O Velório

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Abri os olhos e vi no celular as horas. Já passava das dez e meia da manhã. As sensações do dia anterior me chegaram de novo como um furacão e já levantei abatido. Troquei de roupa e fui até o banheiro. Tentei me acalmar jogando água no rosto. Tinha esperança de que Luna me ligasse, mas não havia chamadas perdidas em meu telefone e o dela ainda estava desligado. Então resolvi ligar para a polícia e ver com detetive André se tinha novidades do caso de meus supostos tios.

O detetive me atualizou que o pai de meu tio havia aparecido e esclarecido que ele era a visita da noite. A polícia acreditou nele pois conseguiu montar uma linha de tempo com o depoimento do pai onde perceberam que a família teve um tempo tranquilo de arrumar a cozinha e colocar as roupas de dormir antes dos intrusos chegarem.

Também me informara que o pai de Thomas tinha cuidado dos preparativos do velório dos três familiares para acontecer ainda hoje. Fiquei aliviado por não ter que cuidar disso. Não tinha noção do que fazer e talvez eu acabasse gastando toda minha grana naqueles enterros.

Quando chego na cozinha Bethy e tia Kátia estavam preparando o almoço.

-- Bom dia querido! Já está com fome? Pode servir de alguma fruta agora. O almoço deve sair em breve.

Bethy já estava me abraçando dando seu bom dia, eu retribuí com o beijo no rosto.

-- Luna já ligou?? Pergunta Bethy.

-- Sem notícias dela ainda... mas tenho uma estranha sensação de que ela está bem... Liguei a pouco pro detetive. Ele me confirmou a história do pai... gostaria de ir ao velório hoje ainda...

-- Claro! Podemos ir embora direto quando sairmos de lá. Já sabe o local e horário?

-- Não... preciso pensar quem já deve saber...

-- Podemos ligar na empresa do tio Thomas. Já devem ter sido informados... -Diz Betty já me entregando o telefone da casa.

Eu disco o número, mas passo o aparelho para Bethy falar. Em menos de cinco minutos ela já tinha anotado o endereço e horário.

-- Acho que teremos tempo suficiente de conhecer esse "pai" e quem sabe descobrir alguma coisa de Luna. Talvez eu veja alguma de suas amigas...

Depois do almoço, nós seguimos para o velório já com o bagageiro cheio de coisas da Bethy. Ela quis levar antes, mas não tinha espaço pra colocar tudo em seu quarto. Agora que iriam ter um lar só deles, ela podia levar todo o quarto e parte da casa. Eu só tinha uma mochila de roupas mesmo...

-- Esqueci de te contar. Pela manhã eu liguei pro proprietário dos apês e ele já vai nos aguardar hoje com a chave. Não precisaremos dormir com as meninas então.

Eu fiquei aliviado. Mas, como sempre me virei sozinho, já estava me cansando de ter que pedir tanta ajuda a Bethy. Ela era uma ótima amiga, mas não queria que ela pensasse que eu estava me aproveitando dela.

-- Acho que com a grana que meu tio me deixou, eu já consigo me virar sozinho um tempo.

-- Mas você nem pense nisso, cara. Já informei as meninas que estou de saída e elas já acharam alguém pra ficar no meu lugar. Se eu não ficar com você, terei que me virar sozinha. - Brava, Bethy me deu um daqueles tapinhas dela.

-- Desculpe. Só não quero me aproveitar de você.

-- Até parece... você nunca ousaria...

No velório vejo diversos conhecidos. Outros nem tanto. Mas todos vêm até mim me dar os pêsames. Tinha bastante gente ali. Não sabia mais se eram amigos de meus "parentes" ou apenas curiosos. A cidade toda parecia estar lá. Me cansei de agradecer. Nenhum dos presentes, com exceção de Beth, sabia que na verdade eu não fazia parte da família.

Bethy ficou um bom tempo ao meu lado e depois sumiu. Os caixões estavam lacrados. A imagem dos corpos não parava de vir à minha mente. Realmente não tinha como não estarem lacrados. Só depois de um bom tempo que percebi um senhor em um canto, cabisbaixo e desenganado da vida.

Aproximei dele e o perguntei se ele era o pai do tio Thomas. Ele assentiu com a cabeça.

-- Você se tornou um belo homem, enfim. -Ele me fala.

-- Desculpe. O senhor já me conhecia?

-- O conheci ainda bebê, quando o garoto Thomas te encontrou. Mas depois tivemos que nos separar e perdemos todo contato. Não pude ver meus netos crescerem e nem ajudar meu filho a entender sua nova vida. -Ele termina a frase quase sussurrando, parecia ferido ou arrependido.

-- Mas... por que não pôde participar da vida deles? Tenho certeza que Luna e Raul adorariam ter avós. Nunca soube que meus tios tinham outros familiares.

-- Es meu rapaz, não é um bom momento para discutir essas coisas. Só sei que agora eles finalmente poderiam voltar ao nosso lar. Depois de tantos anos... e justo no dia que nos reunimos acontece essa tragédia.

-- Luna estava no jantar com vocês? Sabe onde ela está? Sabe quem eram os invasores? Seriam os mesmos que mataram meus pais? - Pergunto pensando alto.

-- Fique tranquilo, garoto. Saiba que Luna está bem e segura. Tudo tem o seu devido tempo. Um dia irá ter todas essas respostas. No momento, é tudo o que devo lhe dizer.

Saí de lá com vontade de esganar aquele velho. Ele tinha respostas mas não queria me dar. Por que não o fazia? Pra que tanto mistério? Betty chega por trás de mim me levando de volta a ter os pés no chão.

-- Meu Deus! Que cara é essa?

-- Acho que já deu por hoje. Cumprimentei todos que podia. Vamos embora?

-- Sim. Você quem manda.

Fiquei em silêncio quase toda a viagem, eram cerca de duas horas até Viena. Bethy até tentou puxar conversa mas eu estava muito irritado e com os pensamentos a mil, bem longe daquele carro. Tentava teorizar tudo o que o velho não me contou.

-- Ei Thony!!! Pode ao menos dar alguma resposta?? Diz Betty frustrada me sacudindo.

-- Desculpe. O que disse?

-- Disse que estou com fome e estamos quase em casa. Podemos parar e comer algo? Lá não terá nada pra gente fazer. Precisarei ir às compras amanhã...

-- Tudo bem. Respondo ainda meio avoado.





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