diabos eu comecei isso?

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