Convite Inesperado

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Acordei com os berros de Luna e Raul. Ainda escutei alguém dizendo que era minha culpa. Eu já não aguento mais ficar nesta casa. Ninguém me quer aqui. Não vejo sentido nenhum em se ter uma família. Sinto ódio desses garotos mimados que são meus primos. Nunca me deram chances de me defender. E meus tios nunca me ajudaram em nada. Só atrapalhavam meus planos. Aquela raiva quase ferveu meus sentidos, até que meu telefone tocou.

-- Tony, seu idiota!!! Era a voz nervosa de Betty.

-- Oi querida! Desculpe não ter retornado ontem.

-- Fiquei até tarde te esperando ligar... Até te liguei de madrugada... Não pense que vai se livrar de mim assim tão fácil, seu besta. Posso estar longe, mas ainda quero e preciso de tua amizade.

Olhei para o visor do celular e percebi que haviam algumas chamadas não atendidas.

-- Me perdoa Betty. Cheguei exausto e acabei apagando aqui... Mas pode ir dizendo tudo. Estou te ouvindo.

-- Então, agora estou com pressa. Estou saindo pra resolver algumas coisinhas. Resolvi agora a pouco que vou passar o fim do sábado com você para te atualizar das minhas novidades. E você também terá que me contar as suas. Preciso muito te dizer o que houve. Te vejo no pub à noite. Um beijo. Até logo.

-- Até.

Depois de mais uns minutos na cama, tomei um bom e longo banho. Senti que precisava de algo para comer. Ontem à noite eu só tinha beliscado fritas, sem tempo, no trabalho. Ainda bem que meus primos já pareciam ter saído, estava um silêncio ótimo. Assim podia ter um pouco de paz.

Quando eu saí de casa, a tia Ruth me chamou.

-- Teremos visita para o jantar. Quero a presença de todos para uma conversa importante.

-- Ok, tia. - Mesmo sem nenhuma intenção de realmente jantar com eles eu concordei e saí rapidamente. Acho que ela disse mais alguma coisa, só não prestei atenção. Estranho. Nunca recebíamos visitas, ainda mais para jantar. Até fiquei curioso para saber como a tia Ruth iria segurar os ânimos de seus dois "anjos".

Na hora do almoço, Betty me ligou perguntando se poderia pegar uma encomenda para ela numa loja ali perto.

-- Por favooorr! Acabei me atrasando e não dá tempo de chegar aí antes da loja fechar. Preciso pra hoje e de qualquer forma amanhã eles não abrem.

-- Tudo bem. Sempre acaba me convencendo a fazer o que você quer, não é, minha gatinha? Não fica longe daqui, acho que posso correr lá antes de acabar meu horário de almoço.

-- E Tony... Posso pedir mais um favor??? -Ela disse com a voz manhosa...

Eu concordei com um resmungo...

-- Por favorzinho??? Pode levar até minha casa quando sair do mercado? Não terei tempo de me arrumar e pegar em sua casa.

-- Tudo bem gatinha manhosa! Eu deixo lá para você. Agora deixe-me ir logo. Até a noite.

Saí um pouco antes do horário do mercado. Dava tempo de sobra para ir a casa de Betty, tomar banho e ao menos conhecer as visitas de meus tios antes de sair para o segundo turno.

Não sei por qual milagre divino encontrei meus primos, já no corredor dos quartos de casa, sendo cordiais um com o outro. Percebi que meu tio mantinha o olhar nos dois de longe. Deveria ter prometido algo bem grande a eles para se comportarem assim.

-- Irmãzinha, pode usar o porão hoje para se arrumar, a banheira de lá é melhor que esta.

-- Meu amado irmão, hoje temos uma grande noite. Obrigada por não a estragar, como sempre. Será o início do tipo de vida que tanto espero.

Raul entrou no banho antes de mim. O que acabou com os minutos que eu tinha a mais. Não entendi a conversa dos dois, mas também não me importei. Quando já estava pronto para sair, meu tio me interrompeu.

-- Não está pensando em sair, né? Esqueceu que sua tia disse que hoje você precisava estar em casa no jantar?

-- Sim, tio, mas acabei de comer umas torradas, preciso ir trabalhar. Achei que o jantar seria mais cedo...

-- Sua tia disse que seria às 21 horas. E que contava com sua presença.

Não me lembro da tia Ruth ter dito um horário. Mas também acho que não a dei chance de dizer ou não ouvi. E essa hora que ele falou eu já deveria estar quase no meio do meu turno. Estava saindo quando meu tio gritou.

-- Já está mais que na hora, rapaz, de entender seu lugar nesta casa. Você sempre atrapalhou nossos planos em família, e será hoje que você vai aprender a nos respeitar devidamente.

Tia Ruth tentou acalmar o marido, mas em vão.

-- Ele tem que entender o motivo de estar conosco e tudo o que nós representamos. -Berrou tio Thomas.

Meu sangue ferveu, surgiu um grande nó em minha garganta e meus batimentos dispararam. Sempre tentei não me intrometer, aprendi a não necessitar deles (a não ser da moradia) desde cedo. Não podia mais suportar aquilo. Me segurei assim mesmo e dei as costas para sair, mas tio Thomas me segurou firme pelo braço.

-- Não ouse sair dessa casa esta noite, rapaz! Não permitirei que destrua a minha família.

-- Que se fodam todos vocês. Não quero mesmo mais estar presente aqui.

Com uma força que não sei de onde vinha, eu puxei meu braço e empurrei meu tio com a outra mão o lançando no aparador, que partiu ao meio. Sem olhar pra trás, saí batendo a porta, ficando com a maçaneta na mão. Até eu mesmo me assustei com aquela cena. Eu nunca agi desta forma com ninguém. Apesar de sempre pensar em fazer algo dessa maneira, sabia como segurar bem. Principalmente com meus tios. E agora eu me sentia perdido. Precisava sair da cidade, acho que podia aceitar morar com Betty. Um sentimento de tranquilidade me abateu, dizendo que assim era melhor. A chuva fina começou a cair quando eu estava chegando no trabalho. Era verão e eu não usava casaco, me apressei para não molhar muito o meu uniforme.





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