Há Muito Tempo Atrás...

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Yuri

Eu morava no sul da Ásia, numa pequena vila com a minha mãe onde cuidávamos de uma singela plantação de arroz. Meu pai morreu quando eu tinha 9 anos e desde então me comprometi a sustentar a casa. Por conta de tanto trabalho físico eu sempre fui bem forte.Sonhava em me casar com uma moça que nem me conhecia... Minha mãe, Dora, tinha uma saúde frágil, então eu não tinha muito tempo, nem dinheiro para investir em uma esposa.

Estava com 23 anos quando conheci um grande investidor que prometeu mais terras no país dele em troca de meus serviços. Foi poucos dias antes de minha mãe falecer. Me vi sem futuro ali, sem família, portanto aceitei (como se houvesse outra escolha) a oferta do investidor.

Então ele me contou que tinha muitas terras e que estava selecionando algumas pessoas para o ajudar. Eu não sabia bem na época como ele conseguia me influenciar mas eu acabava fazendo tudo o que me ordenava.

Já nas terras dele, ele me fez beber um pouco de seu sangue. E ele bebia do meu. Isso foi por uma semana até que ele ordenou que eu me matasse. Eu, contaminado com seu sangue acatei suas ordens sem pestanejar. Me pendurei pelo pescoço em uma árvore.

Horas depois eu estava de volta e não precisava mais de ar para estar vivo. Foi simples arrebentar a corda que estava em volta de minha traqueia. Fiquei muito forte com minha meia transformação.

Comecei a sentir uma dor no estômago e uma fome que não entendia. Quando tentei colocar os pulmões para trabalhar inalei um cheiro ferroso delicioso. Como um tigre faminto eu corri com velocidade inumana em busca daquele odor. Sem pensar muito bem dei um salto sobre um menino que brincava de bola ao pé de um Carvalho. Sentia a vida dele se esvaindo através de minhas presas. Só consegui o soltar quando não tinha mais o que sugar daquele pequeno corpo.

O sol começava a me castigar então busquei abrigo na casa de meu patrão. Fui para uma parte subterrânea e fiquei ali com minha consciência pesada por tantos dias que eu nem pude contar. No início eu chorei. Pobre garoto. O que eu tinha feito? O que havia de errado comigo? Ainda estava confuso, com medo e com ódio de mim mesmo.

Tinha muita fome. Mas não queria me alimentar. Preferia a morte, não queria tirar a vida de outro inocente. Mal eu sabia que estava condenado àquilo pela eternidade. Até que ela voltou de forma avassaladora e deixei meus instintos me guiar. A vítima dessa vez foi um trabalhador que voltava sozinho tarde da noite para casa.

Dessa vez meu patrão não me deixou sozinho. Ainda me lembro das primeiras coisas que ele me disse:

-- Venha cá meu primeiro filho! Vejo que agora você é meu por completo. Bem-vindo ao meu mundo! A partir de agora você terá tudo o que desejas!

Ele me contou que já havia tentando transformar outros, mas não sabia como fazer exatamente e nem se daria certo. Agora nós dois sabíamos. Eu não sabia como reagir, cheguei a avançar nele. Não compreendi o porquê dele ter me escolhido. Estava com muito ódio por ele ter amaldiçoado a minha vida. Não sabia se conseguiria conviver com o que eu tinha feito. Ele me impediu de atacá-lo com uma só mão, olhou em meus olhos e me convenceu que estava tudo bem.

Drácula parecia feliz em me contar sua vida e suas expectativas. Ele não esperava que algum dia conseguisse transformar alguém de fato. Achava que era coisa de bruxa. Drácula me contou que seu nome de batismo era Vladimir. Sim, ele e o irmão gêmeo Lucius tinham uma vida comum, com uma família comum e que frequentavam a igreja todos os domingos.

Na adolescência eles iam a escola interna, só para homens de famílias ricas. E passavam os finais de semana com os pais. A fazenda da família não era longe da cidade. Apenas uns 30 minutos a cavalo.

Seus pais morreram de uma febre que acometeu várias pessoas ali perto. Os dois também tiveram a tal febre, porém apareceu uma ajudante de um doutor os achou tão lindos que resolveu ficar na fazenda e cuidar deles. Ela os deu alguns chás, fazia punções e colocava uma erva úmida e fedorenta embaixo de suas axilas. Às vezes dizia algumas palavras em outras línguas que eles não compreendiam.

Os dois acabaram se apaixonando por ela e a seguiram quando estavam melhor. Eles não estranharam quando descobriram que ela era uma bruxa, pois todos que pegaram aquela febre estavam mortos. Menos eles. Então, só podia ser bruxaria.

Os irmãos começaram a disputar a atenção e o carinho da bruxa, enquanto ela jogava com os sentimentos deles. Até que ela sugeriu que deixassem a magia decidir com quem ela deveria ficar. Ela e seu coven fariam um ritual de transformação dando alguns poderes aos dois e a vida eterna também, para que pudessem viver junto a ela. Aquele que se desse melhor com os poderes teria o amor da bruxa.

Mas tudo fora uma enganação. As bruxas transformaram os irmãos em dois monstros e depois do ritual elas desapareceram completamente.

Lucius e Vlad passaram a se odiar e tentaram lutar inúmeras vezes para descobrir quem era mais forte. No fim era sempre o cansaço que os vencia. Uma das batalhas chegou a durar três semanas.

Os dois se curavam rápido e descobriram que o sangue de um era venenoso para o outro. Vlad ainda aprendeu outras habilidades, a cada luta melhorava força, agilidade e parecia até pressentir o que aconteceria. Mas seu irmão também aperfeiçoava suas técnicas de batalha.

Vlad tinha certeza que ainda voltaria a encontrar aquela bruxa e estava disposto a arrancar o seu pescoço. Ele se condenou a viver nas sombras pois foi muito difícil aceitar aquela sua condição de monstro. Não entendia o motivo de ter que matar para sobreviver. As pessoas que moravam por perto começaram a culpá-lo pelos desaparecimentos constantes. Seu irmão manteve uma vida relativamente normal. Ainda se alimentava de tudo. Vlad não conseguia mais saborear uma boa refeição. Apenas drenar veias pulsantes em pescoços quentes e perfumados. Ele mesmo ficava horrorizado a cada homicídio que cometia sem se dar conta. Acabou se afastando, indo para um local diferente e longe de seu irmão para pensar em outras formas de atacá-lo e procurar aquela que blasfemou sua vida.

Então começaram suas tentativas de transformação. Fez várias vítimas até chegar a mim. Ele aprendera a conviver melhor com ele mesmo, mas com outros ele convivia por puro interesse. Descobriu outros poderes e se tornou um verdadeiro monstro pois só conseguia sentir ódio. Ódio da bruxa, ódio de seu irmão traidor e ódio da humanidade que não o compreendia. Foi assim que conseguiu tudo para viver da melhor maneira que poderia. Influenciava os homens fracos a lhe dar e a fazer tudo o que ele bem entendia.

Eu era uma esperança para ele. Por isso estava tão feliz. Acho que fui o único a conhecer toda essa história. Pelo menos da boca de Drácula. Ele assumiu esse nome depois de um tempo, pois não fazia sentido continuar com o seu. Ele me ensinou tudo o que eu deveria saber para viver bem com minha nova situação.

Logo fiquei fascinado com aquela vida. Não me importava mais em consumir todo sangue de alguém, apesar de ter aprendido a me controlar. O que era até melhor porque assim eu poderia aproveitar mais vezes daquela mesma pessoa. Eu tinha quantas mulheres eu queria em minha cama e as convencia a fazer qualquer coisa por mim.

Apenas o meu criador não era afetado pela luz do sol, ele vivia nas sombras por opção ou para não ser tão julgado pela sociedade. Mas quando eu tentava chegar até a janela durante o dia, minha pele queimava, borbulhava e derretia.

Como eu regenero rápido, eu até tentei algumas vezes ficar o máximo de tempo no sol. O máximo que eu suportava. Era inútil. Eu apenas voltava para as sombras com aparência de um boneco de cera derretido. Não sabia o motivo de não poder andar à luz do dia.

"Meu Rei", como pediu para ser chamado, me treinou com algumas técnicas de batalha antes de sair em viagem. Ele queria mais filhos para ajudá-lo a dar um fim na bruxa e em seu irmão e não podia ser qualquer um. Ele gostava de escolher a pessoa certa.









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Meu Mundo SombrioOnde histórias criam vida. Descubra agora