Mais um domingo de descanso. Meu treinamento com a Mestra Eva estava bem rigoroso, exercitávamos de segunda a sábado. Já havia passado meio ano desde que cheguei a casa dela. A temporada de neve acabara e o clima começava a esquentar.
A comunidade bruxa da fazenda era bem bacana, cerca de 15 pessoas moravam nela. Pareciam ser de confiança, o que não me admira. Eva nunca deixaria viver em sua casa alguém que tivesse caráter duvidoso.
Claro que todos tinham uma história triste e apesar de acabar conhecendo algumas histórias cruéis da Bruxa Original, percebi que no fundo ela era bem humana.
Pude fazer alguns amigos. Eu e outros caras praticávamos arco e flecha bruxo aos domingos. Lembro de achar engraçado de ver os arcos se armando sozinhos, mas descobri que para isso é necessária muita concentração e treino. E é divertido.
Eu sei que fabricavam poções e outros feitiços, tinham algumas plantações de coisas que nunca vi, mas não podiam me dizer muito o que eram exatamente, mas ainda assim aprendi muita coisa. Eles vendiam produtos mágicos produzidos no local, uns pela internet e outros em feiras da região.
Godrick encontrou seu lugar. Amava tudo aquilo e havia aprendido muito. O bruxo desengonçado que conheci se tornou um ótimo pocionista. Acho que estava até namorando. Eu quase não o via mais. Só às vezes eu o procurava para saber se ele tinha notícias de Trixie. Mas a resposta era sempre não.
A cômoda tinha vindo parar em meu novo quarto. Dona Carlota a trouxe para mim. Levei o maior susto quando descobri o que era aquele ser espectral. Hoje eu acho graça da história... ela já foi uma pessoa mas agora é um fantasma, um espectro que consegue se materializar em qualquer lugar e mover coisas, além de ter força sobrenatural. O pessoal diz que ela morreu antes de saldar sua dívida com a Mestra, e por isso foi fadada a servi-la pela eternidade.
Graças, talvez, a famosa Deus Mãe, meu diário e o colar de minha mãe estavam intactos, escondidos no fundo falso de uma gaveta. Os bruxos dali adoravam a tríade de Deusas (Mãe, Anciã e Donzela), mas meu poder era Cósmico, estava mais ligado aos astros do que a algum Deus. Descobri que havia, nos pertences que herdei, uma magia para que só fossem vistos pelos olhos do dono. Passei a usar escondido o colar quando soube que o talismã verde dele me deixava ainda mais poderoso.
Consegui estudar todo diário e o traduzi também. Eu já estava no terceiro nível de poder, como ele descrevia, e percebi um alerta neste ponto. Até algumas transformações eu já havia tentado. Era o máximo que eu deveria chegar se eu quisesse continuar tendo uma vida com pessoas amigas por perto. Meu poder poderia ser infinito se o deixasse crescer mais. Mas tudo sempre tem um porém.
Alem de fazer qualquer magia que faça um bruxo, agora sou capaz de detectar ameaças ou uso de poderes a cerca de 50km de distância de mim. Posso abranger algumas cidades próximas com a minha névoa ou ficar translúcido como se fosse apenas uma assombração. Consigo gerar uma conexão mental com até 3 outras pessoas ao mesmo tempo, mas para isso é necessário que elas também tenham algum tipo de poder. O mais legal foi me transformar em outros seres.
Eva diz que o que me falta é malícia, sou muito ingênuo. Então tento tomar outras lições com ela. Sou uma arma ambulante, que segundo ela, posso ser usado por qualquer um. Já a pedi para me levar para lutar com outros, mas ela diz ser arriscado demais. Que quando for a hora certa eu terei minha grande batalha.
A maioria dos djinns são seres ambiciosos, egoístas e maldosos. E também por isso, ter poderes ilimitados vêm com a condição de ser preso a algum objeto e só responder aos desejos do mestre que fosse digno de encontrar este precioso item. Por isso, no quesito poder, eu já estava pronto, só faltava um pouco de experiência de campo.
Me sentia preparado para derrotar qualquer inimigo. Estar sem notícias de Trixie todo esse tempo me deixava mais ansioso. Mas a Mestra não permitia que eu tivesse qualquer sentimento, dizia que atrapalharia a minha evolução. Então eu reprimia meu amor e minhas preocupações.
No fim daquele dia, quando eu me preparava para dormir, eu a senti. Senti a presença de Trixie a cerca de 40 quilômetros dali. Ela teria escapado? Como chegara tão perto da fazenda? O lugar era distante de tudo e muito complicado de se encontrar, mesmo para quem já conhecesse, sem contar os inúmeros feitiços de proteção que haviam na casa. Só a percebi pois ela usou uma magia de localização.
Pensei em me transformar em um pássaro e tentar ver o que realmente estava acontecendo, mas minhas transformações ainda precisavam de treino. Antes de chegar à janela de meu quarto minha tentativa de voar ao encontro de Thris, Dona Carlota surgiu em minha frente, me impedindo.
-- A Senhora o aguarda com urgência no escritório. - Ela disse.
Contrariado, eu fui até lá, infelizmente eu a devia ao menos uma satisfação do que estava prestes a fazer.
-- Com licença... - pedi ao entrar na saleta.
-- Que bom que não foi igual a um patinho para a armadilha. Estão te esperando. Talvez sejam muitos para você.
-- Mas só senti Trixie, e iria como pássaro... - tentei justificar.
-- É claro, só ela usou magia, mas tem muitos mais com ela. Você não pensa que eles podem ter outros djinns a favor deles? Podem te derrotar facilmente, inclusive se estiver em forma de algo mais frágil. Sem contar que iria denunciar a localização de meu esconderijo de centenas de anos. Mandarei a Carlota para verificar primeiro o que estamos prestes a enfrentar. Peço que se concentre em nossos inimigos e que esteja aberto para a possibilidade de sua "amiga" ser uma traidora.
Será que o que senti por Trixie não passava de algum truque? Ela seria mesmo capaz de me trair depois das sensações puras que tivemos? Mesmo que nosso contato tenha sido por um curto período, aquilo só podia ser amor, sabia que era para sempre, não podia ser uma farsa e ela não podia me trair... ou poderia?
Será que fui enfeitiçado, na fatídica noite da morte de Beth, por uma poção do amor? Fui enganado por meus sentimentos? Precisava a ver mais uma vez para ter certeza. Daria um tempo a Dona Carlota, mas não podia esperar muito mais... Ela também poderia ter se voltado contra mim para salvar o irmão. Não queria acreditar nisso. Mas talvez eu devesse, talvez estivesse sendo mesmo ingênuo ao pensar que amor a primeira vista existia. Eu não sabia quase nada dela, convivemos por pouca horas, a família dela poderia estar ligada as trevas que eu não saberia. Talvez fosse apenas uma história para me enganar e eu caí.
Fui obrigado a permanecer quase enterrado na poltrona do escritório e estava quase me convencendo de uma possível traição de Trixie quando Dona Carlota retornou e me levantei.
-- Fique, você deve ouvir.
-- Senhora, há cerca de 100 espalhados na cidade. Há muitos vampiros, 3 bruxos, alguns poucos lobos. Não consegui identificar um dos indivíduos corretamente. O Senhor Ravnor está na liderança, mas não vi sinal dos outros.
-- Então chame a todos. Precisaremos de cobertura e distrações.
Logo todos já estavam preparados no galpão de orientação. O plano estava sendo repassado. Iríamos dar a volta no vale e chegar à cidade pelo sul para que não soubessem a nossa localização. Demoraríamos só uma hora a mais para fazer a volta.
Podíamos não ser muitos como eles, mas o plano era bom e deveria funcionar para eliminar ou afugentar alguns. Os bruxos tinham muitas cartas na manga e pareciam sonhar com qualquer vingança há tempos. Todos tinham algum motivo para odiar os descendentes.
*****************************************
VOCÊ ESTÁ LENDO
Meu Mundo Sombrio
FantasyUma tragédia, um bebê perdido, um amor encontrado e muito poder. Antony não se sentia bem morando com os tios, mas precisava disso até juntar dinheiro e sair dali. Seu mundo vira de ponta cabeça quando perde tudo o que conhecia, confiava e amava. A...