Tragédia

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Desperto assustado com o toque do telefone. Pulo do sofá já vestindo minhas roupas da noite anterior. Devo ter dormido só umas duas ou três horas. Ouvi tia Kátia, a mãe de Betty, apreensiva ao telefone. Há muito tempo ela tinha me pedido para a chamar assim, de tia.

Não demorou muito para que ela viesse em minha direção e eu a desejei um bom dia. Betty veio logo atrás da mãe, ainda com cara de sono e vestindo um roupão.

-- Bom dia, mamãe! Quem era a essa hora?

-- Bom dia queridos. Receio não ter boas notícias! -Exclamou tia Kátia me olhando séria. -- Parece que houve um ataque na casa de seus tios. A entrada está parcialmente destruída. Não sei como eles estão, só que a polícia está lá.

-- Estou indo já pra lá. -Anthony avisa.

-- Vou me trocar e ir logo em seguida.

Corri pelos dois quarteirões que separavam nossas casas. O sol já ardia e reinava no céu. Virando a esquina percebi a rua cheia de curiosos e uns três carros de polícia.

Tive que apresentar minha identidade para me deixarem passar pela barreira. A entrada estava bem destruída, hesitei um pouco, mas logo continuei. Um policial me abordou, levando pra dentro de casa e questionando o grau de parentesco com os moradores e disse que era um morador. Expliquei rapidamente que sempre morei com meus tios e meus dois primos e estive parte da noite fora trabalhando, depois saí para comer um lanche e dormi na casa de uma amiga.

-- Segundo os vizinhos, ele é de fato um morador. - Disse um policial, logo ordenando que outro fosse conferir meus horários de entrada e saída do pub de ontem.

-- Bom, vamos conferir seus álibis. Se tudo estiver batendo nós te liberamos.

-- Mas cadê todo mundo? Até agora não sei o que aconteceu?

-- Sinto em informar que encontramos três corpos na casa, ainda não identificados. Acreditamos que era a garota que não estava em casa, mas não conseguimos contato com ela até o momento.

Fiquei horrorizado, sem palavras, entrei em choque. Engoli em seco e perguntei meio gaguejando se poderia ajudar em alguma coisa.

-- P.po.posso ajudar? Onde está Luna?

-- Ainda não temos muitas informações, mas vamos investigar o que houve. Primeiro, você terá que nos acompanhar até o necrotério.

-- Claro. Será que posso ao menos me trocar? Ainda estou de uniforme...

-- Tudo bem. Se apresse. Ainda temos muitas perguntas para você. Depois do necrotério, você irá à delegacia prestar depoimento.

Só então percebi como estava a casa revirada e com muito sangue escorrendo pelas paredes da sala. Uma sensação de desespero me acometeu, seguida daquela fúria que nunca estava muito longe de mim. Eu estava atônito, sem perceber ainda ao certo o que estava acontecendo. Parecia mais com um sonho ruim.

Troquei de roupas rapidamente. Aproveitei pra pegar uma mochila e deixar pronta uma pequena mala. Meu quarto também estava revirado, mas minha caixa de lembranças ainda estava no fundo falso de uma gaveta. Peguei apenas uma das fotos e o colar que achava ser de minha mãe, para levar comigo.

Percebi um envelope caído próximo a um dos pés da cama. Como não o reconhecia eu o peguei e abri. Ali estava uma boa quantia em dinheiro, uma fotografia e também uma carta com a letra de meu tio. A foto era de uma família que parecia feliz. Um casal, com uma linda menina de uns seis anos, um menino de uns quatro anos e um bebê. A mulher usava um colar igual ao meu.

"Chegou o momento de você seguir sozinho sua vida. Guardamos o dinheiro que você achava que contribuía com a casa. Na verdade, tínhamos medo de você nunca sair daqui. Por isso resolvi juntar isso para você.

Eu o encontrei ainda bebê nos escombros de uma casa que acabara de ser atacada por seres malignos, onde seus pais e irmãos morreram.

Fui aconselhado a te acolher e te criar como se fosse da família, para evitar que aqueles homens voltassem para te fazer mal."

Isso explicava muita coisa naquela casa. Mas o que será que realmente tinha acontecido com minha família? Assassinados? A mulher estava usando o meu colar? E eu tive irmãos... seriam aqueles da foto? Eles também estavam mortos... Será que estaríamos unidos? Essas pessoas da foto são diferentes das fotos que tenho de meus pais. Será que as que eu tinha eram falsas? Aquela ira dentro de mim só piorou. Foi difícil me segurar na frente de tantos policiais. Tinha tantas perguntas que parecia que ninguém mais iria poder me responder. E onde estava Luna? Quem será que tinha ido visitar meus tios, aliás, a família que me acolheu...???

Um policial interrompeu meus pensamentos dizendo que precisávamos ir.

-- Só peguei algumas coisas pois não devo voltar a esta casa.

O policial deu uma olhada dentro da mochila e perguntou sobre o dinheiro. Eu o disse para ler a carta que explicaria aquela quantia.

-- Você deverá explicar melhor isso ao delegado.

No caminho eu perguntei se poderia avisar minha amiga de onde eu estava pois ela deveria estar preocupada...

-- Oi Tony! Onde está? Cheguei em sua casa mas não me deixaram aproximar. Narraram coisas horríveis, o que houve realmente, como você está?

-- Oi Betty! Infelizmente parece que meus tios foram atacados perto da meia noite. Ainda não temos mais respostas. Estou acompanhando os policiais para reconhecer... os corpos...

Aquela hora minha garganta se fechou e me segurei para não demonstrar meu pânico.

-- Depois irei até a delegacia prestar depoimento. Acho que não poderei viajar com você hoje...

-- Devido a situação eu consigo te esperar. Falto uns dias de aula até que possa vir comigo. Quando puder, estarei te esperando em minha casa. Ou se quiser posso ir te buscar na delegacia.

-- Agradeço, querida. Te ligo mais tarde caso precise.

A polícia tinha me instruído a não dar detalhes a ninguém, ao menos por enquanto, sobre o estado da casa e a respeito do sumiço de Luna. Talvez ela estivesse envolvida. Ainda pedi para ligar em meus empregos para dar satisfação e pedir contas. Era muito para processar mas eu ainda devia essa justificativa aos meus empregadores.





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