Libertação

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Dois dias se passaram e finalmente estava quase na hora que programamos para fazer o ritual. Godrick me fez tomar vários de seus chás no decorrer do dia. Eu me sentia preparado. Tinha aprendido algumas coisinhas a mais a respeito do djinns em um grimório que encontramos e já sentia um poder crescendo dentro de mim que parecia estar prestes a eclodir. Eu precisava liberá-lo. Os exercícios de meditação foram realmente ótimos para me concentrar no que havia dentro do meu corpo.

Precisei de uma roupa virgem para usar no ritual. Um colega do bruxo havia me arrumado uma túnica com algum alfaiate amigo... Era branco feito de seda pura, colhido direto de uma criação de bicho de seda ali perto. Ela serviria para reconectar a minha alma novamente ao meu corpo purificado.

Acho que Godrick não falou muito sobre mim para os conhecidos dele. E eu também estava proibido de sair de casa até conquistar algum poder.

Cheguei a questionar a respeito de meus gastos e ele disse para não me preocupar por enquanto, e que eu era praticamente da família. E pra mim parecia verdade. Pela primeira vez eu me sentia assim. Me sentia que estava onde sempre deveria ter estado. Não queria depender sempre da ajuda de outros, mas naquele caso eu sabia que precisava de muito estudo para me tornar poderoso. Era isso que aquela casa me oferecia.

Também soube que ele herdou esta casa de seus familiares e mais um bom dinheiro, portanto eu não deveria estar dando tanto prejuízo a ele.

Já quase não pensava mais em como minha vida era há poucos dias. Eu estava me sentindo em paz. Consegui superar minhas recentes perdas. A minha raiva evaporou. As meditações eram muito mais que exercícios para meu espírito. Eram como se eu unisse corpo, alma, cosmo e natureza. Um ser completo.

-- Temos que ir. Espero que esteja bem preparado, não poderei ficar com você, mas te mostro o lugar ideal. Ficarei a uma distância segura e caso precise de mim chegarei em poucos minutos. -Godrick estava apreensivo.

Ele já tinha conferido tudo comigo diversas vezes. Acho que estava com medo de não dar certo, ou eu não ser um djinn e acabar me ferindo de alguma maneira. Chegou até a falar que Trixie o mataria se algo de ruim acontecesse...

-- Acho que estou pronto sim.

-- A propósito, consegui contato com Thris hoje. Eles estão no pé dela depois da festa. Super desconfiados que alguma coisa aconteceu naquela noite, mas graças a Deusa não descobriram nada demais.

Fiquei nervoso com a notícia. E confesso que também fiquei com ciúmes.

-- E ela não quis falar comigo? - Perguntei chateado.

-- Ela não teve muito tempo de falar e você estava meditando, não quis atrapalhar... - Respondeu Godrick.

Subimos uma pequena montanha de carro. Logo precisamos continuar a pé. Uma névoa branca parecia começar a invadir a floresta. No céu escuro, estava apenas uma linha luminosa que parecia sorrir para nós, formando metade de um círculo.

Fomos nos embrenhando com dificuldade em meio a pequenas e unidas árvores, com troncos retorcidos, até chegar a uma pequena clareira circular. Bem no centro havia uma espécie de altar. Godrick disse que era um lugar místico, usado para diversos rituais.

-- Se precisar, grite. Volto em algumas horas, antes do dia clarear, se você não for até mim primeiro.

Me despedi dele e dei uma volta na clareira. Bebi mais um gole do chá que era para antes da "Libertação". Subi ao altar e percebi que a névoa cobria grande parte daquela mata.

Primeiro espalhei pelo altar cinco objetos que improvisamos. Uma colher de prata, representando o metal, uma tora de madeira, um jarro com água, velas e algumas pedras. E eram os cinco elementos da natureza que, dispostos em formato de um pentagrama, conectariam minha alma a natureza. Em pé, comecei um dos exercícios iniciais para me concentrar. E então olhando para a noite estrelada comecei a repetir uma reza para a Libertação que me veio à mente.

-- Oh poderoso Cosmos! Liberte-me de tudo o que me detém! Que o Seu desejo seja o meu desejo é que nos tornemos um só. Eu lhe ofereço minhas mãos para trabalhar a sua força. Eu lhe ofereço meu corpo para se transformar em que desejas. Eu lhe ofereço meus pés para seguir Seu caminho. Eu lhe ofereço minha mente para compreender a Sua verdade. Luz do Cosmos! Venha até mim! Tome de volta o que sempre foi seu. Só Você me une ao universo. Só Você me completa. Oh poderoso Cosmos! Liberte-me...

Quando me dei conta eu estava flutuando e não tinha mais os pés. No lugar deles havia apenas uma fumaça azulada. Eu estava alto o suficiente para poder enxergar toda a extensão daquela floresta. A névoa branca que estava em meio às árvores parecia me seguir. E então, aos poucos, eu me tornei fumaça por completo. Era como se meu corpo desaparecesse naquela branquidão do nevoeiro. Eu podia sentir cada ser, cada respiração ali perto. E em poucos segundos eu era toda a mata, todos os seres ali presentes, toda pedrinha umedecida pelo orvalho noturno, cada folha verde que sacudia pelo vento.

Perdi a noção de quanto tempo eu fiquei admirando minhas novas habilidades e observando toda a magnitude da floresta e os animais que viviam nela. Até que percebi que faltava pouco para clarear. Eu sabia exatamente onde estava meu amigo, então fui até lá, voltando ao meu corpo humano e ainda vestindo a túnica.

-- Que susto! Nem vi você chegando. E então? Percebo que deu certo. Posso ver que você agora está com um nível de poder incrível para um iniciante! - Disse Godrick.

-- Confesso que estou estupefato. Só agora conheço meu potencial e sei que ainda posso ser muito maior.

-- Perfeito. Vamos embora, agora. Você precisa recarregar as energias e eu preciso da minha cama. -Ele quase implorou.

Queria poder repassar todas as minhas sensações a ele. Estava maravilhado com tudo. Mas sabia que precisava me segurar. Eu já havia visto e sentido coisas que não estavam nos livros e por algum motivo eu sabia que aquilo deveria ser somente meu.









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